O futuro do trabalho: das estruturas aos “ecossistemas”

Por Carlos Sezões, Managing Partner da Darefy – Leadership & Change Builders

Sim, o futuro do trabalho está no centro do debate da Gestão, a nível global. Se as competências-chave dos novos tempos (soft-skills, digitais e outras) e as novas culturas desejadas (com foco na agilidade e colaboração) ocupam uma boa proporção destas discussões, existe outra importante questão, que tem passado mais discreta em fóruns académicos e empresariais: as organizações e respectivas “estruturas” do futuro.
A “corporation” que herdámos do século XX, com as suas estruturas funcionais, matriciais ou divisionais, mais ou menos piramidais e hierarquizadas, obedeciam a premissas simples: a totalidade dos colaboradores a trabalhar com vínculo contratual a full-time; uma função profissional perfeitamente descrita e respectivo job-grade, a evoluir com o tempo; um posto de trabalho específico e um horário definido; uma subordinação hierárquica a uma chefia.
As mudanças nos modelos de negócio levaram, nos últimos 30 anos, à quebra de muitas destas realidades – como, por exemplo, a emergência (e rápida escalabilidade) de recurso a outsourcing ou os projectos experimentais de teletrabalho. Mas nada que beliscasse o paradigma central da organização.
Num futuro, cada vez mais presente, tal já não será assim. Da liderança de estruturas rígidas vamos passar para a orquestração de “ecossistemas” de trabalho. Sistemas com segmentos diversos – alguns profissionais a full-time, outros em part-time, outros por projectos, outros freelancers da gig-economy – com vínculos muito variados. Explicito em poucas linhas esta tese, assente na visão que tenho de 3 forças motrizes que se reforçarão mutuamente.
Primeiro, as preferências assumidas de boa parte dos trabalhadores. A flexibilidade e autonomia individual aceleradas pela pandemia vieram reforçar tendências de maior valorização da vida pessoal e familiar em detrimento da vida profissional. E esta valorização do “wellbeing” vem provocar maior relutância em embarcar nos mesmos rituais de vida organizacional pré-pandemia. Por exemplo, em funções de elevado expertise em tecnologia, isto é por demais evidente (cada vez mais funções a operar em fully remote). Ainda a destacar aqui a valorização da diversidade de desafios, que incrementem competências e versatilidade – em vez de funções monótonas, em “silos”.
Depois, o desenvolvimento tecnológico, com foco em mais e melhores ferramentas de autonomia e produtividade individual (e de colaboração à distância). Cada vez mais, a informação e o conhecimento para criar algo, processar informação ou tomar decisões está à distância de um click ou de um screen touch. Tal levará a um aumento de capacidade individual e de maior autonomia na esmagadora maioria das tarefas não automatizadas. Como tal, não será necessário estar numa estrutura centralizada para poder acrescentar valor para a missão/ propósito de uma organização. Esta variável, o “poder fazer” vai complementar e reforçar o “querer fazer” mencionado anteriormente.
Por último, a crescente necessidade de agilidade e rápida adaptabilidade das organizações. Por exemplo, a Amazon já recorreu à fórmula de parceria (na óptica de BPO – business process outsourcing) quando criou a sua divisão a Amazon Logistics. Noutra dimensão, a Unilever criou há 3 anos o U-work, uma espécie de “gig economy” numa versão corporate – basicamente, uma relação semi-permanente, assente em diversos trabalhos de projecto, sem função pré-definida. Neste programa, a Unilever paga aos trabalhadores um valor em troca do compromisso de que trabalharão para a empresa um determinado número de semanas por ano. Depois de um projecto-piloto no Reino Unido, este programa está disponível em vários países, incluindo Malásia, Argentina e África do Sul. A empresa desenvolveu ainda projectos de integração de freelancers através de plataformas como o Upwork e o Catalant.
Esta nova realidade vai exigir novos modelos de gestão. Como bem aponta o relatório “Orchestrating Workforce Ecosystems”, lançado pelo este ano pelo MIT Sloan Management Review, em colaboração com a Deloitte, serão necessário novas práticas de liderança (com foco na influência – sem autoridade formal – e na gestão de “comunidades”) e da inclusão dos vários segmentos – internos e externos – na cultura empresarial. E uma forte interligação entre gestão de topo e áreas RH, procurement e legal de modo a agilizar processos organizacionais. E aplicar as políticas de diversidade e inclusão, de forma prática, a esta nova realidade.
Em suma, creio que as organizações do futuro serão cada menos estruturas fechadas e cada vez mais ecossistemas abertos. Ecossistemas nos quais a orquestração da energia, talento e tempo de segmentos diversos será a foco essencial da gestão de Pessoas.