Não ignoremos (nem discriminemos) o trabalhador oncológico!

Habitualmente, quando falamos do trabalhador, abordam-se temas como o direito do trabalhador a desligar ou a desigualdade salarial entre homem e mulher. Sem dúvida alguma que se tratam de temas prementes e que devem estar sempre na ordem do dia. No entanto, cremos que há um que acaba por ficar esquecido e que se reveste da maior importância. Falamos dos direitos do trabalhador doente oncológico.

Por Ana Rita Ferreira, advogada na DOWER-Law Firm

 

Estima-se que uma em cada três pessoas virá a sofrer de cancro durante a sua vida. Ainda que as possibilidades de cura sejam cada vez maiores, trata-se de uma realidade que veio para ficar, não tendo perspectivas de erradicação. É um flagelo da sociedade moderna.

Apesar disso, ainda existe um enorme estigma e discriminação de alguns empregadores em relação ao doente oncológico. Entendem erradamente aqueles que se tratam de trabalhadores que, por verem algumas das suas capacidades diminuídas, já não serão úteis profissionalmente, e que, portanto, o ideal será promover a cessação do seu contrato de trabalho. Olvidam que o cancro não é uma sentença de morte. Nem a nível pessoal, nem a nível profissional.

Os trabalhadores doentes oncológicos não devem ser negativamente discriminados, empurrados para fora da empresa. Pelo contrário, têm direito a beneficiar de um protecção específica que não onere em demasia o empregador. Isto é, o que se pretende é que não seja agravado o estado de saúde do trabalhador ou que se coloque em causa a sua recuperação, sem que tal represente um maior encargo para as empresas, ao ponto de estas virem a promoverem aquilo que se pretende evitar – a cessação do contrato de trabalho do trabalhador.

Na verdade, a nossa lei, mesmo fora do âmbito laboral, já reconhece um conjunto de direitos aos doentes oncológicos, de que são exemplo: dispensa do pagamento de taxas moderadoras de consultas e actos complementares prescritos no âmbito do tratamento e seguimento da doença oncológica; isenção do pagamento de taxas moderadoras, no caso dos doentes oncológicos com incapacidade igual ou superior a 60%; regime especial de comparticipação de medicamentos, entre outros.

No contexto laboral, os direitos reconhecidos aos trabalhadores oncológicos constam dos artigos 85.º a 88.º do Código do Trabalho.

O doente oncológico não pode ser negativamente discriminado por conta da sua condição de saúde. Tem exactamente os mesmos direitos que os restantes trabalhadores, não só no acesso ao emprego, como na carreira. Isto é, em termos de progressão profissional. Se o trabalhador, ainda que doente, e sem prejuízo das especificidades inerentes à sua situação, está em igualdade de circunstâncias que os demais, tem de lhe ser conferido o mesmo direito, tanto a nível de progressão na carreira, como salarial.  A igualdade de direitos aplica-se, identicamente, no direito à formação e nas condições de trabalho.

No que concerne à forma de organização do tempo de trabalho, ao trabalhador oncológico, em fase de tratamento, é dispensada a prestação de trabalho em horário organizado de acordo com o regime da adaptabilidade, do banco de horas ou do horário concertado, se estes forem susceptíveis de prejudicar a sua saúde ou segurança no trabalho. Ao mesmo tempo, o trabalhador oncológico pode, igualmente, ser dispensado de prestar trabalho nocturno, considerando-se como período nocturno, para este efeito, as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte. Em ambas as situações, o trabalhador deve ser submetido a exame de saúde previamente ao início da aplicação do horário em causa.

Por outro lado, o trabalhador oncológico também não é obrigado a prestar trabalho suplementar, sendo-lhe assim legítimo recusar-se a prestar horas extras quando interpelado pelo empregador nesse sentido.

No que respeita ao trabalhador, pai de doente oncológico, o mesmo tem direito a solicitar a prestação de trabalho em regime de horário flexível; trabalho a tempo parcial e a beneficiar de um subsídio para assistência a filho, atribuído pela Segurança Social.

Em suma, a nossa lei não ignora o trabalhador oncológico, não o prejudica, não o isola. Assim, não é legítimo aos empregadores adoptarem comportamento diferente. Por conta disso, as empresas que incorram na violação das regras acima descritas, incorrerão na prática de contraordenação, punível com o pagamento da respectiva coima.

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