PLMJ: Ajustar a lei ao mercado de trabalho real
Dois anos de pandemia terão chegado para expor ainda mais os desajustes entre a lei laboral e a realidade do trabalho nas empresas.
Em entrevista à Human Resources Portugal, Nuno Ferreira Morgado, sócio co-coordenador da área de Laboral da PLMJ, levanta diversas questões que convidam a pensar na forma como a lei laboral pode estar a dificultar a vida não só às empresas, mas também aos seus colaboradores e jovens que tentam, hoje com maiores obstáculos, aceder ao mercado de trabalho. Neste sentido, é diagnosticada a necessidade de um quadro legal mais conhecedor da realidade laboral das empresas, mais ajustado ao modelo de trabalho dos dias de hoje e que melhor proteja os interesses dos trabalhadores, sem comprometer a agilidade das empresas.
Na sequência de dois anos de pandemia com muitas alterações ao funcionamento das empresas, quais as áreas em que estas estão a solicitar mais apoio legal?
Distinguiríamos duas tendências, uma claramente em reacção aos impactos da pandemia na actividade económica, outra mais resultante de uma vaga de fundo que já se vinha afirmando no pré-pandemia mas que acabou por acelerar no contexto dos apoios à economia por parte da Europa e que em Portugal foram contextualizados no Plano de Recuperação e Resiliência. Começando pela primeira tendência, a área Laboral e temas relacionados com o reequilíbrio de contratos – reforçada agora com a guerra na Ucrânia e respectivo impacto nos preços das matérias-primas – têm estado muito activas, bem como a área de M&A, com a fragilidade do tecido económico a abrir oportunidades de consolidação. Destacaríamos também as Reestruturações e Insolvências. Falando de tendências de fundo, a área de Energia e TMT, com o acelerar da ambição em matéria de sustentabilidade e fundos europeus destinados ao sector, têm estado muito activas. Temos estado igualmente a dar muito apoio aos nossos clientes nos temas das políticas de cibersegurança.
Qual a reacção das empresas a mudanças disruptivas nas relações laborais, como por exemplo a proibição de contacto fora do horário de trabalho ou as leis relacionadas com o teletrabalho?
As empresas vivem hoje num ambiente legislativo, mas também comercial, muito exigente. Estamos a trabalhar com os nossos clientes para desenvolver programas de smart compliance que asseguram um equilíbrio entre o cumprimento da lei e a manutenção de relações laborais tão ágeis e flexíveis quanto possível. Dito isto, há um desequilíbrio relevante na legislação laboral francamente penalizador de relações laborais saudáveis. A agenda do trabalho digno irá agravar esse quadro.
Em termos gerais os processos de lay-off nos últimos dois anos foram bem executados?
Não se pode dizer que foram bem executados. Em primeiro lugar, porque a nossa legislação laboral não está pensada, nem sequer parcialmente, para momentos de crise económica e empresarial. Os mecanismos que estão previstos na lei para responder à crise empresarial são morosos, complexos, burocráticos e privilegiam a destruição de emprego. Em segundo lugar porque, perante este quadro e dada a crise aguda gerada pela COVID- 19, houve necessidade de legislar rápido e o resultado foi francamente mau, a que se somaram as orientações estatais incoerentes e casuísticas. O resultado final no plano técnico é, por isso, muito negativo. No plano prático, acabou por não correr mal.
Quais as áreas em que a lei laboral portuguesa precisa de actualização face aos novos tempos?
A lei laboral portuguesa assenta num modelo de trabalho que hoje simplesmente não existe. A realidade das relações laborais nas empresas está francamente à frente da lei e isso diz muito sobre a sua utilidade. A lei laboral existe essencialmente para proteger os trabalhadores e essa sua missão não pode desaparecer. No entanto, há um equilíbrio que se deve manter para proteger a iniciativa económica que, em última análise, é o que gera os empregos. Essa falta de equilíbrio traduz-se em aspectos como mobilidade funcional, tempos de trabalho e cessação de contrato de trabalho, entre outros. Finalmente, há uma falta de clareza que perpassa na lei que constitui um enorme problema para a segurança jurídica na sua aplicabilidade.
Questões como a rigidez em relação à cessação dos contratos a termo e aos horários de trabalho, por exemplo, ainda fazem sentido na maioria das empresas?
Há vários aspectos de melhoria a introduzir na lei laboral, a começar pela clareza do texto e pelo equilíbrio nas relações contratuais. A cessação do contrato de trabalho e os tempos de trabalho são temas que também merecem uma reforma, mas é necessário que haja uma discussão profunda destes temas.
Considera que os acontecimentos dos últimos dois anos, nomeadamente aspectos como o teletrabalho, contribuíram para dificultar as relações laborais?
A maior dificuldade que resulta das alterações legislativas referidas está relacionada, uma vez mais, com a falta de clareza que resulta das mesmas, a qual não protege nem os trabalhadores nem as empresas.
A lei portuguesa estava preparada para lidar com a flexibilidade que a pandemia exigiu? E as alterações feitas entretanto são suficientes?
Parece-nos claro que, atenta a profusão de diplomas avulsos e quantidade de alterações que os mesmos registaram revelam bem a falta de preparação que a lei portuguesa revela para lidar com uma situação de crise aguda. As intervenções sobre o texto da lei laboral não abordaram nenhuma das insuficiências que a crise COVID-19 expôs, excepto talvez o regime de teletrabalho e o direito à desconexão, mas uma vez mais, o texto das alterações revela-se pouco claro e gerador de grande insegurança jurídica na sua aplicação.
A lei laboral portuguesa protege preferencialmente o trabalhador. Esta é a abordagem certa ou considera que seria necessário um maior equilíbrio?
A lei laboral existe essencialmente para proteger os trabalhadores e essa sua missão não pode, nem faz sentido, que mude. No entanto, há um equilíbrio que se perdeu. Essa falta de equilíbrio, paradoxalmente, não beneficia nenhuma das partes na relação laboral. A lei laboral é e será tanto mais protectora de emprego conquanto consiga repor esse equilíbrio.
Do ponto de vista da atracção de talento, considera que a lei em Portugal facilita ou dificulta a capacidade das empresas em contratar os melhores talentos?
A lei laboral portuguesa não é, patentemente, amiga dos trabalhadores mais jovens, cuja taxa de desemprego é superior às demais faixas etárias, cuja precariedade laboral é muito maior e cujos salários são francamente mais baixos. Isto resulta do facto de a opção da lei ser impedir – salvo numa última ratio – a cessação do contrato de trabalho. O risco de contratar é tão grande que os mais novos têm enormes dificuldades no acesso ao mercado de trabalho. O risco de possibilitar uma carreira efectiva aos mais novos é financeiramente tão elevado que a única solução é mantê-los num limbo laboral até que os colaboradores mais antigos saiam. Nesse sentido é uma lei que não favorece o recrutamento de jovens talentos.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Advogados” publicado na edição de Junho (n.º 138) da Human Resources.
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