Ouvir as pessoas, melhorar as suas competências, cuidar dos líderes e não esquecer que a felicidade é lucrativa. Foi o que defenderam Isabel Barros (MC/Sonae), Nelson Pires (Jaba Recordati) e Ricardo Parreira (PHC Software)

Na 25.ª conferência Human Resources Portugal, que decorreu ontem no Museu do Oriente, em Lisboa, a conversa de líderes juntou Isabel Barros, administradora da MC/Sonae, Nelson Pires, CEO da Jaba Recordati, e Ricardo Parreira, CEO da PHC Software, sobre o “papel das empresas na gestão de pessoas na conjuntura actual”.

 

Por Tânia Reis | Fotos NC Produções

 

Perante um cenário fragilizado a níveis económico e social, as empresas estão a ser chamadas a cumprir um papel além do habitual, afigurando-se como única estrutura social que pode apoiar os colaboradores. «Até quando vão conseguir responder a estes apelos?», foi a questão levantada pelo moderador Ricardo Florêncio, CEO do Multipublicações Group.

Isabel Barros defende que «uma empresa que queira estar cá durante algum tempo, não tem outra forma a não ser estar com a comunidade. É esse um dos legados mais importantes que deixa para as diferentes gerações que estão na empresa». É isso que acontece na Sonae que, hoje, já são quase como «investidores sociais», e a importância «do propósito, de nos identificarmos com os valores já não é algo teórico, é algo que ouvimos todos os dias». Concretiza com o exemplo da Missão Continente, que celebra 20 anos. «Representa isso mesmo: estar com a comunidade interna e com a que nos circunda.» Além do foco na educação, estão atentos à «emergência social». «No último ano foram doados à comunidade 31 milhões em bens alimentares e, destes, cinco milhões foi internamente.» Num universo de 40 mil pessoas, a gestora reconhece que, ouvindo os colaboradores, encontraremos todos os problemas da sociedade no geral, pelo que é fundamental estar atentos e apoiá-los.

Na Jaba Recordati, o tema também é trabalhado nas duas vertentes, externas e internas. No que a esta última diz respeito, Nelson Pires partilhou que, a determinada altura, detectaram que o aumento dos preços dos combustíveis fazia a diferença e atribuíram um subsídio extra para apoiar os colaboradores que vão para o escritório. Procederam também a um aumento salarial em linha com a inflação, do subsídio de refeição e têm vários programas como dar um ano sabático a colaboradores com familiares oncológicos. «A gestão dentro da nossa organização é muito estruturada, mas também é muito por intuição, e tentamos perceber as necessidades de cada um.» Para o gestor, o que faz a diferença entre as boas e as más organizações é «olhar as pessoas como cidadãos», do ponto de vista emocional, do ponto de vista do propósito, e ver realmente o que cada um precisa.

Ricardo Parreira partilhou o foco da PHC, que assenta no conceito «a felicidade é lucrativa». Paralelamente, destacou a tendência do papel social das empresas, «no sentido em que há uma expectativa de que a empresa vai cuidar do colaborador e do seu bem-estar», que não se verificava no passado, mas que a PHC leva muito a sério. E deu o exemplo do programa de aconselhamento fiscal e financeiro disponibilizado aos colaboradores, bem como o programa de apoio à saúde mental, feito por uma entidade externa para assegurar a confidencialidade e afastar receios.

Ainda que acredite que a felicidade é lucrativa, o gestor defende que não é a empresa que traz a felicidade e cada pessoa tem de ir à procura da sua. O papel da empresa é sim dar «formação de human skills e ajudar as pessoas neste tipo de valores». Consciente de que as empresas podem contribuir para a infelicidade, Ricardo Parreira alertou para o papel das lideranças, e na PHC a formação nessa área é «obrigatória one to one» para que tenham «consciência de que podem provocar infelicidade» e o seu impacto.

 

Dar respostas às necessidades

A administradora da MC/Sonae tem clara noção de que com uma população de 95% dos colaboradores de lojas e supermercados e cerca de cinco mil pessoas nos escritórios e head offices se torna impossível responder a um manancial de necessidades tão díspar. Assumindo que a postura da retalhista é «mais de baby sitting, de nanny employer», tentam ouvir as pessoas e conjugar as suas necessidades dentro dos projectos que desenvolvem, sem esquecer que aquelas mudam ao longo dos anos. Actualmente, «a saúde mental, em tudo o que encerra o tema, o sono, a parentalidade positiva, a gestão de stress e equilíbrio», é o apoio mais solicitado. Em resultado, «as consultas de psicologia e psiquiatria são gratuitas para todos os colaboradores». Uma gestão mais equilibrada dos horários para os colaboradores de lojas bem como o trabalho remoto no caso dos colaboradores de escritório também foram temas trabalhados, ainda que Isabel Barros tenha realçado o facto de não ser possível «criar um mundo a duas velocidades num negócio como o retalho».

A gestora alertou contudo para a «grande pressão, todos em Portugal», para o tema dos salários, que «têm aumentado a um ritmo acelerado, e têm de aumentar», pelo que será necessária atenção redobrada para estes segmentos. «Estamos convencidos que é um esforço não de curto prazo e vamos ter de levar para a frente.»

 

Medidas adicionais e tendências para os próximos tempos

O CEO da Jaba partilhou que um dos temas centrais será a formação. «Claramente as pessoas detectaram ou perceberam que têm de melhorar as suas competências.» Assim estabeleceram um acordo com o ISCTE e estão a disponibilizar «um Executive MBA interno, com business cases da empresa, em que vários layers de cargos participam e, no final, além do certificado, têm o conhecimento e as competências». Também no âmbito da saúde mental, criaram pontos a nível nacional, em que os colaboradores e seus familiares têm acesso directo a medicina do trabalho e medicina curativa, não precisando de ir ao hospital ou centro de saúde.

Nelson Pires referiu ainda dois valores que têm de existir dentro da organização, ademais da questão material. Um é «conhecer muito bem o rumo para onde a organização vai, que valores traz, e outro é que papel vai o colaborador ter na organização». Com estes temas bem claros e «relembrados todos os dias», será possível atrair talento, adaptando a cada uma das áreas, funções, etc.

Ricardo Parreira antevê duas tendências nas quais as empresas terão de se focar. A primeira, um «desafio de gestão, é levar a flexibilidade ao extremo. Ou seja, levar a flexibilidade de um colaborador a um ponto em que ele continua a entregar resultados de alto nível». E para o responsável da PHC, esta expectativa sobre a flexibilidade «vai fazer a diferença na atracção e retenção de talento». Flexibilidade nos horários, no modelo de trabalho e no tempo para cada colaborador enquanto indivíduo. «Na PHC, todas as pessoas têm direito a uma sexta-feira por mês. Podem escolher a que quiserem e tiram-na só para si», exemplificou, garantindo os resultados positivos na produtividade.

A segunda tendência é a responsabilidade social, que o CEO defende que deve ser profissional e bem gerida, motivos que levaram à criação da Fundação PHC, «que vai entrar agora à seria» e conta com a colaboração dos trabalhadores da PHC, que «sentem que a empresa tem de fazer algo».

Isabel Barros destacou igualmente «dois temas críticos» para as empresas. Cuidar dos líderes, pressionados por duas forças antagónicas – a rentabilidade, as eficiências, mas por outro lado os colaboradores, de uma liderança mais próxima. «Estamos num novo modelo, mas a gerir com processos, políticas ultrapassadas, ainda numa cultura de monitorização e controlo e acho que devemos mesmo cuidar dos líderes.» Outro tema é de Portugal e das empresas e diz respeito ao planeamento dos recursos a médio longo prazo. «O país não está a fazer esse planeamento de talento de uma forma clara e sistemática», porém a administradora alerta que as empresas devem começar a fazê-lo já, sob pena de «não termos os profissionais que vamos necessitar no futuro» e «muitas pessoas vão ficar para trás principalmente nas qualificações mais baixas».

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