O inemprego, Luzianes e as abelhas
As abelhas-obreiras, que gozam de grande prestígio na zoologia do trabalho, são mais parecidas com os seres humanos do que podemos imaginar. O contexto laboral português está a gerar cada vez mais trabalhadores inempregados, trabalhadores altamente qualificados, que constroem as suas carreiras alternando situações precárias com não-actividade laboral.
Por Patrícia Araújo
Por estes dias, aproveitei para um retiro de escrita em Luzianes, Odemira. A certa altura, no meio da paz e dos ares do Alentejo, parece que a adrenalina da escrita, da pressão e da execução, desvaneceu. Como eram dias de apicultura, decidi experimentar uma actividade.
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Se as abelhas estivessem na sua paz, fariam apenas o seu mel. Mas chegam os humanos e iludem-nas com vários artifícios que as levam a acreditar que é preciso trabalhar mais, sempre mais e produzir mel continuamente. Tudo isto encaixou na perfeição como metáfora do meu trabalho sobre a carreira e o trabalho humano.
Analogia perfeita
Em 1995, Rifkin lançava a obra “O Fim do Trabalho” [The End of Work], frequentemente traduzida erradamente pelo fim do emprego. Mas o trabalho não terminou. Alguém faz o papel de apicultores nesta sociedade humana centrada no trabalho e, nós, meras abelhas-obreiras, bulimos constantemente para trabalhar mais e mais, produzir mais e mais, continuamente.
Depois de mais de uma década de investigação sobre o tema do inemprego, finalmente encontrava uma analogia perfeita, que encaixava que nem uma luva na ideia central da minha investigação. Há um novo tipo de abelhinhas-obreiras: os inempregados, trabalhadores altamente qualificados, que constroem as suas carreiras alternando situações precárias de diversos tipos e não-actividade laboral ao longo do tempo.
O Inemprego, apesar de ser usado ocasionalmente de forma informal, ganhou robustez como construto de investigação no âmbito da carreira. Assim, como neologismo, foi sendo preenchido com esse significado da junção da partícula ‘IN’ (negação) + a palavra ‘emprego’, oriundo etimologicamente da noção de ‘pregare’, inicialmente referindo-se a tecidos e, posteriormente, referindo-se a vincular pessoas a organizações.
O emprego, que vulgarmente pensamos como contrato de trabalho sem termo, fenómeno com apenas cerca de dois séculos, invadiu a vida humana e os seres humanos gostaram da ideia de se ‘pregar’ a uma organização.
Porém, possivelmente, essa necessidade de ‘pregar’ o trabalhador a uma só empresa estará a terminar ou foi apenas uma ‘bolha’ como defendeu a autora Sandra Wallman, em 2004: um efeito ou necessidade passageira – apenas 200 anos – e que agora desvanecerá e tudo regressará ao fluxo de tarefas sem contratos que a humanidade vivencia há centenas de anos.
Negativo? Positivo? Não é importante do ponto de vista da ciência. Algo está a mudar e o dever da ciência é estudar, reportar e levantar questões, sem viés, sem preferências, sem que a ideologia perturbe a investigação.
O Inemprego só pode ser observado de forma longitudinal e não transversal. À medida que ia escrevendo o livro, revisitava história de vida de inempregados participantes na investigação: Maria, 39 anos, licenciada há 14 anos com 14 anos de inemprego, mais de seis tipos de relações laborais diferentes ao longo da carreira: contratos de estágios e bolsas, trabalho independente involuntário, ‘falso independente’, trabalho sobrequalificado, contratos a termo, desemprego, muitas vezes difícil de identificar exatamente em que tempos. Colaborou com mais de 40 organizações diferentes. Chegou a acumular trabalho em cinco organizações diferentes na mesma semana/ mês. Adiou projectos de vida diversos devido ao inemprego. Contudo, tem uma carreira invejável, um networking fenomenal, uma capacidade de adaptação única e aprendeu a aceitar o inemprego e a abraçá-lo. A deixar de pensar como ‘assalariada’ e pensar na vida anualmente. O inemprego não dá para pensar mês a mês, mas projecto a projecto, ano a ano. Apesar da instabilidade constante, Maria consegue ver os efeitos positivos do inemprego: não estar ‘pregada’ a uma organização permite mais tempo, mais qualidade de vida e muitos níveis, um nível de stress diferente do que o que um empregado.
Leia o artigo na íntegra na edição de Junho da Human Resources Portugal.