
O memorandum estratégico do Papa Francisco, CEO
Artigo de opinião de Ricardo Zózimo, Professor Auxiliar na Nova SBE
Muito se tem escrito nos últimos dias sobre o legado do Papa Francisco e os seus muitos gestos simbólicos que surpreenderam o mundo. Pessoalmente sempre tive uma relação próxima com as surpresas que este Papa nos ofereceu e é com tristeza que tenho vivido estes últimos dias. Mas queria, com intenção e foco, fugir às banalidades instagramescas da vida de Francisco para oferecer uma reflexão sobre os seus princípios orientadores publicados em 2013 na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. Uma exortação apostólica está para o Papa Francisco como um memorandum estratégico está para um CEO no início do seu mandato. Neste texto ficamos a compreender os quatro princípios orientadores de Francisco como CEO.
O primeiro principio é que o tempo é mais importante que o espaço. Pode parecer difícil de aceitar a tensão infinita entre aquilo a que nos decidimos dedicar (tempo) e a visibilidade e tangibilidade dos resultados que alcançamos (expresso em espaços). Quantas vezes dedicamos tempo a coisas que depois têm pouco resultado? No entanto sabemos que na vida as coisas mais saborosas levam tempo. Francisco usa a expressão slowly but surely para refletir como o uso do tempo pode abrir espaços de relação entre pessoas só se abrem verdadeiramente quando “gastamos” tempo que não possuímos.
O segundo princípio é que a unidade prevalece sempre sobre o conflito. O conflito existe nas nossas organizações e não pode ser ignorado. O que Francisco alerta é para a nossa posição em relação à existência de conflito. Mais do que abraçar ou ignorar o conflito, Francisco põe a tónica na criação de unidade que respeita a diferença, mas que cria condições para o respeito mútuo que existe em posições diferentes. Esta unidade que advém do conflito requer um trabalho de construção de pontes e de diálogo intenso mas seguramente constrói um futuro organizacional mais sério e produtivo.
O terceiro principio é que a realidade é sempre superior a ideia. Este principio mostra-nos que como líderes tenho sempre de criar um diálogo entre a realidade e a imaginação. Existem empresas que vivem sempre a partir da realidade “nua e crua” dos números, dos processos, dos sistemas. Existem outras que vivem sempre a sonhar a próxima coisa nova. Criar diálogo entre estes dois extremos de forma que possamos beneficiar nas nossas organizações de uma imaginação e criatividade que está assente no fazer concreto e real é o que propõe Francisco aqui.
O último princípio é que o todo é superior às partes. O que Francisco nos relembra aqui é do mandato dos líderes aceitam quando se propõem a criar espaços onde todos sintam que contribuem para um bem maior dentro da organização. Onde, apesar de valorizar as competências e a individualidade de cada um, a articulação entre todos é o bem mais valioso. Este princípio também nos mostra a dignidade de todas as funções em relação ao todo. Todos, todos, todos, somos parte deste caminho comum que é a nossa (vossa) empresa.