Para além dos novos modelos de trabalho: Fidelidade, Vila Galé, Tabaqueira e Sociedade Central de Cervejas partilham os principais desafios e prioridades

Da atracção à retenção de talento, ligada à escassez de alguns perfis e à maior volatilidade do mercado de trabalho, passando pela necessidade de novas competências, de promovera uma comunicação mais eficaz e transparente e promover o engagement, num contexto com um novo paradigma do trabalho, vários são os temas na agenda dos líderes, para lá de se saber quantos dias é para trabalhar onde e quem decide. Foi isso que se debateu no Crossfire da XXII Conferência Human Resources, que contou com a participação Joana Queiroz Ribeiro, directora de Pessoas e Organização da Fidelidade, Gonçalo Rebelo de Almeida, administrador do Grupo Vila Galé, Margarida Cardoso, directora de People & Culture da Tabaqueira, e Marta Pinto, directora de Recursos Humanos da Sociedade Central de Cervejas e Bebidas. A moderação esteve a cargo de Clara Trindade, chief HR experience officer da L’oréal, e Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources Portugal.

Por Paulo Mendonça

 

Actuando num sector que foi dos mais afectados pela pandemia, e que atravessava um momento particularmente dinâmico, Gonçalo Rebelo de Almeida começou por fazer notar que, apesar da ideia que existe actualmente de recuperação do turismo, este sector perdeu 70% das receitas na comparação do ano 2020 com 2019 e, este ano, mantém-se entre 55 a 60% abaixo dos valores registados antes da pandemia. Quando se deu o primeiro confinamento, em 2020, «as pessoas tiveram de ir forçadamente para casa» porque todo o sector ficou impedido de actuar. E, ao contrário do que acontecia noutros sectores, em que parte das funções podiam ser executadas em trabalho remoto, no do turismo os colaboradores foram enviados para casa sem qualquer trabalho.

O administrador do Grupo Vila Galé partilhou que «o principal desafio foi o regresso, agora, de todos estes colaboradores. O segundo confinamento foi muito extenso e as pessoas não tinham trabalho para fazer. A capacidade da empresa manter a ligação foi ainda mais desafiante. Foram criadas novas áreas de negócio sem grande expressão, fizemos imensa formação à distância e fomos lançando desafios criativos com o principal objectivo de manter as pessoas ocupadas. Isto, porque apenas 3% das nossas pessoas poderiam ser enquadradas de forma remota».

Neste momento, o grande desafio, explica, é trazer as pessoas de volta e retormar o ritmo, num sector com uma lotação que, hoje em dia, é muito volátil. A escassez de pessoas disponíveis para trabalhar no sector é outros dos desafios referidos pelo administrador do Grupo Vila Galé.

Num contexto completamente diferente, a Tabaqueira não foi muito afectada pela pandemia, de acordo com Margarida Cardoso. No entanto, já em 2019, a Tabaqueira «estava num processo de transformação muito profundo, com a comunicação da nova visão de um futuro sem fumo e com a entrada numa categoria de produtos e processos de negócio sobre os quais não tínhamos conhecimento interno. Passámos a ter lojas próprias de retalho directo, questões relacionadas com logística, o facto de termos um equipamento electrónico, ou seja, entrámos em dimensões que não conhecíamos». Em termos de atracção, isto provocou uma grande pressão, disse. «Precisámos de rapidamente trazer conhecimento e competências para o interior da empresa que ainda não existiam.»

A responsável salientou que “a maior proposta de valor é o nosso propósito, mas é também assumirmos que enquanto as pessoas estiverem connosco, terão um conjunto de experiências e competências que são válidas para o mundo do trabalho de hoje e de amanhã». Afirmou ainda que «é importante assumir que vamos ter muito mais volatilidade no mercado de trabalho e que o turnover faz parte da nossa realidade, mas que enquanto as pessoas estiverem connosco, têm uma proposta de valor clara».

Por outro lado, e questionada sobre se os candidatos têm agora maior poder do que as empresas na “negociação”, Joana Queiroz Ribeiro defendeu que as pessoas ganharam outro poder para tomar decisão sobre a sua vida, porque o mercado de trabalho deixou de ser apenas Portugal e passou a ser o mundo, com um leque enorme de oportunidades. No entanto, isto traz um problema, considera a directora de Pessoas e Organização da Fidelidade: «as empresas portuguesas não conseguem competir com os salários que os outros países praticam. Enquanto os nossos governantes não fizerem um trabalho de fundo e exaustivo para baixar as cargas fiscais do trabalho e criar atractividade para os jovens que procuram o primeiro emprego, as empresas vão ficar com este desafio enorme. Isto implica um esforço imediato, para a Fidelidade, de trabalhar num processo de reskilling e upskilling das nossas pessoas; e há um segundo ponto, que é o de sermos muito mais flexíveis.»

Joana Queiroz Ribeiro acrescenta que é preciso que as empresas «pratiquem, de facto, equidade, e isso implica que funções que precisam de competências diferentes não tenham o mesmo valor no mercado e, por isso, tenham de ser pagas de maneira diferente. Claramente, isso implicará uma comunicação com muita transparência».

Marta Pinto, por seu lado, associou directamente as pessoas ao negócio, através da máxima praticada na Sociedade Central de Cervejas e Bebidas e no Grupo Heineken de “No Business Plan without People Plan”. Este é um “mantra” que existe na organização desde antes da pandemia e refere «uma estratégia de People no Board com a mesma relevância que tem uma estratégia de Marketing, Comercial ou de Operações».

A directora de Recursos Humanos da SCC  explicou que, com a pandemia, «o plano local foi galvanizado e passou a ter uma dimensão global. Em 2019 tivemos um novo CEO, e com ele, uma nova estratégia. Assim, a lógica de “No Business Plan without People Plan” manteve-se, mas com uma curva bastante acelerada».

Do ponto de visto global e local, o Grupo Heineken tem uma visão muito clara do que pretende atingir até 2025. «Ainda ontem lançámos o People Purpose and Values, da Heineken, já com a visão sobre o novo mundo». Em Portugal, as prioridades para a área de People & Culture são a liderança transformacional e as capabilities. Destacam-se ainda, de forma conjugada, as áreas de inclusão e diversidade, well-being e propósito e valores.

 

Novas lideranças e estratégias de atracção

No que diz respeito às novas formas de liderar, motivadas pelas mudanças que ocorreram no mundo nos últimos meses, Joana Queiroz Ribeiro admite que os líderes ainda não estão preparados «porque ninguém está preparado para lidar com aquilo que não conhece». Mas reforça a importância de que estejam, desde já a preparar-se e a fazer o exercício da mudança. A directora de Pessoas e Organização da Fidelidade defendeu que «a questão está em saber como vai ser o trabalho. O que se tem de entregar e pedir são resultados e não tarefas. E isso implica que sejamos capazes de criar culturas de muitas responsabilização e confiança. Isto, para termos pessoas e equipas autónomas que tomam decisões, são rápidas a responder e entregam ao mercado com muita agilidade. O trabalho dos líderes é facilitar o processo, e serem exemplos, inspiradores e empáticos.»

Outro ponto a ter em conta neste novo mundo do trabalho é a capacidade de atrair pessoas de diferentes sectores. Gonçalo Rebelo de Almeida reconheceu que este é um grande desafio devido à imagem que o sector do turismo tem de «horas de trabalho a mais, não ter fins de semana e salários baixos. É preciso desmistificar uma série de estigmas à volta deste sector». Neste sentido, admitiu que funções operacionais que hoje têm pouca oferta de colaboradores poderão ter de ser melhor pagas seguindo a lei da oferta e da procura, ao mesmo tempo que outras funções, com candidatos em abundância no mercado, poderão ser desvalorizadas.

Por outro lado, o administrador do Grupo Vila Galé  enunciou várias vantagens do sector do turimo para trabalhar: «temos uma flexibilidade de horário na contratação, diversidade geográfica (no nosso grupo uma pessoa que viva no Algarve pode mudar para o Alentejo, Porto ou mesmo Brasil) e ainda férias de oferta nos hotéis Vila Galé, extensíveis às famílias». Por outro lado, «poucos outros sectores conseguem que a função desempenhada tenha um impacto directo na vida dos clientes, e que o objectivo de cada colaborador seja fazer os clientes mais felizes, naquele dia». Outra vantagem é a flexibilidade operacional.

Vários outros temas relacionados com o mundo do trabalho eram muito falados, como factores de atracção de talento, antes da pandemia, como a diversidade e sustentabilidade, por exemplo. Gonçalo Rebelo de Almeida garantiu que estes temas sempre estiveram na agenda do Grupo Vila Galé, e que a diversidade faz parte da própria essência do sector. O que existem são fine tunnings a nível de gestão que fazem a diferença.

Já Marta Pinho considera que «estes temas têm de ser intencionais à agenda do negócio. Não é por estar na moda falar de algumas coisas que temos de as ter na agenda. Trata-se de olhar para o contexto da empresa, onde é que estamos bem e queremos mal, onde queremos de investir e onde queremos fazer disrupção. Penso que estamos bem posicionados em termos de processos, governance e comunicação. Na parte da diversidade e inclusão no recrutamento, por exemplo, é mais importante criar o awereness sobre a paridade, por exemplo. O processo poderá demorar mais, a short list será diversificada». Concluiu que estes temas não deixaram de ter relevância, mas têm de ser contextualizados na maturidade da empresa.

Qundo questionados sobre se as pessoas estão de facto ao centro na preocupação das empresas e dos líderes, a resposta foi unânime: se não está, vai ter que estar. Porque não há outro caminho.

 

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