Por detrás do Nariz Vermelho: profissionalização e paixão de mãos dadas

Com quase duas décadas de existência, a Operação Nariz Vermelho assume como missão levar alegria às crianças hospitalizadas. Para isso, conta com voluntários, mas sobretudo com profissionais especializados, em que a paixão pela causa é a competência que faz a diferença.

 

Por Sandra M. Pinto

 

A Operação Nariz Vermelho nasceu do sonho de Beatriz Quintella, a sua fundadora, de levar sorrisos e alegria às crianças que se encontram hospitalizadas, longe das suas casas e famílias, daquilo que consideram o seu espaço natural. «A inspiração da Beatriz surgiu após ler um artigo sobre o trabalho dos Doutores Palhaços que visitavam crianças hospitalizadas nos EUA», recorda Rosária Jorge, directora-executiva da instituição.

Na altura, ainda não havia nada semelhante em Portugal, o que levou Beatriz Quintella a dirigir-se ao Hospital D. Estefânia para propor implementar a mesma ideia: levar a sua personagem, uma Doutora Palhaça, a Doutora da Graça, até junto das crianças, para as «ajudar a perder o medo e a ansiedade que tantas vezes as “batas brancas” destes profissionais inspiram. Durante os primeiros oito anos, a Beatriz trabalhou sozinha, como voluntária, mas, à medida que o projecto se foi expandindo a outras pediatrias, tornou-se necessário aumentar a equipa», conta Rosária Jorge. Assim, em Setembro de 2001, convidou dois amigos, a Bárbara e o Mark, para se juntarem a ela e, «graças a uma contribuição generosa da GlaxoSmithKline», o projecto assumiu um carácter profissional, estabelecendo-se nos hospitais de Santa Maria, D. Estefânia e no Instituto Português de Oncologia, em Lisboa.

Hoje, a missão da Operação Nariz Vermelho é levar alegria às crianças hospitalizadas através das visitas dos Doutores Palhaços, sendo que para tal conta com 32 Doutores Palhaços a trabalhar semanalmente em 17 hospitais públicos de todo o País.

Nos “bastidores”, actualmente, a Operação Nariz Vermelho conta com 16 colaboradores que «trabalham ininterruptamente para assegurar que se consegue, ano após ano, angariar os fundos necessários para poder oferecer este trabalho aos hospitais que a organização visita regularmente», pois, como faz notar a responsável, não têm apoios do Estado.

«A Operação Nariz Vermelho vive de donativos, pelo que é vital ter uma equipa que trabalha as áreas da comunicação, dos eventos, das redes sociais, da angariação de fundos junto de particulares e de empresas, da nossa loja online e que sensibiliza a sociedade civil para inúmeras formas de apoio possíveis, como por exemplo, a Consignação do IRS, uma das principais fontes de angariação de fundos da associação e que não custa nada, literalmente, ao contribuinte. Todos os anos, o orçamento é construído do zero, uma vez que não há apoios garantidos de um ano para o outro», faz notar.

 

Excelência e compromisso
Questionada sobre se os colaboradores são voluntários ou profissionais pagos, Rosária Jorge esclarece que todo o trabalho central da Operação Nariz Vermelho, orientado para a missão da organização, é feito por profissionais pagos. «Contamos com voluntários apenas para projectos ou eventos pontuais.»

Já o trabalho nos hospitais, que é o centro da missão da Operação Nariz Vermelho, devido à sua especificidade, regularidade (visitas semanais) e à própria natureza do trabalho (visita a mais de 100 serviços, alguns com grande necessidade de grande adaptação, como quando as crianças estão isoladas, por exemplo), só pode ser feito com «artistas profissionais, com grande experiência e formação no trabalho de palhaço de hospital. É um trabalho que requer competências muito específicas, uma formação intensa, e que necessita de uma regularidade que, em geral, não se coaduna com o trabalho voluntário», explica a directora-executiva.

A Operação Nariz Vermelho tem-se pautado pela «busca constante de excelência no trabalho» e também pela construção de uma relação e compromisso forte para com os hospitais que visita. «Cada hospital é visitado por uma dupla fixa de Doutores Palhaços que vai desenvolvendo um relacionamento estreito com os profissionais de saúde, de modo a ter um conhecimento profundo do funcionamento de cada instituição, e que trabalha na busca da excelência do trabalho artístico», afirma Rosária Jorge. Relativamente ao back-office, «a profissionalização dos colaboradores é certamente um investimento e é a forma mais eficiente de cumprir a missão», defende. Mais, «a profissionalização ajuda, seguramente, o terceiro sector no aumento da exigência de resultados para assegurar uma maior eficiência no cumprimento da missão, para a qual cada instituição do terceiro sector se propõe trabalhar».

Dado que é uma associação que se «financia junto da comunidade, não contando com nenhum subsídio estatal, e que responde à comunidade, tem a obrigação de gerir os fundos que recolhe de forma eficiente e transparente». É por isso que Rosária Jorge defende que o terceiro sector se deve profissionalizar «ganhando eficiência, conquistando a confiança da comunidade e assegurando a melhor forma de cumprir a sua missão. A profissionalização é uma exigência para a sobrevivência e o caminho para o desenvolvimento destas organizações, pois maior profissionalismo gera maior eficiência, maior confiança e, consequentemente, maior sustentabilidade financeira», acredita.

 

Gestão de Pessoas numa IPSS
A Gestão de Pessoas numa IPSS – Instituição Particular de Solidariedade Social apresenta algumas especificidades, e a directora-executiva da Operação Nariz Vermelho admite que, «embora já se tenha palmilhado algum caminho na profissionalização do terceiro sector, não atingimos ainda a disponibilidade  para compensações salariais ao nível dos outros sectores».

Para Rosária Jorge, um dos maiores desafios é conseguir construir uma equipa profissional e competente, com budgets menores. «Temos de encontrar, ao nível da Gestão de Pessoas, um equilíbrio entre a exigência da qualidade de trabalho e o atingir de resultados, que não deve ser menor do que em qualquer outra organização. Acredito numa grande autonomia e responsabilização, permitindo um equilíbrio entre vida pessoal e profissional que, na maioria das organizações dos outros sectores, ainda não se atingiu.»

Numa organização como a Operação Nariz Vermelho é importante investir em formação, pois, como reforça a responsável, «só com formação e exposição a novas formas de trabalho e novas ideias se consegue verdadeiramente uma equipa profissional e competente».

Tem-se assistido a uma grande expansão das organizações do terceiro sector, sendo consensual a sua importância para a economia mundial. O sucesso destas organizações, «depende, seguramente, da profissionalização da equipa», reitera Rosária Jorge. «Como em qualquer outra organização orientada para resultados, os mecanismos internos são muito importantes. É fundamental ter uma política de Recursos Humanos bem definida, que clarifique o organigrama, a descrição de funções, as relações hierárquicas e a política salarial, que assegure equidade interna e externa, o sistema de avaliação de desempenho e o plano de desenvolvimento e formação.»

É também importante criar fóruns de partilha e troca de ideias, bem como um sistema de controlo de gestão e de prestação de contas. «Na verdade, não muda nada em relação a qualquer outra organização bem gerida, pois sem transparência e prestação de contas, muito dificilmente se ganha credibilidade», afirma.

 

O factor que faz a diferença
Apesar da importância da profissionalização, não se pode menosprezar a paixão pelas causas sociais, pois «é ela que faz toda a diferença. Ajuda a que os colaboradores estejam motivados e unidos em torno de uma causa, ajuda a que a comunidade nos conheça melhor, confie em nós e participe na nossa causa», sublinha a directora-executiva da associação de apoio à criança. «Ajuda a dar sentido a tudo aquilo que fazemos e ao sentimento de que podemos e, sobretudo, querermos ir sempre mais longe.»

Depois de quase duas décadas de existência, Rosária Jorge reconhece que são muitos e diários os desafio que se colocam à Operação Nariz Vermelho. «Diria que o grande desafio é começar cada ano do zero, sem ter nada garantido e tendo um compromisso assumido com cada hospital que visitamos. Quando começamos o programa de visita a um hospital, assumimos o compromisso moral de assegurar a continuidade das nossas visitas e não queremos falhar.»

Cada “abertura de um hospital novo”, é uma festa, uma conquista, mas também é mais uma responsabilidade que assumem. «Não tendo subsídios estatais, o nosso budget começa do zero no dia 1 de Janeiro de cada ano, e todos os euros têm de ser conquistados», reforça. «Até hoje, temos conseguido assumir todos os nossos compromissos e já estamos em 17 hospitais, sendo que queremos mais.»

 

Este artigo foi publicado na edição de Agosto (nº. 116) da Human Resources.

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