Por que amamos os líderes narcisistas (para mal dos nossos pecados)

Como conseguem os narcisistas subir tão depressa nas organizações e o que os torna tão cativantes? Há cinco padrões de comportamento que ajudam a identificá-los.

 

Por Margarita Mayo, doutora em Psicologia e Gestão e professora de Liderança na IE Business School (IE University).

 

Não há dúvida de que os serviços de streaming estão a fazer o melhor que podem para saciar a sede do público por histórias de líderes de culto e empresários que “deram para o torto”. Temos os exemplos de “WeCrashed”, da Apple TV, em torno de Adam e Rebekah Neumann da WeWork; de “Super Pumped”, da Showtime, cuja primeira temporada se centra em Travis Kalanick da Uber; e do documentário da Netflix, “Fyre Island: O Grande Evento que Nunca Aconteceu”, que acompanha Billy McFarland até à ilha de Pablo Escobar, nas Bahamas. Desde que “Dropout” estreou na Hulu, Amanda Seyfried ganhou um Emmy, e Elizabeth Holmes, fundadora da Theranos e protagonista da minissérie, recebeu uma pena de prisão efectiva.

Holmes usou o seu carisma e promessas (vãs) para conquistar e impor a sua técnica revolucionária de análises sanguíneas a investidores, funcionários, médicos e doentes. Houve quem a aclamasse como a nova Steve Jobs, uma jovem cheia de genica, que deixou Stanford para perseguir o sonho americano e se tornar uma empresária bem-sucedida a seu custo. Um bonito sonho, sim senhora. Líderes como Elizabeth Holmes parecem envoltos numa aura de êxito, apesar de as tendências narcisistas destruírem não só empresas, mas também as vidas dos envolvidos.

Talvez seja só uma questão de tempo até termos uma minissérie intitulada “SBF”, acerca da ascensão e queda de Sam Bankman-Fried, que precipitou a FTX de um pico de 32 mil milhões de dólares para a bancarrota e está agora a ser investigado por apropriação ilegítima de fundos dos clientes. Bankman-Fried declarou que a riqueza tão incrível da FTX foi gerada com o intuito de maximizar o montante a doar para fins de caridade ao longo da sua vida. São intenções à Robi dos Bosques e atitudes de altruísmo efectivo como estas que tantas vezes servem para camuflar condutas dolosas.

Em termos mais simples, estamos a passar por tempos narcisistas (muito em particular, nos Estados Unidos) e, infelizmente, em vez de termos os líderes humildes como fonte de inspiração, deixamo-nos seduzir pelo ego e a fanfarronice. Como humanos, somos ávidos de super-heróis, e esse desejo torna-nos vulneráveis ao esplendor que os líderes narcisistas emanam. Os narcisistas têm-se em conta superior, com um sentido exacerbado da sua própria importância, uma ambição desmedida e toda uma série de fantasias assentes no seu suposto êxito e poder. São manipuladores especializados, com tendência para esbater a fronteira entre a verdade e a mentira, e sentem pouca empatia pelos outros.

Segundo a American Psychiatric Association, as características destrutivas de um líder narcisista estão escondidas sob uma camada de aparente carisma e falsa simpatia. A sua auto-imagem excepcionalmente cuidada torna-os atraentes e dignos de admiração, apesar de tudo não passar de uma fachada que usam para se aproveitar das suas vítimas.

Tendemos a apaixonar-nos pelos líderes que menos nos convêm. De acordo com Paola Rovell, da Universidade Livre de Bozen-Bolzano, e Camilla Curnis, da Universidade Politécnica de Milão, as pessoas altamente narcisistas chegam a CEO mais depressa do que as demais com as mesmas qualificações. No seu estudo, as duas investigadoras concluíram que os executivos com altos níveis de narcisismo subiam 29% mais depressa nas organizações do que os outros profissionais com competências semelhantes.

O narcisismo faz parte da “tríade sombria”, juntamente com a psicopatia e o maquiavelismo, três características de personalidade que são mais prevalecentes nos cargos executivos de topo do que na população geral.

Como conseguem os narcisistas subir tão depressa nas organizações? Tem muito que ver com a forma como os outros os vêem. As situações de crise, por exemplo, tendem a tornar-nos mais vulneráveis à sedução da imagem imponente que o narcisista projecta, fazendo-nos mais facilmente acreditar nele quando afirma poder salvar-nos.

É aqui que está o paradoxo. Tendemos a apaixonar-nos pelos líderes que menos nos convêm, a escolher líderes que promovem soluções fáceis para os problemas actuais, mas que são arriscadas a longo prazo. Colectivamente, agarramo-nos a uma imagem heróica dos líderes como indivíduos cheios de confiança e dotados de poderes extraordinários, criando um pedestal que atrai os narcisistas. Primeiro, ganham confiança usando a simpatia e o carisma; assim que a vítima (um indivíduo ou grupo) morde o isco emocionalmente, pedem-lhe lealdade (incluindo dinheiro) e largam-no se não colaborar.

Este tipo de logro é muito difícil de identificar de início, porque, em geral, são pessoas muito bem-sucedidas e altamente herméticas que se esforçam muito por criar uma boa imagem pública delas mesmas.

Então, como podemos identificar um narcisista? O líder narcisista apresenta cinco padrões de comportamento:

1. Auto-engrandecimento
Os narcisistas são movidos pelo ego e projectam uma imagem desproporcional de si próprios. Na sua imagem de êxito, Holmes incluía jactos privados, compras avultadas e restaurantes e hotéis de luxo. Vestia-se como o seu ídolo, Steve Jobs, e apresentava-se ao público rodeada de pessoas altamente poderosas. Como já é bem conhecido, chegou mesmo a mudar de tom de voz para um tom mais imponente e convincente. Tudo não passava de uma actuação para ganhar a confiança de médicos, investidores, doentes e jornalistas, pessoas como Henry Kissinger e os membros da família Walton, mas funcionou: Holmes tanto seduziu e deslumbrou que conseguiu um total de 700 milhões de dólares.

 

2. Falta de empatia
A primeira impressão que os narcisistas passam é de encanto e, de facto, são encantadores… inicialmente. O problema é a falta de empatia e inteligência emocional, que os impede de manter relações duradouras com os outros. Constroem relações instrumentais com o único intuito de avançar na corrida para alcançar os seus objectivos.

Mais uma vez, Holmes dá-nos um exemplo típico na forma como despedia os funcionários sem razão aparente, e até agressivamente. Depois de despedir um dos seus principais engenheiros, terá dito: «Não quero saber. Podemos mudar o pessoal a torto e a direito. O que importa é a empresa.» Belo mote para uma administração.

 

3. Visão “extra-ordinária”
Os narcisistas lideram frequentemente com uma visão que, em muitos casos, se afasta muito da realidade. Holmes chamou ao seu dispositivo “Edison”, convencida de que o seu produto era «a coisa mais importante que a humanidade já construiu». Neumann afirmou ao The New York Times que, «ao encorajar desconhecidos a vir partilhar uma cerveja no escritório […], a WeWork pode curar a nossa sociedade fracturada». São pessoas que têm noções de êxito idealistas… e bastante irrealistas.

As empresas tendem a recompensar esta abordagem com mais poder, dinheiro e admiração. O problema, claro está, é que até o líder narcisista sobrestima as suas capacidades (eles também caem na esparrela!). A certa altura, já estão tão voltados para si próprios que nem reconhecem o talento dos outros e, portanto, não usam adequadamente a equipa para colmatar a lacuna entre a visão e a execução. Os seus planos ambiciosos acabam muitas vezes por não se concretizar.

 

4. Duas facetas: simpática e sombria
Um dos traços distintivos do narcisista é ter duas facetas. A que cultivam com todo o cuidado, que é atraente, atenta, divertida e inteligente. Infelizmente, táctica premeditada ao mais alto nível, esta faceta é utilizada nas primeiras fases de uma relação (pessoal ou profissional) para ganhar a confiança e a parceria dos outros. Mas há sempre um momento em que os narcisistas mudam radicalmente de comportamento e discurso, por exemplo, após conseguirem obter a compra, o dinheiro, a informação, os contactos, etc. É então que deixam cair a máscara, revelando a outra faceta distante, insensível e até agressiva.

 

5. Uma comunicação feita de mentiras
Os narcisistas estão sempre a fazer promessas que não podem cumprir ou simplesmente não tencionam cumprir. As mentiras vão das pequenas e irrelevantes à manipulação de dados. Por se acharem acima dos outros, têm mais probabilidades de enganar e transgredir as normas sociais. Além de terem padrões éticos mais baixos, estudos recentes indicam que os líderes com personalidades narcisistas põem em risco as próprias organizações que dirigem com o seu comportamento contraproducente.

Com efeito, o narcisista assume o título de líder, mas não age como tal. A atracção que sentem pelo cargo é a mesma que sentimos por eles a desempenhá-lo. Uma vez que o resultado é destrutivo para os indivíduos, as equipas e as organizações, temos de ter mais cuidado na escolha dos nossos líderes.

Devemos avaliar as conquistas individuais, o desempenho e crescimento das equipas nas candidaturas para os cargos de administração de topo e não uma promessa de futuro. Os líderes narcisistas tendem a ficar com os louros pelos êxitos dos outros e a culpar os outros pelos seus fracassos, por isso têm alguma facilidade em desenvolver uma reputação profissional que lhes impulsione a carreira. Para evitar que tal aconteça, as organizações devem instituir um sistema de apreciação e recompensa que ponha a humildade acima da arrogância e a sensatez acima da visibilidade.

Claro que não é fácil. As empresas são feitas de pessoas, e nós, de um modo geral, tendemos a ter esperança: a esperança de criar um mundo melhor, de que as nossas empresas possam ajudar a fazer avançar a sociedade. Não é um mau sentimento, longe disso, mas temos de manter os pés bem assentes na terra e escolher líderes que também o façam.

 

Este artigo foi publicado na edição de Janeiro (nº. 145)  da Human Resources, nas bancas.

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