Opinião: Cultivar a cultura

Nos últimos anos temos observado um interesse cada vez maior nos chamados elementos soft dos negócios. Se por um lado as duas últimas décadas se definiram por uma obsessão pela estratégia, os tempos recentes têm-se definido como a era da cultura. Cada vez mais as publicações de referência trocam o espaço dos clássicos temas de estratégia e marketing para tratar dos temas relacionados ao talento, comportamentos e cultura. Renovou-se o ditado do guru Peter Drucker – “cultura come a estratégia no pequeno-almoço”.

Por Paulo Pisano, director de Recursos Humanos da Galp Energia e Conselheiro Editorial da Human Resources Portugal

 

Uma organização sem uma boa estratégia, por melhor que seja seu talento ou sua cultura, terá grandes dificuldades em gerar valor sustentável. A estratégia é necessária. Mas também é insuficiente.

Apesar de falar-se muito de cultura organizacional, há quase tantas definições como há observadores. As definições vão desde as mais simples “a forma como se fazem as coisas por aqui”, ou “aquilo que achamos que devemos fazer num determinado ambiente para ser aceitos”, até algumas mais abrangentes, como “um conjunto de comportamentos, símbolos e processos – as escolhas que fazemos na forma como trabalhamos uns com os outros”.

Seja qual for a definição, vale observar que a cultura é tanto princípio quanto fim – origem e resultado. A cultura de uma organização sempre existe, quer nós queiramos ou não – a partir do momento em que temos um grupo de pessoas trabalhando juntas, desenvolvem-se hábitos, códigos e interpretações que formam a base de uma cultura. Ao mesmo tempo, conforme mudam as condições do entorno de mercado, e a ambição das organizações, também começam a surgir os desalinhamentos entre a cultura vigente e a necessária para servir à mudança que se busca.

São nesses desalinhamentos, onde a forma como trabalhamos não atende aos resultados que queremos, que surgem as oportunidades de mudança e evolução de uma cultura organizacional.

A evolução cultural é como a mudança pessoal – mudar a cultura é criar novos hábitos. Por exemplo, se queremos entrar em forma, importa ter claro o porque. Encontramos um ginásio, nos inscrevemos e pagamos a mensalidade. Mas só pagar não basta. Precisamos de assiduidade, de ir à academia quando queríamos sair com os amigos, ou quando chove, ou há engarrafamento.

Substituímos hábitos que não nos servem com novos hábitos: de ir a casa ver televisão, à ir para o ginásio fazer exercício. Nem sempre é fácil. E mudar uma cultura significa também mudar crenças, comportamentos e criar novas práticas.

O que podemos fazer, como profissionais de RH, para ajudar no processo de mudança ou evolução de uma cultura?

Começar por nós – ter uma experiência pessoal nas dificuldades para se mudar é um ativo importante. Se não conhecemos as dificuldades inerentes à mudanças importantes, faltará empatia e compaixão àqueles que estão a passar pelo mesmo na sua organização.

 

Ajudar as lideranças a articularem a razão para a mudança – como a cultura atual está impedindo o sucesso da organização e porque isso é urgente e importante. Uma narrative envolvente é fundamental.

Identificar alavancas de suporte além do RH. O comprometimento e comportamento dos líderes da organização serão símbolos visíveis para toda a organização e pontuarão o quão sérios somos relativos à essa mudança.

Buscar apóstolos em várias partes e níveis da organização. Há colegas que têm energia e credibilidade para disseminar novos valores e comportamentos. Estes criarão massa-crítica e durabilidade para o processo. Não somente os líderes, mas também aqueles que se arriscam a ser os “primeiros seguidores” – que mostram aos outros que vale a pena tentar.

Pensar de forma sistêmica e sustentável – a formação de novos hábitos toma tempo. É uma maratona, não um sprint de cem metros. Não há bala de prata – deve-se aplicar várias alavancas em conjunto e à longo-prazo. Fazer mais e falar menos – ações sempre vão “falar” mais alto que palavras ou slogans.

No meu percurso como coach executivo tive algumas das minhas maiores lições no campo da mudança, e um de meus professores de coaching dizia: somos aquilo que praticamos.

E quanto mais praticamos, com persistência, mais disponíveis ficam as novas habilidades, conhecimentos ou comportamentos – e mais possível fica a mudança.

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