Nuno Brito Jorge, Goparity: «Quando a sustentabilidade está no centro, todos na empresa percebem que o seu trabalho está a contribuir para algo maior do que apenas lucro»

A principal missão da Goparity é democratizar as finanças sustentáveis. Para o seu cofundador e CEO, Nuno Brito Jorge, isso significa garantir acesso a financiamento a projectos sustentáveis e dar oportunidade a pessoas e empresas de investir em projectos com impacto positivo na sociedade e no planeta. Ainda que as gerações mais novas estejam mais conscientes para o tema da sustentabilidade, Nuno Brito Jorge reconhece que faltam vários factores para uma consciência colectiva real.

Por Tânia Reis

 

O processo é simples. Qualquer pessoa ou empresa que queira rentabilizar o seu dinheiro (mínimo de cinco euros) pode emprestá-lo a um projecto à sua escolha e obter retorno sobre esse investimento. A Goparity assegura informação detalhada sobre o projecto e a promotora do mesmo, e garante visibilidade sobre o impacto desse projecto a nível ambiental e social. Em cinco anos, já financiaram mais de 300 projectos que ajudaram a criar quase cinco mil postos de trabalho.

Em que consiste a vossa actuação?

A Goparity é uma plataforma de investimentos sustentáveis através de crowdlending. Desde 2017, já financiámos mais de 300 projectos com impacto social ou ambiental positivo.

Através da nossa plataforma, qualquer pessoa ou empresa que queira rentabilizar o seu dinheiro sabendo que o faz fomentando a sustentabilidade social ou ambiental, pode emprestar dinheiro a projectos à sua escolha e obter retorno sobre este investimento.

Para cumprirmos a nossa missão de democratização é muito importante tornar os investimentos acessíveis a qualquer pessoa, pelo que o nosso valor mínimo de investimento é de cinco euros.

Além disso, procuramos sempre dar aos nossos investidores informação detalhada de cada projecto e respectiva empresa promotora, para que estes tomem decisões informadas e saibam como e onde o seu dinheiro está a ser utilizado. Da mesma forma, damos a todos os utilizadores visibilidade sobre o impacto que o seu projecto está a ter a diferentes níveis, tais como: emissões de CO2, energia limpa e pessoas impactadas.

 

De 2017, ano de fundação da Goparity, aos dias de hoje, como mudou a percepção do tema da sustentabilidade em Portugal?

O tema da sustentabilidade, e tudo o que esta envolve, está na ordem do dia. Parece haver cada vez maior consciência por parte das pessoas de que vivemos numa situação de emergência climática, mas também planetária. Por exemplo, os dados estatísticos mostram que as gerações mais jovens têm observado um aumento na preocupação com questões ambientais e sociais, bem como uma gradual mudança nos seus hábitos de vida e de consumo.

Em paralelo, as empresas perceberam que precisam de se adaptar para dar resposta a estas pressões (positivas) do mercado. As políticas públicas e legislação relacionada com este tema também têm vindo a ganhar força e destaque nos últimos anos.

Apesar de haver ainda um longo caminho a percorrer, tanto Portugal quanto a própria União Europeia têm vindo a adoptar medidas para promover uma transição energética verde: são exemplo disso os apoios a renovações para melhorar a eficiência energética dos edifícios e o apoio à compra de bicicletas eléctricas.

É, no entanto, importante ter em conta que as alterações climáticas não são a única ameaça e que nem tudo gira à volta das emissões de carbono.

 

Considera que o tema está definitivamente na agenda das empresas ou ainda representa um factor reputacional?

A sustentabilidade é um tema que está cada vez mais na agenda das empresas, nem sempre pelas melhores razões. E é daqui que surgem os riscos de “greenwashing”.

As empresas sabem que as políticas de sustentabilidade são importantes para a sua reputação perante os consumidores e já perceberam que estes estão dispostos a pagar mais em nome da sustentabilidade. Num mundo em que o acesso à informação é mais fácil do que nunca, incluindo à informação falsa, a verdade é que as práticas de greenwashing por parte de incontáveis empresas é frequente.

Muitas vezes não estamos a falar de empresas que comunicaram informação falsa, mas apenas omissões ou fazer de um projecto uma bandeira que não se reflecte depois naquilo que é o “core” da empresa e das suas operações.

Por exemplo, podemos dizer que uma empresa de moda é sustentável por usar apenas algodão orgânico, quando produz do outro lado do oceano, com uma enorme pegada carbónica do transporte e em fábricas em que os trabalhadores não têm direitos laborais?

É nestes casos que considero que muitas são ainda incentivadas por questões reputacionais e não por efectivamente quererem fazer a diferença no planeta. Cabe aos reguladores prevenir as formas, cada vez mais engenhosas, que algumas entidades utilizam para nos fazer acreditar em iniciativas e acções que depois não correspondem àquilo que fazem. E cabe-nos a nós, cidadãos informados e proactivos, questionar as mensagens que nos chegam e fazer perguntas às marcas que consumimos.

 

Apresentam-se como “plataforma de finanças éticas”. O que são finanças éticas?

Todos nós temos, ou já tivemos, dinheiro “parado” em contas poupança em bancos tradicionais. E digo “parado” porque, na verdade, uma boa parte do dinheiro numa conta bancária está a ser utilizado e não sabemos bem onde. É exactamente aqui que entram as finanças éticas: um conjunto de princípios que orienta as entidades financeiras (que assumem esse compromisso) e que dizem respeito a diferentes aspectos, desde as utilizações dadas ao dinheiro dos utilizadores – que no nosso caso é nenhuma, o utilizador é que escolhe onde e se investe – a transparência, a governança, etc.

No nosso caso, somos ainda uma plataforma de investimentos sustentáveis, uma de investimento alternativo que permite rentabilizar as poupanças investindo em projectos com impacto positivo na sociedade e no planeta.

O investimento em sustentabilidade pode beneficiar directamente serviços, produtos e marcas sustentáveis, e é fundamental para que os mercados valorizem modelos de negócio inovadores pelo impacto das suas acções sustentáveis. Desde 2017, já financiámos 30 milhões de euros em projectos que ajudaram a criar quase cinco mil postos de trabalho.

 

Que importância assume hoje o propósito para os líderes e gestores?

Com um mundo cada vez mais rápido e um mercado cada vez mais competitivo, é absolutamente crucial que qualquer líder seja o mais transparente possível em relação àquilo que o move e qual o seu propósito e que seja empático face a todos os que o rodeiam.

O líder, que é regra a cara da empresa, é também a cara de todos os valores e motivações que movem o seu negócio, independentemente da sua dimensão ou área. Só assim consegue construir uma equipa coesa e orientada para objectivos concretos que estejam alinhados com o seu propósito.

 

De que forma constitui, ou pode constituir, factor de atracção e fidelização de talento nas empresas?

Acredito que as pessoas dão cada vez mais valor à cultura organizacional do lugar que escolhem para construir carreira e, acima de tudo, importam-se com o facto de esta se alinhar com os seus valores, aquilo que as move e aquilo em que acreditam.

Na Goparity, temos a enorme sorte de permitir às pessoas um alinhamento grande entre os propósitos pessoais e a sua vida profissional. Neste sentido, há pessoas que são movidas pelas diferentes vertentes do nosso propósito: umas pelo apelo da sustentabilidade ambiental, outras pelo apelo da sustentabilidade social, outras pelo apelo da literacia e educação financeira.

Independentemente da motivação principal, acredito que todas as pessoas que estão na Goparity encontraram de alguma forma esse alinhamento.

A verdade é que passamos uma grande parte da nossa vida a trabalhar, pelo que é imprescindível que nos identifiquemos e estejamos confortáveis com o lugar onde escolhemos construir carreira.

 

Como podem os temas da sustentabilidade contribuir para o employee engagement?

Quando a sustentabilidade está no centro, todas as pessoas envolvidas na empresa percebem que o seu trabalho está de alguma forma a contribuir para algo maior do que apenas lucro. Isto pode contribuir fortemente para um aumento da motivação e, consequentemente, da produtividade, pois encontram um propósito mais profundo nas actividades que desempenham. É importante que todos os colaboradores sintam que estão a caminhar juntos com vista a um objectivo comum, partilhando opiniões e ideias.

A partir desse momento podemos medir satisfação em vez de produtividade, os dois vão dar ao mesmo.

 

Considera que as actuais gerações estão mais sensibilizadas para estes temas? Que factores aponta para tal?

Diria que sim, existe uma maior receptividade por parte das gerações mais novas no que diz respeito a questões ambientais. Estas gerações já cresceram num mundo altamente digitalizado, com acesso fácil a informações sobre as alterações climáticas, poluição, perda de biodiversidade e outros desafios ambientais que temos vindo a enfrentar e que se têm vindo a agravar com o passar dos anos. As redes sociais e a internet em geral desempenham um papel crucial no difundir de informações e no despertar da consciência e preocupação face a estas questões.

Além disso, à medida que os jovens se tornam mais conscientes das consequências das acções humanas sob o planeta sentem que é o seu futuro que está em jogo. Esta percepção de que as decisões tomadas agora terão um impacto duradouro nas suas vidas motiva-os a agir.

 

O que falta para haver uma consciência colectiva real para a importância do impacto, social e ambiental?

Diria que já estamos mais perto, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Não há sequer só um aspecto em falta, mas um conjunto de factores.

Como mais importante escolheria a empatia, no sentido em que é aquilo que nos obriga a sair de um contexto em que nos centramos em nós próprios e passamos a colocar os outros, e o bem-comum, como um dos nossos principais critérios de decisão.

Também no sentido em que, para que exista essa consciência colectiva, temos de actuar com a plena consciência de que, de uma ou de outra forma, estamos todos conectados – entre os seres humanos, mas também entre seres humanos, animais e planeta – e que todas as nossas acções, por pequenas que sejam, têm impactos muito além daquilo que vemos.

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