O que não se vê não se pode controlar? A “paranoia da produtividade”

Escrever “bom dia” nos chats de conversação é, para muitos profissionais em teletrabalho, o novo “picar o ponto”. Muitas chefias, que já antes da pandemia controlavam todos os movimentos dos seus colaboradores, continuam a desconfiar de quem trabalha a partir de casa, alegando que a produtividade e o comprometimento saíram afectadas por este novo modelo, avança o espanhol El País.

 

Segundo o semanário inglês The Economist, 2023 será dominado pela “paranoia da produtividade”, ainda que os resultados das empresas indiquem o contrário. Paranoia por parte da chefia que acha que os colaboradores trabalham pouco em casa, e paranoia da parte dos colaboradores que acham que estão a ser vigiados (e muitas vezes estão).

Um inquérito da Microsoft revelou que nove em cada dez empresas norte-americanas instalaram softwares de vigilância. Dos 20 mil colaboradores de 11 países entrevistados, no final de 2022, 87% consideravam ser igualmente eficientes quando trabalhavam a partir de casa ou no escritório. Contudo, apenas 12% das chefias considerava que as suas equipas eram produtivas em modo remoto.

Os velhos hábitos de passear por entre as mesas, espreitar os monitores ou um pedido repentino para vir ao “gabinete” foram substituídos durante a pandemia por emails consecutivos com dezenas de pessoas em cópia, videochamadas constantes e reuniões de zoom ou teams sem outro motivo que não comprovar que a equipa está online.

Já com um modelo híbrido que veio para ficar, muitos consideraram que era possível ter o melhor de dois mundos, porém, para 85% dos gestores inquiridos, o trabalho híbrido – três dias no escritório e dois em casa – tornava muito mais difícil confiar nos colaboradores.

Desses dois pólos opostos surge o conceito de paranoia da produtividade. A ideia de que ainda que se trabalhe mais – os dados da Microsoft demonstram que as reuniões semanais aumentaram 153% desde 2020 e que o multitasking e jornadas contínuas são a norma – os colaboradores só vão ser considerados produtivos quando estiverem “à vista”.

Os nossos cérebros não estão preparados para confiar no que não vemos ou está longe, explica Ayelet Fishbach, professora de Ciências Comportamentais da Universidade de Chicago. Um outro inquérito sobre o trabalho remoto, liderado por Nicholas Bloom, professor de Economia da Universidade de Stanford, detectou que a chave do desentendimento estava na deslocação. Enquanto os colaboradores calculavam o tempo e gastos de deslocação na sua produtividade, os gestores não.

Para aliviar a paranoia da produtividade, algumas empresas decidiram monitorizar a actividade ao minuto das suas Pessoas com softwares que controlam os movimentos do rato, as teclas premidas nos teclados, a actividade do ecrã e até monitorizam as pausas para o café e as idas ao wc.

Ayelet Fishbach alerta para as consequências destas medidas. «É um sinal claro de que a equipa já não é de confiança e estes sentimentos são recíprocos.» Outra consequência da paranoia, avisa o The Economist, é o teatro da produtividade, ou seja o exagero dos actos associados a total disponibilidade e eficiência, que no trabalho presencial era visível sob a forma de servilismo e, actualmente, em modo remoto, se traduz no envio massivo de emails.

Por isso, há quem atribua o regresso compulsivo ao escritório uma consequência desta paranoia da produtividade.

O professor Nicholas Bloom examinou à lupa o modelo híbrido e garante que é o melhor possível dos dois mundos. Segundo os cálculos da sua equipa do WFH Research (Work from Home Research, composta por investigadores da Universidade de Stanford, Universidade de Chicago e do MIT, entre outros), o trabalho híbrido pode beneficiar as empresas entre 10% e 20% comparativamente ao modelo presencial. Num modelo híbrido de dois dias por semana em casa, em que um colaborador poupa uma média de 70 minutos diários em deslocações, isso equivale uma hora de trabalho extra para a empresa durante esses dois dias. Ademais, estudos demonstram que os colaboradores trabalham mais a partir de casa, já que as idas ao escritório têm agora uma função mais de socialização.

A verdade é que, após dois anos e meio de trabalho remoto ou híbrido, o défice de confiança é alarmante, por isso é imperativo que as lideranças revejam as suas métricas de produtividade e as adaptem a um mundo em que a confiança prevalece sobre a “presença física”.

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