O que mudou na Formação de Executivos em Portugal? Não só nos últimos anos, mas com a pandemia COVID-19

Em conversa com a Human Resources, José Crespo de Carvalho, presidente executivo do ISCTE Executive Education, fala do que tem vindo a mudar na Formação de Executivos em Portugal e também do que podemos retirar de “bom” da actual situação em que somos “obrigados” a estar em casa.

 

José Crespo de Cravalho é peremptório – tudo está a mudar na Formação de Executivos. Acredita que, mais do que nunca, o paradigma do ensino se centra na experiência. E explica como é possível proporcioná-la. Desde logo, sendo inovador. Para isso, é preciso sair da zona de conforto e começar a tentar fazer diferente.

 

  1. O que tem mudado na Formação de Executivos nos últimos tempos?

Literalmente, tudo.

 

  1. Pode explicar?

Não bastava a mudança no paradigma de ensino – que se centra hoje, mais que nunca, na experiência –  e ainda temos, em cima disso, uma crise humanitária que nos obriga a mudar para o online toda uma operação. Aulas, dúvidas e exames. Tudo online. A grande questão passa então pela pergunta: como conseguir manter a experiência, ou propiciar experiências inesquecíveis, mesmo online?

 

  1. Tem resposta para essa pergunta?

Não é simples, neste momento, até porque o span of atention está todo voltado para o COVID-19. Porém, as pessoas terão de entender que se se fecham em casa e se apenas leem notícias sobre o vírus e nada fazem para conseguir sair disso vão acabar com enormes problemas psíquicos.

Precisam de se exercitar, de continuar a ter aprendizagem e de manterem uma certa normalidade nas suas vidas. Se apenas se deixam absorver pelas notícias do vírus estão, isso sim, vai contribuir para baixar as defesas e tornar as pessoas mais vulneráveis, muito mais vulneráveis, do que estariam se estivessem a estudar e a procurar aprender. Mesmo online.

 

  1. E que experiências se podem proporcionar através do online?

Deveríamos todos perceber que são possíveis experiências online. Basta pensarmos no número de horas que passamos por dia num telemóvel para rapidamente percebermos que, se não estamos online pela experiência, só pode ser por adição.

Mas, olhando para a experiência… Comunicando com mensagens simples, directas, chamativas e conseguindo engagement dos participantes tudo se pode transformar numa experiência interessante. Votações, jogos, quiz simples, cor, som, movimento, há muita coisa que pode ajudar. Agora…temos de ser inovadores. Não conseguimos sem sairmos da zona de conforto e começarmos a tentar fazer diferente.

 

  1. O que seria uma experiência ideal para si?

A experiencia presencial com competição é talvez a que gosto mais. Primeiro, porque coloca as pessoas à prova em frente a outras. Ninguém quer ficar mal. E se for à frente da administração melhor um pouco. Há muita coisa a fazer aqui, na linha dos hacktons e bootcamps que pode ser interessante. Com resultados a apresentar. Um speed challenge, por exemplo, é uma forma de aprendizagem em tensão muito boa.

Para mim, os ingredientes terão de ser velocidade e escrutínio. Sem esquecer o conteúdo. Se conseguirmos isto, conseguiremos muito.

 

  1. E como gestor de Pessoas, e de Formação, o que acha que os participantes beneficiam com essas experiências?

Esqueceu um grande trambolhão de bicicleta, daqueles em que fez uma ferida que ainda hoje é uma cicatriz que anda consigo? Esqueceu um desastre de carro em que poderia ter morrido? Não, pois não? Estes são exemplos pela negativa. O que estava na base era saber andar de bicicleta e saber conduzir. Mas as coisas negativas ocorreram à mesma.

Vamos, porém, colocar as coisas pela positiva. Alguém esquece o dia em que teve um filho? (e acho que é fácil fazê-los). Alguém esquece o dia em que curou um cancro? (e não depende tanto de nós mas mais do substrato psicológico que tivemos para aguentar e da disciplina que nos impusemos). Há coisas que ninguém esquece, pois não?

É claro que nunca se vai conseguir chegar a este nível de impacto com uma experiência formativa. Mas a ideia é conseguir aproximar, pela positiva, o nível de impacto. E como estamos em modo de aprendizagem ao longo da vida, a ideia será também coleccionarmos vários impactos que nos permitam ter da formação uma ideia positiva e transformacional. Para melhor, claro está.

 

  1. Parece então que tudo se resume a formatos e experiências…

Formatos experienciais são importantíssimos. Mas terão de ter lessons learned. Se não houver lições aprendidas, e são não houver impacto pela positiva, a coisa complica-se. E tem de haver conteúdo. Sejamos claros, não se pode desprezar o conteúdo. A forma de o passar é que é bem diferente.

 

  1. Que ingredientes, digamos assim, são necessários para esta nova era da Formação de Executivos?

Como sempre, e em qualquer negócio, bom senso. Como sempre, e em qualquer ocasião, capacidade de decisão. Como sempre, e em qualquer negócio, assumir riscos. Como sempre, e em qualquer negócio, visão e estratégia, mesmo que ela seja emergente. Depois, muito controlo de gestão e muita contenção para a turbulência de percurso.

Não podemos esquecer os participantes, que são o principal aliado e activo de uma organização de Formação de Executivos. Há coisa mais importante de que os formandos? Desconheço. Aliás, se virmos bem, os endowments das grandes universidades são todos provenientes de ex-alunos. Ex-alunos que investem na universidade em que se formaram e se projectaram para a vida. Na Formação de Executivos e em escolas de gestão temos de pensar que somos capazes de fazer isto, em Portugal, de forma estruturada e contínua.

 

  1. Diga-nos uma qualidade sua que esteja alinhada com os tempos que estamos a viver, e vamos viver, em termos de Formação de Executivos?

Essa é sempre uma questão delicada. Mas eu diria que, talvez, a principal seja ser um criativo. Se bem que um criativo que gosta de trabalhar e não só de criar. Mas acho que, entre dar aulas, gerir uma organização e criar novos programas, prefira criar e dar uma primeira vez as aulas. E depois criar de novo e lecionar uma outra primeira vez.

 

  1. É inevitável perguntar se, enquanto professor e gestor, se sente ameaçado pelo tempos presente. Já sabe que vamos viver uma crise acentuada mas os resultados cão ter que continuar a aparecer…

Boa pergunta. Penso que me sinto preparado para viver. Sinto-me preparado para a instituição que tenho entre mãos e cujo projecto quero fazer prosperar, sem quaisquer dúvidas. Mas também me sinto preparado para sair logo que veja ou que não há condições – porque não as consigo criar – ou quando não me quiserem neste lugar.

Comigo as coisas são muitos simples e muito pragmáticas. Não estou preso a lugares. Estou preso ao sucesso da organização que me moldou. E isso, para mim, diz muito. Seja no lugar de presidente, seja como professor. Ambos os lugares são críticos.

 

 

 

 

 

 

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