
Paulo Barradas Rebelo, Bluepharma: «Uma boa pessoa será, com o tempo, um bom profissional. Uma má pessoa, dificilmente.»
Em 2001, a Bayer decidiu vender a sua fábrica em Coimbra. Paulo Barradas Rebelo, atento, arriscou e comprou as instalações. Nascia então a Bluepharma. Hoje, o grupo conta com 20 empresas e mais de 700 colaboradores, exportando 89% da sua produção para mais de 40 países. O CEO recorda que foi uma mistura de responsabilidade e de empreendedorismo que o fez acreditar ser possível. O sonho de criança, de «ser um empregador», cumpriu-se.
Por Tânia Reis
Foi um acidente de moto, aos 14 anos, que definiu que Paulo Barradas enveredasse por Farmácia e não Medicina, mas já com a ideia de criar um negócio. E foi na farmácia que geriu durante oito anos, em Pedrógão Grande, que aprendeu e sentiu as dificuldades que as pessoas tinham para adquirir os seus medicamentos, e que o fez dar o passo para apostar na indústria. Os desafios foram (e continuam a ser) muitos, mas as oportunidades também. Continuar a empregar mais profissionais, a investir num mundo cada vez mais incerto, e acreditar que os medicamentos fazem a diferença na sociedade são alguns deles. Até porque está convicto de que o sector farmacêutico ainda tem muito para evoluir e inovar.
No espaço de 20 anos, a Bluepharma cresceu de uma unidade industrial com 58 pessoas para um grupo farmacêutico com 20 empresas e mais de 700 colaboradores. Olhando para o passado, alguma vez pensou que este seria o caminho?
Pensei que este era o caminho, a visão que tinha do sector estava, felizmente, correcta, mas não pensei que chegaríamos onde chegámos em termos de dimensão. Vivíamos num país endividado, onde era difícil adquirir medicamentos na farmácia, onde o Estado atrasava os pagamentos às farmácias e estava cada vez mais dependente da importação de medicamentos. O País não produzia em quantidades aceitáveis.
As instalações da Bayer, onde faziam a Aspirina, eram óptimas e estavam à venda. Íamos ter o know-how das pessoas, o saber fazer medicamentos e em condições de grande qualidade. E apostámos no mercado da razão. As pessoas precisam de medicamentos, mas isso pode ser feito de forma mais económica e com várias vertentes positivas para o País, nomeadamente o equilíbrio da despesa pública, as exportações, o empregar mão-de-obra qualificada, o ter parcerias com as universidades e centros de investigação.
Portugal precisava de trabalhar. E eu, como farmacêutico, achava que esta era uma via mais do que óptima para desenvolver o País, a cidade e nós próprios.
Foi mais olho para o negócio ou experiência acumulada?
Acho que foi um bocadinho de ambos. Foi a experiência de quem estava muito atento ao mercado, muito preocupado com a evolução do País, com os doentes portugueses, com a dificuldade de aquisição de um bem essencial que é o medicamento. Tive uma componente de responsabilidade grande e de empreendedorismo de acreditar que era possível, através desta unidade, lançar um projecto de base nacional que chegasse aos quatro cantos do mundo. Hoje, exportamos para mais de 40 países e estamos nos cinco continentes. Tem sido um trajecto muito interessante.
Que desafios enfrentou na altura?
Muitos, todos os dias. Tivemos o desafio de explicar às pessoas qual o nosso propósito como empresa. O da inovação, de não ter medicamentos para vender. Produzimos medicamentos para a Bayer durante três anos, esses estavam vendidos, mas os nossos ainda não existiam, portanto tivemos de criar laboratórios de investigação e desenvolvimento, ter cientistas a trabalhar connosco, dar formação às pessoas, e criar produto para vender.
Outro desafio foi a internacionalização. A fábrica da Bayer estava preparada para grandes quantidades de medicamentos e só conseguiríamos desenvolver-nos se tivéssemos a capacidade de dar-nos a conhecer lá fora.
Que principais marcos destaca no percurso da Bluepharma?
O primeiro foi a decisão de passar da farmácia de oficina para uma área industrial. Ao fim de um ano, criámos a Bluepharma genéricos, para termos a nossa própria marca. Outro foi criar o primeiro laboratório de investigação e desenvolvimento ao fim de dois anos.
A certificação pela FDA [Food and Drug Administration], a autoridade mais exigente do mundo, em 2009, também foi um passo muito importante.
Durante anos, fomos a única empresa em Portugal certificada para produzir cápsulas e comprimidos para o mercado norte-americano. A nova unidade de medicamentos de alta potência foi também um momento-chave, e a forma como fomos avançando de país em país, sempre com critérios de qualidade e elevada exigência. Diria que estes são os principais milestones.
O mais recente tem a ver com os injectáveis complexos. Fomos sempre muito irrequietos e sentimos que tínhamos de nos diferenciar e crescer em áreas complexas. A dificuldade foi sempre o mote, porque significava menos concorrência. Avançámos para os injectáveis complexos e, através do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], desenvolvemos um consórcio de 10 entidades. Estamos neste momento a criar um laboratório de investigação e desenvolvimento, um centro de transposição de escala. Estamos a lançar a corda para mais tarde virmos a ter uma fábrica de injectáveis complexos, que hoje não temos. Somos especialistas em cápsulas e comprimidos e, no futuro, vamos também ter este este grau de especialização.
Que desafios identifica actualmente?
O desafio é continuar a ter a coragem de empregar, cada vez mais. De continuar a investir num mercado e num mundo cada vez mais incerto, continuar a acreditar que os medicamentos que fazemos são importantes para a sociedade. Os ESG [Environmental, Social and Governance] também são um desafio que temos estado a trabalhar diariamente desde 2001, para ter a empresa preparada para responder às exigências ambientais, sociais e de governança.
Estão presentes nos cinco continentes. Como é que um grupo farmacêutico de Coimbra consegue manter-se competitivo e atractivo, sem desvirtuar os seus valores e a sua missão?
Portugal é um excelente país para investir porque tem alguma estabilidade e tem conhecimento. As cidades próximas das universidades têm essa vantagem. Hoje, as multinacionais de todos os sectores vêm atrás do talento. Coimbra posiciona-se bem, temos várias faculdades nas áreas das Ciências da Vida e dos maiores hospitais do País. A Bayer empregava 58 pessoas, e hoje empregamos já mais de 700.
Gostamos de fazer acontecer o que dizemos que vamos fazer, e habituámos os nossos clientes a esta credibilidade do “dizer e fazer acontecer”.
A sua entrada no mundo dos negócios começou cedo. Era um sonho de criança?
Sonhava ser um empregador e trabalhar por conta própria. Via-me muito no negócio, mas achava que ia ser cada vez mais difícil, logo, tinha de ser um negócio que tivesse por trás uma especialização, conhecimento, uma universidade. Tirei Farmácia já com a ideia de um dia poder ter laboratórios, fazer análises clínicas, porque farmácia só podia ter uma. Na altura, a legislação não me permitia ter mais do que uma, e isso não me não me aliciava muito. Gostei imenso de trabalhar em farmácia de oficina. É uma área hoje fundamental para o sistema de saúde e aprendi muito. Foi lá que criei o conceito que deu origem à Bluepharma, que senti as dificuldades de que falava no início, do Estado a pagar tarde, das pessoas com dificuldade de adquirirem os seus medicamentos, e foi isso que me estimulou a dar o passo para a indústria.
Leia a entrevista na íntegra na edição de Abril (nº. 172) da Human Resources, nas bancas.
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