Podem as empresas controlar o trabalho remoto? De forma limitada, mas há comportamentos abusivos e ilegais

A pandemia COVID-19 fez disparar o número de profissionais a trabalhar a partir de casa. Mas, será que as empresas podem controlar o teletrabalho? O site Ekonomista esclarece.

 

Para muitas empresas, saber se o trabalhador cumpre o horário de trabalho implica o recurso a ferramentas desadequadas e intrusivas.

Alguns dos programas utilizados pelas empresas para controlar o teletrabalho têm uma capacidade quase ilimitada. Permitem o acesso ao computador do trabalhador e controlam tudo, sem excepção, os dados pessoais, as fotografias, as teclas usadas e a respetiva velocidade, tiram screen shots sucessivos do ecrã.

De acordo com a publicação, ainda mais grave é o facto de isso ser feito de forma oculta, sem conhecimento do trabalhador, o que é, mais do que proibido, abusivo e ilegal. O controlo do teletrabalho deve limitar-se ao estritamente necessário.

Vida privada
O uso de ferramentas tecnológicas para controlo do trabalho a distância coloca em causa a privacidade do colaborador, um direito básico.

De acordo com os artigos 20º e 21º do Código de Trabalho, sobre os Direitos de Personalidade, não é permitido o controlo do desempenho profissional do trabalhador. É considerada a proibição da videovigilância, geolocalização e radiofrequência, no domicílio.

Tratando-se de um contrato de trabalho subordinado, é permitido controlo por parte da entidade empregadora, sem por em causa a privacidade das pessoas, apenas no que se refere a horários e objectivos.

Objectivos e horários
Ao empregador é permitido fixar objectivos e registar horários. Para o efeito, pode criar obrigações de reporte com a periodicidade que entenda ajustada, por escrito ou em reuniões por teleconferência, previamente agendadas no meio que se considere mais adequado.

Segundo a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) o registo dos tempos de teletrabalho por parte das empresas é uma necessidade aceitável pela lei, podendo, para tal, recorrer a soluções tecnológicas específicas.

A entidade patronal pode, assim, fazer um registo idêntico daquele que já era feito em contexto de empresa, como o início e o fim da actividade, assim como a pausa para almoço. Da mesma forma que poderá utilizar uma ferramenta de registo ou partilha de conteúdos, actividades ou informações referentes aos objectivos determinados para as funções.

Contudo, qualquer registo deve ser feito com recurso a programas que respeitem a privacidade do trabalhador.

Software ou similar
Caso a empresa não tenha nenhuma ferramenta para o devido registo e controlo da actividade do colaborador, nos limites acima referidos, pode usar outros meios para o efeito, nomeadamente o envio obrigatório de email, de SMS, mensagem no chat ou mesmo um telefonema, por exemplo, que permita, para além de controlar a disponibilidade do trabalhador e os períodos de trabalho, demonstrar que não foram ultrapassados os tempos máximos permitidos por lei.

Há uma certa tendência, de parte a parte, para “esticar” o tempo no regime de teletrabalho. Porém, o horário laboral deve ser respeitado, da mesma forma que no regime presencial.

 

A Comissão Nacional de Protecção de Dados emitiu um conjunto de orientações que enquadram algumas das principais questões que têm sido levantadas por empresas e trabalhadores, sobretudo relacionadas com o controlo, quer dos tempos de trabalho, quer da actividade laboral prestada em regime de teletrabalho.

No âmbito do Direito, especialistas consideram importante que as comissões de higiene e segurança possam fazer visitas à casa do teletrabalhador para confirmar que a sua privacidade está salvaguardada, que tem condições ergonómicas de trabalho, que tem um horário definido que é cumprido e que está em igualdade de condições e direitos com os outros trabalhadores que exercem funções nas instalações da empresa, nomeadamente o direito ao subsídio de refeição.

A visita domiciliária é uma das medidas previstas na lei, inscrita no artigo 170º do Código do Trabalho, que enquadra a privacidade em regime de trabalho remoto. No entanto, também esta tem limites. As visitas podem ocorrer sem pré-aviso, mas nunca fora do horário laboral.

Para além disso, devem ser definidas as compensações pelo uso de um espaço doméstico, de computador e outros instrumentos próprios, consumo de água e energia, seguro de acidentes de trabalho. Situações que, durante o confinamento, não foram tidas em conta. Os custos ficaram, em grande parte dos casos, por conta dos trabalhadores.

No que respeita a alterações às normas constantes no Código do Trabalho, que considera o teletrabalho uma forma “atípica, residual e marginal”, as opiniões dividem-se. Porém, exclui-se a possibilidade, nestes casos, de isenção de horário, sob pena de o trabalhador não “desligar”.

Por isso, há quem defenda a eliminação do artigo 218º do Código do Trabalho, que estabelece essa possibilidade.

Para protecção do trabalhador, é importante que todas as condições sejam definidas num documento escrito. É igualmente necessário que os trabalhadores que desempenham as suas funções a partir de casa não se desliguem da empresa e mantenham relações com as chefias e com os colegas, em especial aqueles que assumem funções sindicais.

 

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