O seu chefe é um sociopata?

Sociopata, Egoísta, Camaleão, Dínamo, Construtor e Transcendente. De que forma estas diferentes personalidades influenciam as decisões e comportamentos de um líder, alterando assim a direcção, o enfoque e o desempenho da organização?

 

Por Modesto A. Maidique e Nathan J. Hiller, da Universidade Internacional da Flórida, publicado originalmente na MIT Sloan Management Review

 

A resposta à pergunta «quem sirvo» diz mais sobre o estilo de liderança e área de influência do que os traços de personalidade ou a inteligência emocional.

Uma das perguntas mais reveladoras que os líderes fazem a si próprios é: “Quem é que sirvo?” As respostas a essa pergunta dizem mais sobre o estilo de liderança e área de influência do que os traços de personalidade ou a inteligência emocional. E se fizerem essa escolha cuidadosamente, os esforços dos líderes ganham enfoque, ajudando-os a organizar melhores equipas, a evitar catástrofes e a criar um impacto duradouro dentro e para lá da organização.

Nos últimos anos, entrevistámos líderes de mais de 80 organizações em diversos sectores. Com bases nessas conversas e em pesquisas de psicologia cognitiva de liderança e de desenvolvimento, identificámos seis personalidades de liderança: chamamos-lhe Sociopata, Egoísta, Camaleão, Dínamo, Construtor e Transcendente. Cada uma representa um conjunto de pressupostos e crenças sobre a natureza e o propósito da liderança – e revelam como a aproveitar da melhor forma.

Pela experiência que temos a estudar e trabalhar com líderes, descobrimos que raramente possuem uma única personalidade. Em vez disso, têm um portefólio de personalidades e cada uma delas – assim como a mistura geral, que varia de pessoa para pessoa – influencia as decisões e comportamentos de um líder, alterando assim a direcção, o enfoque e o desempenho da organização. Este artigo examina cada personalidade e mostra a melhor forma de compreender e aproveitar os seus próprios portefólios.

 

Não serve ninguém: o Sociopata
A personalidade mais limitadora e perigosa – o Sociopata – encontra-se em indivíduos que demonstram um menosprezo deplorável por qualquer outra pessoa além de eles próprios. Embora não usemos este termo no sentido patológico e não estejamos a tentar diagnosticar ninguém, observámos que os líderes com uma grande dose desta personalidade mostram certos traços que normalmente estão associados a uma desordem de personalidade anti-social, como a falta de empatia e a incapacidade de reconhecer a dor emocional e física dos outros. São encantadores e altamente eficazes a manipular os outros e os sistemas da organização (pelo menos durante uns tempos).

Vejamos o caso de Martin Shkreli, antigo CEO da Turing Pharmaceuticals, que destruiu a sua carreira e a reputação da empresa com o seu comportamento habitualmente abusivo, isto depois de se ter tornado bem-sucedido, segundo alguns padrões. Alguns emails mostram que, após ter aumentado o preço do medicamento Daraprim em mais de 5000%, Martin Shkreli viu a sua jogada como um «investimento maravilhoso», deliciado com a perspectiva de obter lucros mais altos a curto prazo à custa da saúde dos pacientes.

A personalidade Sociopata pode existir em qualquer nível de uma organização. Talvez já tenham trabalhado para alguém cujo comportamento encaixa no perfil. Esses chefes implacáveis ignoram a dor dos outros, mas muitas vezes usam terceiros para obterem o que desejam através de pressão, coerção e truques. A sua dependência do medo como motivador por vezes traduz-se em resultados a curto prazo, e a sua inteligência, charme e manipulação faz com que sejam promovidos. A sua ética é efémera, e eles vêem-se como livres de regras. Descobrimos que não existe uma forma prática de trabalhar efectivamente com pessoas com fortes personalidades de Sociopata sem arriscar que tudo corre mal – mesmo que tenham um bom desempenho. Há pouca probabilidade de que mudem.

 

Serve-se a si próprio: o Egoísta
Os líderes com personalidades predominantemente Egoístas são estimulados pela sua própria acumulação de riqueza, poder e estatuto. Perguntam sempre “O que é que eu ganho com isso?”. Uma organização pode crescer e lucrar com alguém assim, mas apenas se os seus interesses estiverem alinhados com os do líder.

Na realidade, muitas pessoas são influenciadas por riqueza, poder e estatuto – não estamos a sugerir que isto leva sempre a problemas. Contudo, a não ser que estes objectivos sejam compensados com outras considerações, uma personalidade Egoísta desproporcional nos executivos de topo pode destruir a cultura de uma organização. Quando um líder é completamente narcisista, outros podem ver isso como uma questão comportamental. A acção colectiva e os comportamentos de ajuda – cruciais para o sucesso de uma empresa a longo prazo – serão abandonados.

No nosso trabalho de desenvolvimento de liderança, conhecemos o director de uma fabricante de componentes de alta tecnologia – alguém com todos os sinais de uma personalidade Egoísta. Depois de um bom desempenho como comercial motivado e como gestor de uma pequena equipa, foi promovido para um cargo de liderança mais visível, acabando por se revelar um egoísta ganancioso e não alguém que demonstra comportamentos que valorizavam toda a equipa.

Com base neste exemplo, os comerciais andavam descoordenados como membros da equipa, imitando o estilo do seu líder, roubando dicas uns dos outros e escondendo informações importantes dos colegas. Os clientes começaram a afastar-se.

A ambição e o enfoque pessoal dos líderes com uma forte personalidade Egoísta podem fazê-los avançar, mas muitas vezes têm dificuldade em desenvolver uma equipa, e pouco fazer para ajudar os outros a progredir. Os membros da equipa perguntam “porque é que hei-de fazer o que é melhor para a organização?” quando sabem que o líder irá procurar formas de ficar com todos os louros.

Ao contrário das fortes tendências Sociopatas, como a falta de escrúpulos em magoar os outros, os líderes com inclinações Egoístas procuram simplesmente os seus próprios interesses pessoais e raramente vêem os danos que causam. Mas sob as circunstâncias certas de objectivos cuidadosamente definidos e um controlo atento, as organizações conseguem canalizar a personalidade Egoísta para o bem, assegurando que os objectivos individuais dos líderes estão bem alinhados com os seus.

 

Serve todos: o Camaleão
Os líderes que adoptam uma personalidade Camaleão são extremamente adaptáveis. Embora raramente cheguem ao nível de CEO, sobem na organização ao agradarem a quem está no poder. Normalmente são caracterizados por uma combinação de baixa auto-estima e uma forte necessidade de gostarem deles. Como resultado, muitas vezes não têm coragem e sentem-se divididos quando enfrentam decisões difíceis.

As pessoas com tendências Camaleão podem ser úteis a fazer avançar as iniciativas estratégicas da organização. Mas não esperem que tomem decisões importantes quando enfrentam oposição ou quando têm de responder a perguntas mais complicadas. Além disso, não se surpreendam se, de repente, se começarem a alinhar com um conjunto emergente de líderes. No seu ponto de vista, precisam de servir e agradar a quem seja mais importante.

Normalmente não revelam nem defendem um conjunto de valores enraizados, levando os outros a concluírem que não têm coluna vertebral. Como as pessoas com personalidade Camaleão não agem por convicção, os outros não as seguem para a batalha. Como seria previsível, podem ser facilmente manipulados por qualquer pessoa que saiba que eles irão atrás de quem tem poder.

Um líder que conhecemos – senior manager numa empresa de construção – encaixava neste perfil. Era dedicado, altamente qualificado, afável, perspicaz e inteligente. Mas não tinha muita influência na organização. Mesmo quando  tinha boas ideias, não defendia os seus pontos de vista e não era respeitado. As pessoas sentiam que não podiam contar com ele para uma opinião honesta. Quando ele tentou relutantemente liderar uma nova iniciativa na empresa, o seu enfoque exagerado na tentativa de agradar aos seus superiores (que queriam que ele ficasse à frente de um novo projecto) e a sua incapacidade de lutar pelas suas ideias quando enfrentava resistência fez com que o projecto nunca arrancasse. Como resultado, perdeu ainda mais credibilidade como líder.

É um longo processo fazer com que alguém assim se foque no crescimento e no sucesso. Uma estratégia passa também por recompensar e elogiar a coragem comportamental e as apostas arriscadas, dando menos ênfase à obediência e à harmonia.

 

Servir objectivos: o Dínamo
Uma personalidade Dínamo ajuda as pessoas a executarem a estratégia consistentemente e, em muitos casos, sem falhas. Os líderes com esta personalidade dominante são vistos como super-estrelas. Tendem a exceder as suas quotas de vendas, entregam grandes projectos a tempo e geram lucros. São excelentes a mobilizar os recursos e os esforços dos outros. Os seus colegas dependem deles, e existem em todos os níveis, júnior e sénior, das organizações que estudámos.

Os indivíduos com uma personalidade Dínamo têm, contudo, um calcanhar de Aquiles. Na sua ânsia para conseguirem atingir um objectivo, podem perder o contexto do propósito mais abrangente.

Vimos isto acontecer na Hewlett-Packard Co., quando o CEO Mark Hurd decidiu que o seu objectivo era aumentar o valor das acções da HP. O valor realmente aumentou mais de 110% enquanto durou o seu mandato, entre 2006 e 2010. Mas eventualmente tornou-se claro que a empresa só estava a atingir estes números cortando na pesquisa, desenvolvimento e infra-estruturas, prejudicando profundamente a sua força tecnológica e de produto. No início da década de 80, David Packard, co-fundador da HP, aceitou um convite de Modesto Maidique, um dos autores deste artigo, para ser orador numa aula na Universidade de Stanford. Quando lhe pediram para explicar o sucesso inicial da HP, David Packard respondeu de forma simples: «Creio que conseguimos encontrar uma forma de criar um produto melhor.» Por trás desta resposta aparentemente objectiva, porém, estava um número de factores cuidadosamente calculados e definidos na visão a longo prazo dos fundadores da HP.

O sucesso de um produto novo, segundo o ponto de vista de David Packard, dependia de atributos organizacionais, incluindo clareza no objectivo, criatividade, capacidade de produção e competências de marketing. As pessoas com uma personalidade Dínamo como Mark Hurd podem trabalhar no duro, mas falta-lhes frequentemente a sabedoria e perspectiva a longo prazo de líderes como David Packard. Ao tentarem atingir objectivos admiráveis admiráveis,
muitos não prevêem as consequências imprevisíveis e se os seus esforços servem os interesses da empresa a longo prazo.

 

Servir a instituição: o Construtor
Os líderes que adoptam uma personalidade de Construtor promovem o bem colectivo da organização. Entre os CEOs desta categoria encontram-se Alfred P. Sloan, da General Motors Co., Tom Watson Jr., da IBM, e Steve Jobs, da Apple Inc. Isto não quer dizer que estes líderes não ajam também em nome do seu próprio interesse, mas desenvolver a organização é o seu principal enfoque. Eles têm em conta todo o bolo – e não apenas a sua fatia preferida – e gerem a longo prazo em vez de se distraírem com os lucros a curto prazo e as avaliações da bolsa de valores.

Embora se possa assumir que os Construtores são sempre executivos seniores, vimo-los em vários cargos e funções na nossa pesquisa. Por exemplo, o gestor de departamento que cria uma visão abrangente e duradoura para o departamento, visão que os outros querem seguir, tem personalidade de Construtor. O mesmo acontece ao coach que desenvolve uma equipa forte, coesa e leal e bom conjunto de líderes. De facto, a maior parte das pessoas, independentemente do cargo, pode desenvolver uma organização com uma visão mais global.

 

Servir a sociedade: o Transcendente
Aqueles que abraçam uma personalidade Transcendente pensam de forma ainda mais abrangente. Tentam maximizar o valor para muitos stakeholders dentro e para lá da organização, independentemente do cargo (nem sempre são executivos de topo). Fazem de ponte entre partes e restruturam o propósito e os objectivos da empresa em termos de bem social. As pessoas com fortes tendências de Transcendente compreendem como peças aparentemente distintas encaixam. Conseguem gerir a complexidade.

Na esfera sociopolítica, Nelson Mandela, que se tornou o primeiro presidente negro da África do Sul depois de 27 anos na prisão, é um excelente exemplo. Colocou-se acima do ódio racial, tribal e de classes para liderar o seu país dividido numa nova direcção.

Outro exemplo de um líder com uma forte personalidade Transcendente é Alvah H. Chapman Jr., antigo chairman e CEO da grande empresa de media Knight Ridder Inc. e antigo editor do “Miami Herald”. No dia 26 de Agosto de 1992, dois dias depois de o furacão Andrew ter atingido o sul da Flórida, Alvah Chapman pediu a 30 líderes da comunidade que se juntassem a ele e respondessem à devastação daquilo a que na altura era o furacão mais dispendioso na história dos Estados Unidos da América. Todos os contactados por Alvah H. Chapman Jr. concordaram.
Desde então, a We Will Rebuild, uma coligação comunitária criada para reconstruir lares, vidas e infra-estruturas, tem sido um modelo para outras regiões atingidas por desastres.

É claro que os líderes de negócio não podem ignorar as medidas tradicionais de sucesso. Contudo, as pessoas com personalidade Transcendente tendem a olhar para lá da quantidade de lucro e valor atingido pelas acções e ponderam como isto foi atingido. Nem sempre têm sucesso, e os seus esforços não escapam a críticas. De facto, por vezes concentram-se demasiado em estar à frente da mudança na altura errada e da forma errada, colocando importantes objectivos a curto prazo em risco. Mas podem mitigar esse risco ao rodearem-se de líderes com personalidades de Construtor, Dínamo e até Egoísta. Nas empresas cotadas em bolsa, a pressão por resultados a curto prazo oferece também um contrapeso para algumas das possíveis dificuldades de uma personalidade Transcendente.

 

Qual a mistura certa?
Os líderes são seres complexos, multifacetados e evolutivos. Embora normalmente dependam de uma ou duas personalidades dominantes em determinadas alturas, os indivíduos têm a sua própria mistura de várias personalidades, moldada pelos seus estilos, temperamentos, valores e experiências cognitivas. Vejamos, por exemplo, dois líderes que são estimulados similarmente para atingir objectivos de desempenho. Ambos demonstram uma personalidade de Dínamo, mas imaginemos que um deles tem também fortes tendências Egoístas. O líder com inclinação Egoísta dará provavelmente mais prioridade a um aumento no poder, estatuto ou riqueza – e atingirá os objectivos da organização de forma a ganhar o máximo de benefício individual. O desejo de poder poderá também fazê-lo centralizar a tomada de decisões. Agora suponhamos que o outro Dínamo tem tendências de Construtor. Esse líder, por outro lado, estará mais preocupado em atingir a missão do colectivo e não em chamar as atenções a si.

Tendo em conta o número infinito de variantes e a importância do contexto como factor de sucesso, ainda não encontrámos uma mistura de personalidades que funcione nos conselhos de administração e acreditamos que essa fórmula provavelmente nem existe. De facto, a composição do portefólio de uma pessoa deve mudar em resposta a novas circunstâncias. Ainda assim, como seria de esperar, os nossos dados e análises sugerem que os líderes que tendem a ser vistos como mais estratégicos e influentes, que têm equipas que produzem soluções mais inovadores e que criam mais valor para as suas organizações têm proporções mais altas de personalidades de Dínamo, Construtor e Transcendente nos seus portefólios, e proporções mais baixas de personalidades Egoísta, Camaleão e Sociopata.

O quadro geral, tal como observámos, não é estático. As pessoas são capazes de desenvolvimento contínuo (embora nada esteja assegurado) e as suas prioridades profissionais e pessoais mudam com o tempo. À medida que amadurecemos, temos mais probabilidade de nos preocuparmos com o legado que deixamos e tentamos deixar um impacto duradouro ou até transcendente.

Como outros especialistas em desenvolvimento de liderança notaram, essas mudanças raramente são lineares e fáceis de prever. Algumas alterações ocorrem naturalmente, no rescaldo de novas experiências profissionais e pessoais. Um jovem líder com uma forte personalidade de Camaleão pode eventualmente ganhar confiança para sobressair e ser ouvido no trabalho depois de chegar a um cargo de liderança (ou depois de observar lideranças fortes) noutro contexto profissional. É também possível que ocorram mudanças deliberadas. Começam quando os líderes perguntam não só “Quem é que eu sirvo agora?”, como também “Quem eu procuro servir?” Em vez de “encontrarem” o seu propósito, os líderes disciplinados desenvolvem-no e reformulam-no continuamente. Isto não quer dizer que ajustar a mistura de portefólio de alguém é fácil, mas sim que é possível fazê-lo.

As alterações súbitas no estilo de liderança não são necessárias a não ser que haja uma crise. Na maioria das situações, os líderes começam por dar ênfase a uma nova personalidade (por exemplo, de Construtor), diminuindo simultaneamente outras personalidades.

 

Que tipo de líder é?
Ao apresentarmos o nosso modelo a indivíduos e grupos, percebemos que seria útil uma ferramenta de auto-análise para ajudar as pessoas a compreenderem-se a si próprias como líderes. Em conjunto com Daniel Newman, professor de Psicologia Industrial/Organizacional na Universidade do Illinois, desenvolvemos um conjunto de cenários de liderança, juntamente com escolhas de resposta que traçam as diversas personalidades na nossa estrutura. Ao preencher o inquérito em www.leadershipmindsets.org, é possível ver a mistura de personalidades que influenciam o estilo de liderança.

Assim que se compreende melhor o perfil, este deve ser debatido com outros líderes, com colegas de confiança ou com amigos, para que se possam calibrar as acções de liderança entre o que os outros vêem e o portefólio ideal. É preciso procurar discrepâncias e criar um plano que alinhe o estilo de liderança de uma pessoa com os seus objectivos a longo e curto prazo. Talvez seja também boa ideia falar com líderes cujos estilos se gostaria de imitar. Que ideias têm para expandir o impacto de um líder e para fazer correcções?

Por fim, o melhor é perguntar como queremos ser lembrados como líderes. Isto ajuda a ajustar o foco dos objectivos e comportamentos para que consigamos controlar o nosso próprio destino.

 

Este artigo foi publicado na edição 95  (Outubro 2018) da Human Resources Portugal.

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