Os direitos fundamentais dos trabalhadores na Era digital
Foi entregue no Parlamento uma Carta de Direitos Fundamentais na Era Digital, que pretende dar resposta a um conjunto de direitos resultantes dos actuais desafios colocados pela utilização da internet e das tecnologias de informação, no mundo do trabalho. O “direito a desligar” e a preservação da intimidade são alguns deles.
Por Ricardo Lourenço da Silva, associado da Antas da Cunha ECIJA
Os trabalhadores vão poder desligar o telemóvel e o computador fora do horário laboral? Não é possível, à presente data, oferecer uma resposta afirmativa à questão porquanto esta proposta vai começar a ser votada, na especialidade, juntamente com outras alterações às leis laborais.
De todo o modo, é pelo menos isso que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista (de ora em diante designado abreviadamente por “PS”) pretende, com um Projecto-lei que já deu entrada no Parlamento, e que havia sido discutido, em plenário, em Outubro de 2017, quando o PS, o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista, o CDS, e o PAN fizeram propostas para garantirem aos trabalhadores o direito a desligarem os seus telemóveis e computadores.
Como resulta do referido Projecto-lei, o objectivo é que os trabalhadores tenham direito à desconexão e, complementarmente, fora do horário de trabalho, a um período de descanso e lazer pleno sem perturbações “digitais” de forma a permitir uma adequada (e necessária) conciliação da vida profissional com a vida familiar, preservando, assim, a intimidade da vida privada.
Para o efeito, foi entregue, no dia 17 de Maio, no Parlamento, pelo PS, o Projecto-lei n.º 1217/XIII, que consiste numa Carta de Direitos Fundamentais na Era Digital que pretende dar resposta a um conjunto de direitos resultantes dos actuais desafios colocados pela utilização da internet e das tecnologias de informação (Industria 4.0).
A referida Carta de Direitos Fundamentais apresenta, ao longo de catorze páginas, mais de 20 vinte medidas que pretendem abranger a possibilidade de desligar os dispositivos digitais fora do horário de trabalho, o direito ao esquecimento, a neutralidade na internet, a literacia digital, a cibersegurança, a intimidade no local de trabalho (isto é, desde logo, o impedimento de acesso livre e não justificado pela entidade patronal ao correio electrónico profissional dos seus trabalhadores) e a protecção contra geolocalização abusiva. O Projecto-lei abrange ainda outras áreas como o direito à privacidade digital, ao bom uso da inteligência artificial e de robôs, o direito de resposta e de retificação.
No seguimento do acima referido, um dos interessantes artigos constantes deste Projecto-Lei é precisamente o direito dos trabalhadores – tanto no sector público como privado – a não terem o seu correio electrónico de trabalho monitorizado e vigiado pela entidade patronal, com excepção de situações “muito específicas e limitadas”.
Em concreto, propõe-se que o acesso da entidade patronal ao correio electrónico dos trabalhadores só possa acontecer no caso de existirem “sérios indícios” de prática de infracção disciplinar, devendo limitar-se à visualização dos endereços dos destinatários, o assunto, a data e hora do envio.
Outra relevante novidade é a possibilidade dada ao trabalhador de assinalar a existência de mensagens de natureza privada que não pretende que sejam lidas pela entidade empregadora, caso ainda não tenha tido a oportunidade de as eliminar ou arquivar em pasta própria.
Para além disso, ainda se prevê que a conta de correio electrónico que foi atribuída a determinado trabalhador seja eliminada assim que este cesse funções, mas apenas depois de serem retiradas do arquivo digital as mensagens de cariz pessoal.
Complementarmente, o PS propõe ainda que empresas ou outras entidades patronais, incluindo aqui também o Estado, devem ter um regulamento interno sobre como utilizar meios de comunicação como o endereço electrónico, que deve ser aprovado após audição com os representantes dos trabalhadores, publicitado e notificado à Autoridade para as Condições do Trabalho.
Outro dos direitos previstos neste Projecto-lei é o dos trabalhadores poderem desligar os dispositivos digitais fora do horário de trabalho, de modo a garantir, de forma plena, o direito ao descanso e ao lazer e, assim sendo, a conciliação da actividade profissional com a vida familiar.
Não obstante o referido, é de destacar que esta questão chegou a ser discutida em 2017, mas não incluía uma relevante ressalva prática (fundamental, diríamos até, para a necessária coordenação das dinâmicas empresariais) que surge agora neste Projecto-Lei. Concretizando, admite-se agora, diferentemente do que acontecia em 2017, uma excepção à regra acima tratada, que possibilita à entidade patronal contactar o trabalhador fora do horário de trabalho “em casos de urgência de força maior ou no quadro de relações profissionais de confiança pessoal”.
Complementarmente, e no seguimento do anteriormente identificado, o Projecto-Lei pretende ainda oferecer tratamento à matéria da privacidade dos trabalhadores. Daqui resulta que a utilização de captação de imagens à distância no local de trabalho é permitida apenas para detectar situações ou acontecimentos que, de forma acidental, ponham em causa a segurança de pessoas e bens, não podendo ter a finalidade de controlar o desempenho profissional. Quanto à possibilidade de captação de sons, só poderá ter lugar em situações de risco para a segurança de instalações, pessoas e bens, e com respeito pelos princípios da adequação e proporcionalidade.
Define, igualmente, que todos têm o direito à protecção contra a geolocalização não consentida, só podendo a mesma ter lugar nos casos legalmente previstos nos domínios da segurança, defesa e investigação criminal. Adicionalmente, e no que diz respeito à informação recolhida usando a geolocalização, a proposta determina que os metadados respeitantes a pessoas obtidos através dos meios de geolocalização não podem ser tratados, designadamente com recurso à inteligência artificial, fora dos limites previstos na legislação em vigor sobre proteção de dados pessoais.
O Projecto-Lei determina ainda o direito ao esquecimento, o qual consagra o direito de todos a requerer e obter a eliminação da lista de resultados obtidos num motor de pesquisa, das referências que lhe digam respeito e sejam inexactas ou desatuaclizadas.
São ainda garantidos os direitos de resposta e de retificação nas plataformas digitais, como Facebook, Google ou Youtube, aplicando-se as mesmas regras que aos serviços de comunicação social audiovisual, obrigando-se adicionalmente incluir na peça original uma hiperligação para o conteúdo da rectificação enviada.