«O gestor de Recursos Humanos tem o grande desafio de não desaparecer», alerta o director-geral da Jaba Recordati

O encerramento da XIX Conferência Human Resources foi assegurado por Nelson Pires, director-geral da Jaba Recordati Portugal, que, na sua intervenção, analisou diferentes factores que vão interferir com o regresso da economia à nova normalidade. E sublinhou o importante papel que os gestores de Pessoas devem assumir nas empresas, alargando as responsabilidades e competências.

 

São muitos aqueles que depositam na indústria farmacêutica a esperança de se encontrar a solução para a COVID-19. Nelson Pires esclareceu que há 164 vacinas em desenvolvimento, sendo que há duas que estão a levantar uma grande expectativa, mas sabe-se que, nunca antes do primeiro trimestre de 2021, vai existir uma vacina. Ou seja, «vamos ter que viver com a COVID-19 durante, pelo menos, mais seis meses». Brincando que «toda a gente acha que as farmacêuticas ganham dinheiro com o mal dos outros, mas que é um facto que ninguém vai deixar de ser cliente», o responsável fez também notar que, «se a indústria farmacêutica sempre esteve num segmento médio ao nível da imagem, vai ter agora uma grande oportunidade de melhorar a sua própria reputação».

Relativamente ao que se passou nos últimos meses em Portugal, e a reacção do País perante a pandemia, Nelson Pires afirmou que, «ao adoptar todas as medidas possíveis de confinamento, pior não podia ter acontecido à nossa economia. Se foi óptimo para a saúde pública, foi péssimo para a economia.» E deu o exemplo da indústria farmacêutica. «Se o mês de Março foi fantástico, porque a venda de medicamentos disparou com receio de que houvesse uma falha na sua distribuição,  entre Abril e Junho tivemos quebras de 10 a 15%, o que significa que até a indústria farmacêutica está a sofrer no negócio o impacto negativo da COVID-19.»

Generalizando para o impacto na economia, o director-geral sublinhou que «a quebra, vista de uma forma transversal, será entre 15 a 30%, o que vai fazer com que a nossa curva económica, que todos esperavam que fosse em V, passe a ser uma curva em U, o que significa que há uma quebra abrupta e que, infelizmente, a recuperação vai ser mais lenta do que o esperado. O PIB vai descer e as exportações vão sofrer», prevê, acrescentando um factor que considera fundamental: «A estimativa é de que vamos ter 14% de desemprego e, não havendo emprego e não havendo consumo, o  PIB vai sofrer.» Por outro lado, «Portugal sempre foi considerado um pais de baixa produtividade, é um problema pré-COVID, e é importante percebermos qual é o papel dos Recursos Humanos neste âmbito. Têm de aumentar claramente a produtividade dos colaboradores, através de uma melhor organização dos factores de trabalho, o que tem muito haver com liderança, mas também tem muito mais que ver com a função dos Recursos Humanos. A forma como organizamos a empresa para trabalhar e as ferramentas que fornecemos são um dos grandes desafios colocados aos Recursos Humanos», reitera.

Para Nelson Pires, melhorar a produtividade dos colaboradores é essencial na resposta a esta crise, se queremos recuperar o mais rapidamente possível e enfrentar a crise.  E partilhou: «Na Jaba, temos algum capital próprio que nos permite investir muito em termos das ferramentas de trabalho dos  colaboradores. Nesta crise, não tivemos ninguém em lay-off e quase toda a  estrutura, quer comercial quer interna, já estava preparada para trabalhar de uma forma smart, porque para mim remoto é uma forma pouco inteligente de trabalhar», sublinhou. Assim, na Jaba, os colaboradores que trabalharam em modo smart, produziram o mesmo que produziam se estivessem no escritório. A grande mais-valia que tínhamos residia no facto de todos os nossos colaboradores já terem computadores, telemóvel e a possibilidade de aceder online, quer à intranet quer à extranet, e tínhamos a aprovação dos nossos clientes ao nível do RGPD para poder contactá-los remotamente. Esta facilitação está muito relacionada com os Recurso Humanos, porque foi dessa área que nasceu este projecto», reconheceu o responsável.

 

 

Coopetição em vez de competição

Agora, «claramente vamos apostar nas companhias em quem confiamos e que nos dão credibilidade, marcas com as quais possamos assumir que aquilo que prometem é aquilo que entregam», acredita Nelson Pires, «Na área farmacêutica, vamos ter de começar a investir mais na prevenção, fazendo dela também um negócio.»

Outro factor que importa rever é o facto de a indústria farmacêutica depender 87% da China e da Índia. «A nossa cadeia de fornecimento vai ter de passar muito menos por estes dois mercados. A Europa vai ter de definir quais são as prioridades estratégicas e de perceber que há matéria prima que não podemos entregar nas mãos de outros, sobretudo quando não confiamos em alguns estados, como é o caso da China.»

Também fundamental é a investigação. «Temos de passar da competição à coopetição», ou seja, tem de haver cooperação. Explica porquê: «O custo do medicamento e destas vacinas que estão a ser desenvolvidas ronda os dois biliões de dólares, valor que nenhuma companhia tem disponibilidade para investir, pois corre o risco de não ter retorno se os estudos clínicos não funcionarem. Assim, vai ter de acontecer uma cooperação, e acredito que não vai acontecer apenas na indústria farmacêutica; parece-me que esta será uma estratégia seguida noutros sectores, como o automóvel ou a tecnologia, pois os custos de investigação são muito elevados.»

Relativamente à economia, o responsável acredita que vai continuar a ser humana, com um toque digital. «Neste momento, só conseguimos criar relações smart, remotas, porque criámos relações pessoais antes. Relações criadas remotamente não existem. A cultura, a missão, a visão da companhia e a relação entre os colegas não é possível fazer via videoconferência. Neste momento, só conseguimos esse entendimento porque há uma relação prévia, construída anteriormente.»

Nelson Pires fez ainda notar que é preciso olhar com cuidado para «quem nos paga o salário, ou seja os clientes, pois sem eles não há empresas. É fundamental continuar a comunicar com os clientes, que, cada vez mais, têm medo de nos receber, pelo que temos de arranjar uma forma de, utilizando as ferramentas que estão à nossa disposição, começar a comunicar com eles de uma forma integrada, sempre sem esquecer o factor humano.»

 

A meritocracia e os Recursos Humanos

Voltando ao tema dos Recursos Humanos, o director-geral da Jaba Recordati enfatizou a importância de apostar no desenvolvimento e na requalificação das pessoas. «E aqui entra a meritocracia. Mas, infelizmente, Portugal não é um país de meritocracia, pois remunera de forma igual produtividades diferentes», lamentou.

Deixou ainda um alerta para os directores de Recursos Humanos: «Têm o grande desafio de não desaparecer. Com a entrada da inteligência artificial, muitas das funções alocadas ao gestor de Recursos Humanos desaparecem, pois grande parte é automatizável.» A COVID-19 surge como uma oportunidade, pois, no actual contexto, a função dos Recursos Humanos será umas das mais importantes no pós-pandemia, e também uma das que mais se deve transformar, pois será necessária para criar um sistema em que se vai avaliar a performance de uma outra forma. Vai ser preciso definir uma nova estratégia de Recursos Humanos e saber gerir a mudança quando ela é necessária.»

Continuou… «O gestor de Recursos Humanos é essencial para assegurar o bom funcionamento das empresas, tornando-as o mais eficazes possível. Não tenho certeza do que vai acontecer agora, mas sei que não vai ser bom nos próximos dois ou três anos. Dentro das organizações, tudo o que nós fazemos vai continuar a ser humano, embora muito mais digital do que era antes, e a função de gestor de Recursos Humanos deve passar a ser olhada na qualidade de business partner, sendo que, no pós-COVID, vai exigir que tenha competências que, provavelmente, não tinha, desde gerir frotas a montar escritórios. A questão é a de saber como os gestores de Recursos Humanos se vão adaptar a este mundo novo.»

 

Texto: Sandra M. Pinto  

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