Opinião de Mariana Canto e Castro, Randstad Portugal: O que realmente importa

É altura de questionarmos, irmos fundo e compreendermos o que realmente importa; num momento em que a ética e os valores estão virados ao contrário e em que a inteligência artificial ganha terreno (e bem!) em tantas áreas, aquilo que nos diferencia tem de ser muito genuíno.

 

Por Mariana Canto e Castro, directora de Recursos Humanos da Randstad Portugal

 

Trabalho há mais de três décadas e, pela minha formação base e áreas de actuação, estive sempre, mais directa ou indirectamente, relacionada com… pessoas. Foram sempre a “matéria-prima” do meu trabalho. E creio que todos sabemos que são o melhor e o pior, o mais fascinante e o mais desafiante, o que proporciona maior recompensa ou causa maior frustração. Sem meio-termo. Se calhar por isso, tudo o que as rodeia é tão deslumbrante.

Empresas são formadas por pessoas, negócios são feitos por pessoas, quem negoceia ou representa clientes, fornecedores, todo e qualquer stakeholder são… pessoas. Quem as compreende bem, de forma completa, integrada e holística, quem as escuta activamente, quem se dá ao trabalho de compreender o seu ponto de vista, tem um potencial de sucesso, de bons resultados e de alcançar os seus objectivos, muito superior aos demais.

Diz a sabedoria popular que “de médico e de louco, todos temos um pouco” e bem sabemos que somos um país, uma sociedade de “treinadores de bancada”; por isso, em todos e cada um de nós reside um gestor de Recursos Humanos, um psicólogo, um terapeuta, um jurista… Mas as coisas não são assim tão fáceis e não só estes pseudo entendidos pouco ou nada entendem de facto, como a sua falta de autenticidade sente-se e detecta-se à distância.

Para não mencionar o potencial de estrago que causa quando a sua actividade intefere de facto nestas áreas de gestão. Aqui há tempos participava numa conversa em que informalmente se debatia a actuação do actual presidente dos EUA e as diversas medidas e políticas que tem vindo a definir, e inevitavelmente foi abordada a temática do seu ataque destrutivo e implacável a todos os temas relacionados com ética, sustentabilidade, equidade, diversidade e inclusão. Daqui passámos para o impacto (económico, financeiro e cultural) que esse posicionamento poderá vir a ter na sociedade e nas empresas, assim como os estragos que terá na motivação, na lealdade e no compromisso dos trabalhadores, que, de um momento para o outro, vêem o seu ambiente sociocorporativo abandonar conceitos e princípios que até aí defendia com convicção.

Estávamos nós nesta fase da conversa quando alguém comenta: “Bem, agora as empresas poderão dedicar-se ao que realmente importa!” Interessante ficar a saber que ainda existe quem pense que estes temas são “verbos de encher”, matérias descartáveis que, na verdade, nada importam.

Interessante seria também saber se pessoas destas sempre foram assim tão transparentes nas suas opiniões quanto a estes temas, ou se, enquanto os mesmos foram transversalmente uma tendência assumida, os defendiam. E na sua génese e autenticidade, qual é de verdade o posicionamento destas pessoas? E como é que as pessoas com quem trabalham as percepcionam? E que impacto tem isso nelas? Na sua motivação? Na pegada que deixam nas empresas, na sociedade, no mundo?

É altura de questionarmos, irmos fundo e compreendermos o que realmente importa; num momento em que a ética e os valores estão virados ao contrário e em que a inteligência artificial ganha terreno (e bem!) em tantas áreas, aquilo que nos diferencia tem de ser muito genuíno.

Não porque traga valor financeiro, porque é moda ou porque marca uma posição, seja esta trendy ou contracorrente (que não deixa de ser também, trendy); mas porque é aquilo que nos liga: às pessoas com quem trabalhamos, à nossa família e a toda a sociedade.

Cada um de nós é apenas um só: não existe uma versão pessoal, uma versão familiar, uma versão amigos e uma versão profissional. Aquilo que somos, a nossa essência, traduz-se e manifesta-se em tudo aquilo que fazemos.

O que realmente importa é a nossa Humanidade.

 

Este artigo foi publicado na edição de Maio (nº. 173) da Human Resources, nas bancas.

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