Nelma Fernandes, presidente da CE-CPLP. «É difícil reter grandes talentos em Portugal devido aos salários»

Há cinco meses à frente da CE-CPLP, Nelma Fernandes reconhece que as principais prioridades, além da promoção das relações económicas inter-empresariais, passam pela capacitação de jovens empresários e o desenvolvimento de projectos com impacto social. Com mais de 25 anos de experiência, revela que o caminho para o sucesso é difícil e solitário, pois exige assumir alguns riscos.

 

Por Tânia Reis

 

Pela primeira vez, os destinos da Confederação das Empresas da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CE-CPLP) estão nas mãos de uma mulher. Nelma Fernandes é ainda a primeira personalidade da Guiné-Bissau a assumir a liderança da organização, que tem como missão estimular a cooperação e parceria entre instituições lusófonas de nove países, num universo de cerca de 255 milhões de pessoas.

 

Assumiu, em final do ano passado, a presidência da CE-CPLP. Quais os principais desafios com que se tem deparado?
Os principais desafios ao nível interno prendem-se com a reorganização. Com novos órgãos sociais torna-se necessário definir estratégias. Estamos muito focados nas necessidades dos associados, em apoiá-los no desenvolvimento das suas empresas. Ao nível externo, o momento que vivemos é preocupante. Com o novo posicionamento geopolítico, temos de ser extremamente criativos e atentos às ameaças constantes de instabilidade.

 

E o que representa para si ser a primeira mulher a assumir o cargo?
Muito orgulho e um privilégio, no entanto, um enorme sentimento de responsabilidade. Costumo dizer que o mérito não tem género. Ou temos capacidade de abraçar determinado cargo ou não. Ainda assim, continua a ser fundamental estarmos atentos para que as oportunidades a todos os níveis sejam iguais para homens e mulheres.

 

Que objectivos pretende alcançar?
Alguns dos objectivos para este mandato passam por criar melhores condições para apoiar mais as empresas; contribuir para a capacitação de jovens empresários; apoiar na consolidação, estruturação e financiamento de projectos com impacto social; concluir a questão da mobilidade dentro da comunidade, bem como a ligação aérea entres os países membros; fomentar mais transacções comerciais entre os estados-membros; e alavancar outros pilares da CPLP, a língua portuguesa e a cultura.

 

A CPLP desenvolve iniciativas em prol do desenvolvimento e da cooperação. Que áreas considera mais relevantes?
A cooperação é a base do desenvolvimento socioeconómico de qualquer país ou comunidade; a cultural enquanto ferramenta fundamental para educação, as relações mais estreitas entre os estados- -membros e de uma forma mais alargada com os países observadores.

 

Além da língua, que outros factores unem os nove países da CPLP?
As relações, os laços de amizade e a cultura muito próxima. Das várias comunidades económicas, a CPLP tem um grande potencial enquanto bloco. A diversidade de pertencer a quatro continentes, estar inserido noutros mercados económicos, componente pouco explorada.

Outro aspecto é o facto de conseguir ter ambas as moedas mais fortes, o euro – Portugal – e o dólar – Timor-Leste. Outro factor de extrema importância para a actualidade global é a questão dos países produtores de petróleo que integram esta comunidade. Vive em Portugal há várias décadas.

 

Na sua análise ao nosso mercado de trabalho, como vê o tema do talento?
Num mundo global como o actual, é difícil reter grandes talentos em Portugal, quando as condições salariais não são compatíveis. As políticas internas das empresas ainda são muito hierarquizadas na vertical, o que, na maioria dos casos, cria alguns constrangimentos.

O talento de hoje quer espaço para criar, para ter autonomia, para ser desafiado, para crescer e, acima de tudo, para ter equilíbrio entre a componente profissional e pessoal. Infelizmente, o País ainda não está preparado para ter talentos a trabalhar, por exemplo, fora das empresas.

 

Que desafios e oportunidades destaca?
Portugal é um país maravilhoso para se viver, seguro, com um clima fantástico, comida excelente e pessoas amigáveis. Os desafios para as empresas são, sem dúvida, os impostos, a inflação, pouco crescimento económico face a algumas realidades europeias, baixo salário e algum excesso de burocracia. São, a meu ver, alguns desafios a trabalhar.

 

Fundou e preside a Win Coach Academy. Quais as competências mais valorizadas nas empresas actualmente?
Na verdade, temos um grupo de empresas em vários sectores de actividade. Do meu ponto de vista, há dois aspectos essenciais. Por um lado, a relação com o seu capital humano: as pessoas devem sentir- se parte integrante e valiosas para a entidade onde trabalham. Outro aspecto é, além da relação comercial, permitir ao cliente vivenciar uma experiência. Ou seja, além do produto que vende, ter algo mais para oferecer.

 

E quais os grandes desafios das empresas na Gestão de Pessoas?
Na maioria das vezes, quem gere pessoas não tem ferramentas válidas e eficazes na vertente comportamental. O maior erro é achar que todos devem ser tratados na mesma forma, quando temos necessidades e comportamentos completamente díspares. É empresária, gestora e empreendedora.

 

Qual o segredo do seu sucesso?
Todo o sucesso exige trabalho, disciplina, entrega, dedicação e empenho. É um percurso de aprendizagem, onde assumimos um compromisso com a resiliência e capacidade de adaptação. Temos de querer estar num outro patamar, assumir riscos e só os audazes ultrapassam a linha. E muitas vezes, o percurso é solitário, pois na verdade são poucos os que efectivamente querem assumir esse risco. E, quando tal acontece, os que ficam do outro lado dão-lhe o nome de “sorte”.

 

Este artigo foi publicado na edição de Maio (nº. 149) da Human Resources. 

Pode comprar online, tendo disponível a versão em papel e a versão digital.

Ler Mais