Os hotéis estão vazios, mas o Grupo Vila Galé respondeu com um novo serviço. Gonçalo Rebelo de Almeida conta como está a gerir a crise actual

RE(TALK)

No universo da hotelaria, no espaço de duas semanas, a actividade parou a 100%. Foi o que aconteceu no Grupo Vila Galé e, como é compreensível, teve que recorrer ao lay-off. Mas não ficaram por aqui. Arregaçaram as mangas e criaram um novo serviço. Também na Randstad a crise potenciou a inovação, originando o lançamento de novas ferramentas.

 

Realizou-se ontem, em directo, a quinta re(talk), uma iniciativa da Randstad em parceria com a Human Resources. O tema foi “Novas ideias no meio da tempestade” e os protagonistas Gonçalo Rebelo de Almeida, administrador do Grupo Vila Galé, e Bernardo Bello, product manager na área de Digital e Inovação da Randstad Portugal, numa conversa moderada por Ana Leonor Martins, directora de Redacção da Human Resources.

Perante a pandemia COVID-19 e consequente implementação de Estado de Emergência, o sector do Turismo – um dos pilares da economia nacional – foi um dos mais afectados, com a hotelaria a enfrentar desafios sem precedentes. Importa perceber que resposta dar quando o produto ou serviço se esvazia e de que forma se concretizam as novas ideias que nascem com o intuito de reinventar o negócio. E, pelo meio, de que forma devem as empresas adaptar as suas equipas e colaboradores a estes novos e ainda tão estranhos tempos.

Gonçalo Rebelo de Almeida não tem dúvidas de que a situação que agora vivemos, e o ano de 2020, vai ficar para a história e na memória de todos. «Em 32 anos de actividade do Grupo Vila Galé e nos meus 24 anos de profissão, nunca imaginei um cenário como aquele pelo qual estamos a passar. Somos uma empresa muito segura, muito calculista e habituada a traçar cenários complicados, já tivemos que enfrentar crises difíceis, mas nunca nos passou pela cabeça uma situação destas, com um cenário em que, de um momento para o outro, sem nada o fazer prever, a actividade pára por completo.»

Esta é uma situação transversal a todos os sectores, pois não há nenhum que, de uma forma ou de outra, não tenha sido afectado, mas, no universo da hotelaria, no espaço de duas semanas, a actividade parou a 100%. «A nossa operação envolve unidades em Portugal e no Brasil, conta com cerca de 3500 colaboradores e tínhamos prevista a abertura de dois hotéis, um em Março e outro em Abril, estando também a preparar o arranque da época alta e de todas as campanhas para o Verão», partilha Gonçalo Rebelo de Almeida.

Com todas as equipas muito envolvidas na actividade, o grupo viu-se de repente confrontado com esta realidade.  «Acompanhávamos tudo o que se passava na Ásia e depois, com Itália, começámos a perceber a aproximação ao nosso País, mas nunca pensámos que fosse uma situação tão drástica», admite o administrador. Entre o fim de Fevereiro e o início de Março, as decisões tomadas foram alteradas numa base quase diária. Porque, se numa primeira fase houve a necessidade de mudar a operação dos hotéis através da adaptação de algumas medidas, como a segurança e o reforço de limpeza, o passo seguinte foi assistir ao esvaziamento total das unidades. Os clientes cancelaram todas as reservas, não entraram reservas novas e de repente temos os hotéis completamente vazios.»

Neste momento, o grupo mantem quatro unidades a funcionar: Porto, Lisboa, Coimbra e Évora, que  têm servido para responder à necessidade de dar apoio aos profissionais de saúde. «Cerca de 40 médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde que precisavam de estar afastados das famílias ou mais próximos dos hospitais foram colocados nestes hotéis, sendo ainda hoje essa a principal função destas unidades.»

Comparando com crises anteriores, o Gonçalo Rebelo de Almeida afirma existir uma diferença fundamental: «É completamente diferente ver um cenário em que a facturação cai 20 ou 30% e ver outro em que a facturação cai 100%, o que se tem revelado um grande desafio.»

Ao contrário de muitas empresas, o teletrabalho não é aqui uma opção, ou pelo menos não para a esmagadora maioria dos colaboradores. «Nos hotéis que encerraram não tivemos outra solução se não suspender os contratos de trabalho recorrendo ao lay-off, pois são muitas pessoas, e era impossível manter os seus salários estando a actividade suspensa. A prioridade foi não dispensar nenhum colaborador», afirma. O grupo mantém em teletrabalho os escritórios centrais e corporativos que trabalham para a organização, um universo de cerca de 80 colaboradores. Para Gonçalo Rebelo de Almeida «este foi um bom teste, pois o sistema de teletrabalho tem estado a funcionar bem».

 

O digital e a inovação na resposta à crise

Perante uma situação que veio colocar tantos e novos desafios às empresas, o digital e a inovação assumem importância reforçada. Na Randstad, as prioridades passaram por auxiliar os clientes, tanto em situações de lay-off como de recrutamento de mais pessoas, pois as duas situações acabam por coexistir na realidade actual. «Numa primeira fase, passou por suportar os colaboradores que viram os seus contratos de trabalhos suspensos, e de conseguir, através da adaptação dos nossos sistemas, garantir que os nossos consultores conseguiam aceder rapidamente a estas pessoas e recolocá-las no mercado de trabalho», conta Bernardo Bello, sublinhando o objectivo de garantir que esta crise de saúde pública não se torne numa crise financeira sem precedentes.

Em Outsourcing, a Randstad tem neste momento mais de seis mil pessoas a trabalhar em teletrabalho em áreas cruciais como a energia e as telecomunicações. «Nesse âmbito, conseguimos implementar uma ferramenta apelidada de mobility, que nos permite rapidamente perceber quem é que precisa de ajuda ou de apoio.»

Desde há cerca de três anos que a Randstad tem vindo a insistir na inovação, o que veio a culminar no recente lançamento de um kit digital adaptado aos desafios do momento actual, como o recrutamento e selecção, o desenvolvimento de competências e o on boarding virtural em foco, mas passando também pela preparação do futuro. «Integra mais de 10 ferramentas», explica Bernardo Bello.

O product manager faz notar que pretendem perceber como se vai comportar o mercado de trabalho no pós pandemia, e têm disponibilizado dados aos clientes. Em termos de produtos tecnológicos, destaca uma transversalidade nos desafios relacionados com o recrutamento, on boarding e formação. «Temos empresas no sector da logistica ou do retalho que tiveram de recrutar, e é importante que tenham os mecanismos certos para proceder à triagem de um volume muito grande de candidatos, muitos deles sem experiência nas áreas. Há empresas que neste momento estão a repensar os seus processos de formação e, num formato mais de e-learning, estão a dar formação às pessoas, «num catálogo de cursos disponibilizados pela Randstad», exemplifica.

Esta realidade transmite a ideia, correcta, de que as empresas estão a procurar ser mais digitais. «Havia objectivos propostos para o ano que vem que já foram atingidos numa semana, isto é bem o exemplo da rápida digitalização pela qual estão a passar as empresas actualmente.»

 

Reinventar o negócio Vs novas competências

No Grupo Vila Galé, antes até da digitalização, foi a inovação que surgiu quase como uma necessidade para dar resposta a este desafio, através da implementação do serviço de take away. «Tinhamos apenas serviço de take away nas pizzarias Massa Fina, marca que está implementada em algumas das nossas unidades», esclarece Gonçalo Rebelo de Almeida. «O que fizemos foi ir mais além, olhámos para a realidade das unidades encerradas e percebemos que tínhamos capacidade e meios disponíveis para fazer outro tipo de negócio, que continuava a fazer sentido na nossa actividade.» O take away foi a opção que se apresentou como mais simples e imediata, tendo o processo ficado operacional em poucos dias. «Agora importa dinamizar – sublinha. Vamos começar a trabalhar em cima deste conceito de take away, lançando mais novidades, como servir refeições congeladas e embaladas em vácuo ou fazer nós próprios entregas a casa do cliente.»

As novas soluções trazem quase sempre a necessidade de adaptação das equipas, mas, no caso do Grupo Vila Galé, e numa primeira fase, não se verificou, pois o grupo possuía todas as competências internamente, nomeadamente na cozinha. No que diz respeito aos processos de entrega e de gestão de encomendas já exige algumas competências novas às quais o grupo está a tentar dar resposta, estando ainda em fase de análise de através de parcerias ou adquirindo o próprio grupo essas competências.

«Os resultados têm sido tão bons que pensamos já colocar mais artigos neste sistema de venda de produtos Vila Galé ao consumidor final, tudo o que habitualmente já temos, seja alimentos ou almofadas», exemplifica o administrador, reconhecendo no entanto que precisam de um pouco mais de tempo para perceber a melhor forma de operacionalizar.

 

No caso da Randstad, a adequação de competências foi bastante pacifica, pois a organização já estava habituada a estar em teletrabalho, ou seja, o core da empresa não mudou. «Assistimos agora a uma junção de várias competências e grupos de trabalho a serem formados», refere Bernardo Bello. «Há uma troca e partilha de competências, o que tem sido muito gratificante.» Para o especialista, o sentido de missão e de propósito é muito grande e, apesar de separados os colaboradores estão, efectivamente, mais próximos. «Mesmo em teletrabalho, o contexto do que estamos a viver faz com que estejamos todos muito mais unidos.»

 

E a gestão de pessoas?

Mas, no meio disto tudo, como se gere a ansiedade dos colaboradores, especialmente dos que estão em casa sem trabalhar? No caso da Vila Galé foi dada prioridade ao desenvolvimento de algumas capacidades digitais, que, estando já nos planos do grupo, até à data não eram primordiais, «nomeadamente a reorganização de um novo portal focado no colaborador com tudo o que possa interessar, desde noticias a formação. Pretendemos assim manter as nossas pessoas mais próximas da organização», afirma Gonçalo Rebelo de Almeida.

Mantendo um quadro de colaboradores estável e bastante próximo, o responsável admite que existe alguma ansiedade. «Muitas das mensagens que recebemos expressam o desejo de voltar ao trabalho, pelo que tentamos manter a proximidade através, por exemplo, da criação de grupos no whatsapp ou de uma simples chamada telefónica, para perceber se está tudo bem ou se o colaborador precisa de alguma coisa.»

O administrador do Grupo Vila Galé admite que o regresso vai ser difícil, sendo que estão já a em duas vertentes: «uma de negócios adicionais que queremos lançar, e outra de perceber como é que os hotéis vão reabrir, porque as unidades não vão abrir exactamente da mesma forma.Vão ter de existir adaptações no serviço e no produto, bem como o recurso à utilização mais frequente de soluções digitais. Tudo o que potencie a aglomeração de pessoas e que não promova o distanciamento social vai ser algo que os hotéis vão ter efectivamente de trabalhar, principalmente nas áreas comuns», alerta.

O retorno à normalidade será feito de uma forma gradual, sendo que nada garante que não tenhamos uma segunda vaga desta epidemia. Assim, Bernardo Bello concorda: «Para preservar a saúde de todos importa desde logo ter a capacidade de gerir equipas de forma virtual, garantindo sempre a motivação, o engagement e a produtividade dos colaboradores. Numa posterior fase de retoma, é preciso possuir todas as ferramentas que garantam o recrutamento, a selecção, o on boarding e a formação, de forma eficaz.»

 

Sobre eventuais lições ou aprendizagens, Gonçalo Rebelo de Almeida afirma: «Gosto de olhar para as coisas de um ponto de vista positivo, pelo que, perante esta situação que vivemos, destaco que nos obrigou a sair da nossa zona de conforto. E quando isso acontece, voltamos a ser mais audazes e mais criativos à procura de novas soluções».

(re)Veja aqui na íntegra:

Texto: Sandra M. Pinto

Ler Mais