Os custos da má gestão dos riscos associados à (falta) de saúde mental. E como agir preventivamente

A pandemia de COVID-19 tornou aguda a consciência sobre a necessidade de mudança na forma como a saúde mental é gerida (ou não) nas empresas, em especial, pelo aumento expressivo nos problemas psicológicos como depressão, ansiedade, abuso de substâncias e stress, que são comuns e afectam as pessoas, as suas famílias e colegas de trabalho. Quando não geridos de forma adequada, têm um impacto negativo no negócio, devido ao aumento do absentismo, à perda da produtividade e aos custos elevados de sinistralidade.

 

Para Ana Carolina Peuker, CEO e fundadora da Bee Touch, embora o tema pareça ameaçador, cada vez mais os gestores devem conhecer em profundidade os dados de saúde mental. Através deste conhecimento, é possível obter ganhos tanto na qualidade de vida dos colaboradores, quanto financeiros.

A melhoria do diagnóstico garante a alocação assertiva de recursos (tempo, dinheiro e pessoas), além da melhoria do cuidado e percepção da sua continuidade pelo colaborador. Apesar disso, ainda existem inúmeros desafios do ponto de vista de acesso e qualificação do diagnóstico no ambiente empresarial. De forma comum, estes problemas são tratados reactivamente, repercutindo em desperdício de recursos. Os problemas de saúde mental são multicausais e resultam de uma interação complexa entre factores biológicos, psicológicos, sociais e ambientais.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) refere que a organização, o conteúdo e o contexto de trabalho desempenham um papel central no desenvolvimento de problemas psicológicos no local de trabalho. Os principais factores de risco incluem: carga de trabalho (excessivo e insuficiente); falta de participação e autonomia no local de trabalho; tarefas monótonas ou desagradáveis; ambiguidade ou conflito de papéis; falta de reconhecimento no trabalho; iniquidade; relações interpessoais más; más condições de trabalho; liderança e comunicação deficientes e demandas casa/trabalho conflituantes.

A má gestão dos riscos psicossociais prejudica tanto os colaboradores quanto a empresa. Isso impacta em custos mais altos em termos de saúde e segurança dos trabalhadores, para a empresa e para a sociedade em geral. Os custos relativos aos riscos psicossociais para as organizações podem ser muitos e variados e surgem directa ou indirectamente como: maior absentísmo e rotatividade; custos com substituição de pessoal, acidentes de trabalho e doenças ocupacionais; queda da produtividade (falta de motivação entre funcionários, conflitos, etc.); má qualidade de produtos ou serviços; prejuízo na imagem da empresa. Já as consequências dos riscos psicossociais para o trabalhador podem repercutir-se em sintomas emocionais, comportamentais e/ou físicos, como strese, distúrbios do sono, abuso de álcool e outras drogas, dor nas costas, enxaqueca, depressão, conflitos, Burnout, assédio, suicídio, entre outros.

Quando tais riscos são geridos de forma preventiva, cria-se vantagem competitiva, ganhos nos fluxos e processos, colocando as organizações num patamar de qualidade e produtividade mais elevado. Assim, líderes de RH e gestores de saúde que utilizam os dados de forma analítica, detêm uma decisão mais assertiva e custo efectivo. Esta abordagem está alinhada com uma perspectiva de “cuidado primário” em saúde mental. Na qual é possível obter uma visão holística e estratégica do cenário de saúde, identificar e priorizar problemas reais através da análise de dados e aplicação de técnicas de inteligência de dados, como machine learning, para gerir a saúde mental de forma custo-efetiva.

As estratégias de gestão de saúde mental devem envolver um trabalho multidisciplinar, integrando diferente áreas da organização. Além disso, deve incluir um diagnóstico metodologicamente adequado, bem como a capacitação dos colaboradores para o autocuidado, o treino de líderes sobre o tema e acções sistémicas e contínuas para melhoria do ambiente de trabalho. Também é necessário abranger a implementação de políticas de saúde mental e medidas para auxiliar o colaborador na prevenção e gestão do stress no ambiente de trabalho, como, por exemplo, através da oferta de atendimento psicológico, com intervenções baseadas em dados.

Para a implantação de um ambiente de trabalho “psicologicamente seguro”, é importante que sejam respeitadas algumas etapas, entre elas: 1. Diagnóstico; 2. Planeamento; 3. Implementação e 4. Avaliação sistemática.

Com base em dados obtidos na primeira etapa, podem ser definidas acções direccionadas para as necessidades identificadas. Já a etapa de avaliação, requer a análise de indicadores de processo e resultado, na qual se discutem as lições aprendidas e são planeadas estratégias de melhoria contínua. Assim, é possível criar uma série de recomendações padronizadas, baseadas em evidências, para todos os níveis de cuidado relativos aos problemas de saúde mental no trabalho.

Os resultados esperados de intervenções de cuidado primário em saúde mental incluem o aumento da sensibilização e conhecimento sobre o tema, redução do estigma, adopção de condutas preventivas de autocuidado, implementação de políticas e benefícios. Em conjunto, esses resultados repercutem em ganhos tanto para a empresa quanto para os colaboradores.

Embora muitas “soluções tecnológicas” sejam divulgadas como benefícios de saúde mental, devemos lembrar que a jornada de cada colaborador em direção ao autocuidado mental é singular e deve ser tratada como tal. Para terem sucesso, essas iniciativas devem ser personalizadas, desenvolvidas a partir de um correcto “mapeamento” de necessidades populacional. Através do diagnóstico preciso, é possível entregar aos colaboradores experiências de acordo com suas reais demandas.

O mercado é bastante conservador quanto à saúde. Contudo, vivemos um momento de intensa transformação digital, catalisado pela pandemia da COVID-19, no qual as empresas que desejam obter um diferencial competitivo, devem realizar um uso mais inteligente de TI, que abrange maior utilização de ferramentas como Big Data e Cloud Computing. O receio dos gestores de arcar com altos custos deve ser superado. Há uma grande oportunidade de melhoria na gestão de saúde empresarial. Os gestores de RH que incluírem no seu “radar” a atenção primária à saúde mental e agregarem tecnologia para optimizar esse processo trarão vantagem competitiva ao negócio, além de oferecerem um ambiente “psicologicamente seguro” aos seus colaboradores.

 

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