Opinião Conceição Zagalo: Onde há pessoas há vida e esperança

Sabemos que, por vezes, é preciso bater no fundo para aprendermos a reconhecer que cada dificuldade encerra novas oportunidades e que as contrariedades não pagam dívidas na hora de recuperar, de progredir.

 

Por Conceição Zagalo, empreendedora social

 

Pertenço ao clube dos defensores de que no pós-2020 nada vai ser como dantes e que as pessoas e o mundo serão inevitavelmente diferentes.

Se há uns meses nos dissessem que estaríamos hoje no estado em que estamos, muitos considerariam tratar-se de pura ficção. Se nos adiantassem que teríamos de nos fechar em casa e ficar meses a fio fisicamente afastados de filhos, netos, pais, amigos, colegas, acharíamos que estávamos a ver filmes. Se nos dessem a possibilidade de trabalharmos completamente à distância numa gestão partilhada de responsabilidades profissionais, tarefas domésticas e assistentes académicos, consideraríamos muito provavelmente tratar-se de um cenário improvável e seguramente ingerível.

Mas, na verdade, sem que tenhamos tido tempo para digerir estes diferentes capítulos do impossível, surpreendemo-nos todos os dias com a nossa própria capacidade de resiliência e de adaptação à inevitabilidade dos factos, dando a volta por cima e superando-nos em disciplina, autodeterminação, capacidade de concretização com padrões de desempenho e até de produtividade nunca vistos.

O homem é um animal de hábitos, é bem sabido. E também não é novidade que a dificuldade aguça o engenho. Assim se explica que, em fases de teste à nossa fragilidade ou procrastinação, escolhamos erguer a cabeça e seguir em frente no sentido de contrariar tudo o que possa constituir obstáculo à sobrevivência física e anímica, e darmos passos firmes rumo ao sucesso.

Instalada a calamidade a nível mundial, nem por isso o mundo parou. Mudou de hábitos, isso sim. Nunca como agora vi resultados tão rápidos da transformação a que fomos obrigados. Novas metodologias, novas ferramentas, novos protocolos sociais, novas formas de trabalho virtual, novos hábitos de comércio electrónico, alteração dos hábitos de consumo, de higiene, das rotinas de convivência, da aproximação a familiares, amigos, vizinhos… Nunca como agora se participou em tantos webinars, se assistiu a tamanhas demonstrações de solidariedade, se deu tanto ouvidos aos apelos lançados por quem tem a responsabilidade de conter a proliferação de um vírus que teima em não nos dar tréguas.

Temos vivido tempos muito duros, é verdade. De privação, de dor, de mudanças de paradigma. Choramos a perda de tantos que partem sós, acompanhamos o sofrimento de quem adoece de forma inusitada, de quem, em idade mais madura, se encontra isolado “sine die”. Acompanhamos os que entram em lay-off, os que perdem o seu posto de trabalho, os que vêem o seu futuro alterado. Mas assistimos também a todo um sem-número de novas frentes, de quem reconverteu o seu modelo de negócio, antecipa uma década de evolução, se reinventa na forma de gerir recursos, se recusa a dar o flanco e a baixar braços perante a adversidade.

Temos sabido aprender que a capacidade produtiva do nosso país, essa não está confinada. E que temos as melhores competências do mundo e empresas fabulosas capazes de nos fazerem exportar cortiça, pasta de papel, tomate, têxteis, calçado, vinho, cerveja, café. Até porque somos argutos e bons negociadores e sabemos fazer sempre mais e melhor e marcar pontos extra na nossa economia. E sabem porquê? Porque os portugueses são fantásticos e as nossas pessoas sabem que não podem deitar a perder a força e experiência colhidas de novas janelas de oportunidade e de modelos de negócio aprendidos e desenvolvidos em tempos de emergência social.

Nos tempos que correm, valorizamos a nossa velha saudade de forma bem distinta, é certo. À conta de muita privação e de enormes sacrifícios. Mas também de lições muito sérias sobre a conquista de metas inovadoras em matéria de criatividade e de conjugação de empenhos entre pessoas que não deixam créditos por mãos alheias na hora de se superarem em termos de propósito, de desempenho, de relevância.

O futuro não vai ser fácil, não nos enganemos. Nem vai ser igual. Mas vamos, não duvidemos, dar a volta por cima e beber da grande constatação de que em todas as transformações as pessoas se aprimoram na arte de enfrentar maiores desafios e de conquistar novos avanços. Porque, nunca se duvide também, onde há pessoas há vida e há esperança.

 

Este artigo foi publicado na edição de Maio da Human Resources, nas bancas

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