O verdadeiro motivo por trás das demissões em massa das Big Tech. “Fake work” ou “lazy management”?
Com as demissões em massa das empresas de tecnologia, investidores e executivos apoiaram-se na expressão “fake work” para descrever os resultados dos colaboradores, avança o Insider. O argumento atesta que as demissões são necessárias e até prudentes, porque milhares de profissionais estão sentados, a tentar parecer ocupados, mas produzem muito pouco.
«Não há nada para esses profissionais fazerem – é tudo trabalho falso», explicou Keith Rabois, investidor em tecnologia. «Agora que o tema está a vir ao de cima, o que é que essas pessoas realmente fazem? Vão a reuniões.»
Alguns profissionais de tecnologia confirmaram as declarações de Rabois nas redes sociais, ao partilharem histórias de serem pagos para fazer muito pouco. Num vídeo do TikTok, Brit Levy, ex-analista de políticas de Diversidade, Equidade e Inclusão da Meta, disse que teve de «basicamente lutar para encontrar trabalho» e que a empresa estava simplesmente a agarrar-se aos funcionários «como cartas Pokémon».
Segundo o Insider, com base em conversas com mais de 30 pessoas envolvidas no sector tech, incluindo actuais e ex-colaboradores, alguns em cargos de gestão, a noção de “funcionários preguiçosos”, que ganham grandes salários para fazer pouco, põe as culpas no lugar errado. Muitas vezes, os colaboradores trabalham muito, o problema reside no facto de os projectos terem pouca ou nenhuma importância para os resultados da empresa.
«A maioria dos trabalhadores quer trabalhar. Querem vir, produzir e sentir-se bem consigo mesmos», revelou Scott Latham, professor de Administração Estratégica da Universidade de Massachusetts Lowell, que trabalhou no sector tech no início do boom da internet. Há apenas um verdadeiro culpado pela cultura do “trabalho falso”, afirmou. «Gestão preguiçosa.»
O que é “trabalho falso”?
Especificamente no sector da tecnologia, o termo “trabalho falso” é usado para evocar uma imagem de engenheiros preguiçosos “a descansar”, funcionários de longa data e bem pagos que trabalham muito pouco enquanto esperam pelo salário chorudo no final do mês.
«O sector de tecnologia está mais aberto a experimentar coisas diferentes. Por isso, o colaborador é designado para um projecto que sabe perfeitamente que pode não levar a lugar nenhum, mas tem dificuldade em dizê-lo», explica Rich Moran, investidor, consultor e escritor.
A versão mais recente do “trabalho falso” surgiu com o boom e colapso do sector tech. Lockdowns e teletrabalho resultaram numa explosão da procura de produtos da Amazon, Google, Meta, Shopify, entre outros. Assumindo que a mudança do consumidor era prenúncio de um novo normal de compras, socialização e trabalho online, as empresas contrataram agressivamente milhares de colaboradores. O problema foi não terem planeado onde colocá-los ou qual seria o seu papel.
Uma ex-gestora da Google revelou que foi instruída a reduzir os seus padrões de contratação no início da pandemia e viu as equipas com as quais trabalhava duplicarem de tamanho. À medida que novas contratações chegavam, as equipas eram reorganizadas semanalmente, tornando mais difícil os colaboradores fazerem um trabalho sólido.
O súbito aumento no número de funcionários foi desestabilizador, mas o verdadeiro problema veio quando o negócio começou a desacelerar. Em vez de uma reorientação contínua, houve apenas mudanças de curto prazo. E, à medida que a economia girava em torno do sector tech, as empresas lutavam para descobrir o que fazer com todos os funcionários de que já não precisavam. Foi aí que o tema do “trabalho falso”, acusações e demissões em massa começou.
Um ex-funcionário da Meta partilhou que, quando entrou em 2022, havia tantos colaboradores no seu departamento que, em várias ocasiões, ao concluir um projecto descobriu que outras pessoas tinham recebido exactamente a mesma tarefa.
Uma ex-funcionária contratada pela Meta, durante a pandemia, ficou tão frustrada por não ter nada para fazer, que conseguiu um contrato de trabalho na Microsoft ao mesmo tempo (nenhuma das empresas sabia que ela trabalhava para a outra) e decidiu que, se «não me vão dar nada para fazer, então acho que estão apenas a pagar-me».
Mini-impérios vazios
O tema não é novo, acontece nas empresas de tecnologia há anos e (quase) tudo se resume a uma questão fundamental: gestores a tentarem subir na hierarquia.
Em quase todas as empresas de tecnologia, revelam funcionários e ex-colaboradores, as chefias eram recompensadas por contratações em massa, pois isso fazia-os parecer importantes. Tal resultou em pessoas a mais, falta de noção do que cada departamento estava a fazer e projectos criados apenas para ajudar os gestores a serem promovidos.
«Quanto maior for a equipa, mais pessoas qualificadas tem, logo, mais peso o gestor tem na empresa», explica Graham, ex-funcionário da Amazon. «É o que chamamos de construção de impérios. Não estás focado a construir um produto; estás focado a construir um império. Isso conduz a trabalho falso e contratações desnecessárias.»
Um ex-funcionário da Meta, que ingressou na empresa em 2022, sentiu que aumentar equipas era uma forma de os gestores intermediários conseguirem uma promoção. Um dos seus gestores contratou tantas pessoas que, em três meses, entre ele e o gestor havia quatro níveis.
Além da estrutura de incentivos encorajar projectos desnecessários, há uma falta de supervisão do topo sobre como esses “mini-impérios” são administrados, disseram os funcionários. E, em muitos casos, os executivos não percebem o valor do trabalho que lhes é apresentado.
Ainda que esses projectos não contribuam para os lucros de uma empresa, as apresentações e demonstrações apelativas associadas geralmente levam a uma promoção e a um bom aumento salarial para a pessoa que lidera o projecto.
Quando o gestor é promovido – ou o projecto desmorona – a equipa às vezes é transferida para outras partes do negócio. Vários colaboradores afirmaram que essas situações levaram a muito trabalho que causou pouco ou nenhum impacto material no negócio, o tal “trabalho falso”.
Um ex-gestor da Salesforce contou que, nos últimos anos, a empresa ficou cheia de middle managers e estruturas de poder que sugavam recursos, mas dificultavam a realização de qualquer coisa substancial.
«Tentar fazer qualquer coisa naquela organização requer 40 pessoas para começar», disse, acrescentando que a cultura de reuniões na empresa descontrolou-se e “trabalho” foi definido como «fazer apresentações e discursos, e ter um calendário realmente cheio de reuniões».
Como vai ser o futuro?
No ano passado, as empresas de tecnologia deixaram bem claro como planeiam lidar com o “trabalho falso” – demissões em massa.
Em quase todos os comunicados, da Amazon, Microsoft, Google, Salesforce e outros, os executivos concentraram-se na necessidade de se tornarem mais eficientes. Depois de anunciar a primeira ronda de cortes de empregos no ano passado, o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, declarou que 2023 seria o «ano da eficiência».
Algumas empresas também mostraram sinais de estarem a tentar reduzir o trabalho mais pesado. Em Setembro, a Google informou os colaboradores que reduziria as “reuniões redundantes” e pediu-lhes que planeassem melhor as suas agendas.
Greg Selker, managing director da consultora Stanton Chase, opinou que o fenómeno do “trabalho falso” estava a chegar naturalmente ao fim. As «empresas mais inteligentes», que contrataram demasiado já passaram por despedimentos significativos, e as outras acabarão por perceber que precisam de fazer o mesmo, concluiu.