O futuro do trabalho não é híbrido, nem remoto… é descentralizado!

Continuar a falar do trabalho híbrido ou remoto como o futuro do trabalho, tem pouco de futurista. Estes modelos de trabalho já existiam antes da pandemia e foram normalizados no decorrer da mesma. Fazem parte do futuro do trabalho sim, mas acima de tudo fazem já parte do nosso dia-a-dia. O futuro do trabalho trará novos modelos de trabalho, novas tendências, essas sim verdadeiramente revolucionárias do mercado do trabalho tal como o conhecemos hoje.

Por Sandra Evaristo, directora de RH da Tyson Technologies

 

Escassez de mão-de-obra

A falta de mão-de-obra suficiente para fazer face às necessidades de consumo de uma população crescente e cada vez mais consumista, continuará a pautar o mercado de trabalho.

Desde as funções altamente qualificadas, às funções indiferenciadas, não haverá sector onde o agravar da escassez de mão-de-obra não seja sentido. A agravar esta tendência está também o envelhecimento da população, com a consequente redução da população activa.

Mas, e porque desde sempre que a “necessidade aguçou o engenho”, novos e criativos modelos de trabalho surgirão para fazer fase a esta dificuldade, e será também ela a grande impulsionadora da digitalização e automação.

 

Digitalização e automação

Em Portugal, os salários baixos contribuíram para que tenha existido até à data pouco investimento na indústria a este nível, sendo o potencial de automação enorme. E cada vez mais empresas se vêem obrigadas a investir a este nível, não porque considerem o ROI interessante (os salários baixos resultam muitas vezes em estudos de caso pouco favoráveis para o investimento em automação), mas por falta de alternativas, ou seja, por incapacidade em contratar colaboradores suficientes para continuarem com processos demasiado pesados e manuais.

Mas, se por um lado, a digitalização e automação vão ser responsáveis pela extinção de muitos postos de trabalho, por outro serão também responsáveis pela criação de novos postos de trabalho, em novas funções que surgirão na sequência dessa mesma automação.

E se muitos encaram a digitalização e automação como uma ameaça aos postos de trabalho, vejo com mais optimismo o impacto destas no mercado de trabalho. Vêm para ajudar a colmatar esta escassez de mão-de-obra, e retirar milhares, ou até milhões de pessoas, de trabalhos precários e físicamente penosos.

Trazem no entanto um desafio: upskilling e reskilling. Formar e reconverter profissionais, para que tenham as competências necessárias para desempenhar as novas tarefas e funções que surgem.

Ainda assim, e embora seja expectável a redução dos postos de trabalho em funções indiferenciadas, a verdade é que estas continuarão a existir. E com as novas gerações a entrar no mercado de trabalho, gerações cada vez mais qualificadas, o verdadeiro desafio do futuro do trabalho será como conseguir atrair colaboradores suficientes para funções indiferenciadas, em sectores como: hotelaria, restauração,  construção civil, indústria, entre outras?

 

Novas tendências emergem

Adicionamente, com as novas gerações surgem também novas tendências. Cada vez mais pessoas querem viver a vida nos seus próprios termos, querem a liberdade e flexibilidade de gerir os seus próprios horários, querem um trabalho que se adapte e gire à volta das suas vidas pessoais em vez de o oposto.

Os trabalhadores independentes aumentam, assim como os nómadas digitais. Fala-se em semanas de trabalho mais curtas, uma evolução do trabalho remoto para o work from anywhere. Horários flexíveis são dos beneficios mais apreciados pelos colaboradores.

O turnover aumenta, os trabalhos para a vida já não existem, ou melhor, os colaboradores para a vida é que deixaram de existir. As organizações são cada vez mais flat, com menos hierarquias, mais trabalhos por projecto.

É o fim da era dos vínculos e dos contratos de trabalho com relações de 1 para 1 (um colaborador vínculado a uma empresa), e a transição para uma era de trabalho descentralizado! Um mercado em que cada colaborador presta serviços para diferentes entidades, gerindo com flexibilidade o que faz, quando faz, para quem e onde faz.

Um mercado que dá resposta às necessidades de flexibilidade, liberdade e autonomia que as novas gerações procuram e, ao mesmo tempo, procura dar resposta à escassez de mão-de-obra que determinados sectores enfrentam.

O estudante universitário não quer o compromisso de ir servir no restaurante da esquina todos os dias mas, de vez em quando, para pagar uma viagem com os amigos, uns serviços aqui e ali fazem sentido.

O nómada que viaja pelo mundo não assume um compromisso de longa duração com nenhuma empresa que não seja remota, mas pode fazer tarefas ocasionais nas cidades por onde passa, nos restaurantes ou hotéis locais.

O pai ou a mãe que precisam fazer face a uma despesa inesperada, e até têm um emprego a tempo inteiro, mais um rendimento extra pode ser útil.

E todos estes juntos podem dar resposta às necessidades de mão-de-obra que determinados sectores menos atractivos têm. Desde que… estas organizações tenham a capacidade de se adaptarem e souberem aproveitar o que as novas tendências lhes trazem.

No fundo, vem aí o Airbnb do mercado de trabalho, o Uber onde empresas e “prestadores” se encontram e se avaliam mutuamente. Um mercado aberto e flexível e, acima de tudo, um mercado em que colaboradores e organizações se tornam parceiros de um ecossistema onde todos acrescentam igual valor.

Um mercado de onde sairão vencedoras as organizações com melhores práticas de recursos humanos, que tratem estes “prestadores de serviços” como os verdadeiros parceiros de negócio que são. E só assim conseguirão colmatar as suas necessidades de mão de obra e sobreviver ao que aí vem.

Bem-vindos a um novo mundo!

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