O mundo do trabalho não vai ser exclusivamente – nem maioritariamente – digital. Vai ser “humano com toque digital”

A pandemia antecipou a quinta revolução e trouxe tantas mudanças à cultura de trabalho que podemos considerar estar perante a quinta revolução industrial. É impossível lutar contra esta tendência, mas o mundo do trabalho não vai ser exclusivamente – nem maioritariamente – digital.

 

Por Nelson Pires, director-geral da Jaba Recordati Portugal, Recordati UK/Recordati Ireland

 

A quinta revolução, depois da Industrial e da 4.0, está a acontecer já. E não por causa do ser humano, mas sim de um vírus horrendo chamado COVID-19. Teria de acontecer, mas foi acelerada pela pandemia: a revolução no modelo laboral e do mundo do trabalho; a flexibilização do local e horário de trabalho, as novas profissões, a integração com o mundo digital e inteligência artificial, a cultura do worklife balance, as novas formas de remuneração, a redefinição do propósito Quase metade (47%) das organizações têm mais de 50% dos colaboradores em tempo de trabalho remoto. das organizações, a atracção e retenção do talento, as novas formas inorgânicas de representação dos trabalhadores, a ecosustentabilidade como valor das organizações, as novas formas de avaliação do valor das empresas, incluindo o ESG [Environmental, Social and Corporate Governance] como fundamental, a integração de pessoas com deficiência, o respeito pela diversidade de género…

Será impossível lutar contra uma tendência que se está a tornar uma cultura. Intrinsecamente, a sociedade e o cidadão apenas aceitarão trabalhar em organizações assim. Ainda temos quatro gerações a trabalhar em paralelo – baby boomers, geração X, millennials e geração Z –, pelo que a mudança seria lenta, não fora a pandemia. Aquilo que motiva uns, desmotiva outros; como a definição de hierarquias “flat” e gestão por projectos de acordo com as competências, baralha uns e aumenta a produtividade de outros.

Em suma, são tantas mudanças que a cultura de trabalho sofreu que podemos dizer que é uma nova revolução. E os líderes são fundamentais para entender e tomar as medidas correctas. Até porque, segundo um estudo da Xerox (“Future of Work”), estima-se que, com este novo modelo, haverá um aumento de 16% do volume de negócio das empresas e uma redução de custos em 13%, apenas com uma das transformações, a do local de trabalho. Bem sabemos que a futurologia nem sempre funciona, mas imaginemos o potencial – e o risco – por trás desta revolução.

Em Outubro de 2021, sobre os resultados da 20.ª edição do Barómetro da Executive Digest (publicação do Multipublicações Media Group, que também edita a Human Resourdes), constatei:

«As empresas (84,62%), segundo o barómetro, suportaram-se na tecnologia para superar a pandemia e as suas consequências. Mas não encontraram, de forma generalizada, na tecnologia a solução para o futuro. Mesmo quando muitas já estão a implementar o plano pós-COVID-19 que tinham desenvolvido (61,54%). Ou seja, o mundo vai continuar a ser “human with a digital touch”, como sempre referi. A inteligência artificial não vai substituir o ser humano, a integração de sistemas não vai superar a rapidez e intuição da decisão humana, mas apenas suportá-la e torná-la mais objectiva.»

Foi neste contexto, e face a inúmeras opiniões e posições que levantam acalorados debates, mas também à publicação da nova lei sobre o teletrabalho, que surgiu o presente “estudo exploratório”, para confirmar se a minha percepção estava ou não correcta, não apenas com dados estatísticos de vários estudos que surgiram, mas com uma avaliação qualitativa exploratória. Por outro lado, queria aferir se a opinião aparentemente dominante é real, a de que o teletrabalho veio para ficar, que dinamiza as empresas e que será o futuro das mesmas.

Para tentar ter uma posição quantitativa sobre a posição actual e o futuro do trabalho remoto, bem como se o mundo continuará quase exclusivamente digital ou voltaremos o “face to face” mas com uma componente mais digital, questionou-se os profissionais sobre:

1. Como entendem a digitalização do mundo laboral;

2. Se o trabalho remoto existe na sua realidade laboral;

3. Qual o impacto da digitalização no trabalho remoto;

4. Se se consegue manter a produtividade e criatividade estando a trabalhar de forma remota;

5. Se perspectivam que no futuro irá continuar a existir trabalho remoto;

6. Existindo um gap antes de 2022 na legislação laboral sobre trabalho remoto, se conhecem a nova legislação laboral – em vigor a partir de 01/01/2022 – sobre este tema e se a avaliam como útil ou não;

7. Quais os meios mais eficazes para comunicar com os trabalhadores em trabalho remoto;

8. Qual a expectativa dos trabalhadores em continuar em trabalho remoto, e qual a percentagem de trabalho remoto no horário semanal destes trabalhadores.

 

Os resultados
O presente survey sobre a realidade laboral digital causada pela pandemia COVID- 19 tem como objectivo não fechar um tema, mas permitir explorar os motivos subjacentes à opinião dos respondentes. Acrescentei também a minha interpretação pessoal dos dados, tentando transformá-los em informação (discutível e apenas qualitativa) e fazer uma espécie de “benchmark”, comparando com uma pesquisa global da Robert Walters (RW) realizada a 5500 pessoas sobre o impacto da COVID-19 na vida profissional, incluindo Portugal. Assim, destaca-se:

73% dos respondentes entendem que existe um aumento da digitalização da sociedade e dos negócios, algo que me parece óbvio para todos;

47% das organizações têm mais de 50% dos colaboradores em tempo de trabalho remoto, mas 49% têm menos de 50% dos colaboradores em tempo de trabalho em formato remoto;

71% dos respondentes consideram que o trabalho remoto mantém ou aumenta a produtividade, sendo que 29% consideram que aumenta (enquanto no estudo da Robert Walters são 44%; para além disso, 89% estão satisfeitos com a situação de teletrabalho ou trabalho remoto; também cinco em cada 10 revelam ter mais autonomia);

Segundo o estudo da Robert Walters, os seis principais factores que favoreceram o aumento da produtividade dos profissionais em Portugal foram: maior flexibilidade nos horários de trabalho (58%), mais autonomia (54%), trabalhar num ambiente mais confortável e relaxado (51%), maior capacidade de concentração e menos distrações (44%), menos tempo perdido em deslocações para o escritório (44%), e menos reuniões (47%);

No survey, 50% dos respondentes afirmam que conseguem manter a criatividade (ou pelo menos é igual ao trabalho presencial) das soluções em equipa no trabalho remoto;

31% dos respondentes entendem que três dias de trabalho remoto por semana seria o período ideal de teletrabalho, logo seguido de dois dias, por 27%;

Surpreendentemente, 43% dos respondentes não conhecem a nova legislação sobre trabalho remoto que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2022, e 31% conhecem mas entendem como pouco útil;

Quanto ao meio mais eficaz para o trabalho remoto, a videoconferência assume maioritariamente a preferência dos respondentes (67%). No entanto, foi referido que consoante o objectivo do contacto, muda o meio preferencialmente utilizado;

Finalmente, e apesar da tendência para o aumento do trabalho remoto, 26% dos respondentes do survey julgam que mais de metade dos colaboradores da sua organização preferem o trabalho presencial ao remoto (enquanto no estudo da Robert Walters, apenas 4% dos profissionais desejam voltar a trabalhar full-time no escritório da empresa após a pandemia).

Ainda no survey, 22% dos respondentes julgam que mais de 75% dos colaboradores preferem o trabalho presencial, enquanto 23% dos respondentes acham que menos de 25% dos colaboradores da organização preferem o trabalho presencial (no estudo da Robert Walters, 96% querem continuar a ter a opção de teletrabalhar após a COVID-19);

Ou seja – e a conclusão é minha –, existe um equilíbrio de opiniões sobre as preferências entre as opções do teletrabalho e o trabalho presencial, não existindo uma opinião vincadamente maioritária, embora exista uma tendência que aponta para o teletrabalho como preferencial. As respostas espelham assim a minha percepção inicial de que o mundo continuará a ser humano, mas com um “toque digital”.

 

Este artigo foi publicado na edição de Fevereiro (nº.134)  da Human Resources, nas bancas.

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