Portugueses de Sucesso no Mundo. Clara Trindade, L’Oréal: O espírito dos navegadores portugueses

São Paulo, Marrocos, Londres, Frankfurt, Madrid, Maputo, Luanda ou Buenos Aires. São algumas das geografias em que Clara Trindade já teve experiências profissionais. Começou com o Erasmus e, apesar de sentir que Portugal é sempre a sua casa (e tem voltado várias vezes), sente uma vontade imensa de descoberta, sendo impelida a «soltar velas e navegar”. O destino agora foi Paris.

 

Por Ana Leonor Martins

 

Clara Trindade costuma dividir a sua vida profissional em três grandes etapas: a primeira em consultoria de Recursos Humanos, no Hay Group, onde esteve uma década, tendo trabalhado em vários países e em vários continentes. Foi nessa altura que se apaixonou – palavras suas – pela área de Recursos Humanos (RH), onde aprendeu «à velocidade da luz» e teve a certeza de que era isso que a «fazia feliz». Na segunda etapa, passou para «a vida real numa empresa», e essa empresa foi a Heineken, para ajudar a criar a Heineken Brasil. Criou uma equipa, geriu pessoas em grande escala, envolvendo oito fábricas espalhadas por esse país. Mas, depois de um total de quase 10 anos no Brasil, achou que era altura de voltar às raízes. Teve uma «curta, mas importante » passagem pela InterCement (ex-Cimpor), onde durante um ano e meio foi directora de Recursos Humanos Corporativa para oito países em três continentes, mas já com base em Lisboa.

A terceira e actual etapa é a aventura L’Oréaliana, que começou em 2016, em Portugal, como directora de RH, e agora continua, em Paris, como Chief HR Experience Officer, com uma função que tem abrangência mundial, «dos EUA à China», impactando os 89 mil colaboradores da L’Oréal. É essa a experiência que nos conta.

 

Em Julho de 2021, rumou a Paris para assumir nova função na L’Oréal, a de Chief HR Experience Officer. O que mais a entusiasmou nesse desafio?
No meu percurso até agora tive várias experiências internacionais que me trouxeram muitas aprendizagens e que alavancaram de forma exponencial o meu desenvolvimento pessoal e profissional. Ir para fora é encarar toda uma nova zona de desconforto, mas que nos faz crescer enormemente. Ir com a minha família era também a possibilidade de embarcar numa aventura com os meus dois filhos e o meu marido, pois todos nos expomos a novas experiências. Consideramo-nos todos bastante aventureiros, e portanto foi uma decisão profissional, mas também uma decisão pessoal, de darmos um novo mundo à nossa família.

Já estava no plano e nos meus objectivos ir para a sede da L’Oréal, para o coração da empresa, e, depois de quase cinco anos como directora de RH da L’Oréal Portugal, era tempo de um novo desafio. Assim, o convite para ser a chief HR Experience Officer do projecto ONE HR foi irrecusável. ONE HR representa muito provavelmente a maior transformação na área de Pessoas do Grupo L’Oréal, desde sempre.

Por outro lado, tenho imenso orgulho por me juntar aos mais de 30 portugueses espalhados pela L’Oréal no mundo, o que ajuda a testemunhar a qualidade do talento nacional. Somos reconhecidamente empreendedores e comprometidos em fazer o negócio acontecer de uma forma extremamente ágil e cooperativa.

 

É um projecto novo e a sua função também…
Sim, e surge num contexto muito particular. O Grupo redefiniu recentemente a sua “People Vision 2030”. Queremos uma cultura centrada nas pessoas, uma cultura inclusiva, inovadora e inspiradora; ser uma organização verdadeiramente people centric. Queremos que os colaboradores sejam actores do seu desenvolvimento, e para isso temos de repensar os processos de RH, ao mesmo tempo que criamos uma nova experiência digital, integrada e igual para a L’Oréal no mundo. Este é o grande projecto de transformação, a que chamamos ONE HR. Trata-se também, portanto, de uma grande transformação digital.

O meu papel é trazer a voz dos países para a sede, pelo conhecimento que tenho do “terreno” em Portugal, mas também internacionalmente, e garantir que alavancamos a experiência de RH e a nossa “People Vision” no desenho dos novos processos e na nova plataforma tecnológica que estamos a implementar.

 

Qual a estratégia definida para o ONE HR?
É um projecto a cinco anos, com um roadmap de implementação de novos processos de RH e respectiva tecnologia até 2025. Em 2021, redefinimos o modelo operacional para todos os processos de RH, níveis na organização e tipos de papéis. E em termos de implementação, decidimos começar por um big bang, ou seja, por lançar algo para o mundo inteiro ao mesmo tempo, porque queríamos que a transformação fosse visível para todos desde logo.

Em Janeiro de 2022, lançámos o novo processo de gestão de desempenho e desenvolvimento, com uma nova solução tecnológica. Trabalhamos de forma agile, com squads multifuncionais compostas por experts de RH, perfis tech de RH e pessoas com experiência RH nos países, em sprints mensais. Fazemos focus groups nos países, para identificar insights, testar a nova experiência e a tecnologia.

O segredo é o que sabemos: uma liderança forte e clara, uma visão inspiradora e unificadora, muita colaboração e um ambiente de test and learn.

 

Sendo um contexto particularmente desafiante, que balanço faz destes seis meses?
O balanço é muito positivo! É a prova viva de que somos capazes de muito mais do que imaginamos, de que a agilidade portuguesa move montanhas, de que quando a família está bem, nem o céu é o limite.

 

O que é agora prioritário?
Dia 17 de Janeiro, lançámos para o mundo inteiro um novo ritual a que chamámos ”Connect”, e que vem substituir a avaliação de desempenho que tínhamos com dois momentos no ano, no formato mais tradicional como a maioria das empresas. Agora teremos um ritual de conversas “com impacto” ao longo de todo o ano, para discutir “as minhas necessidades e o que é importante para mim como colaborador, com o meu manager, mas também com outras pessoas no meu ecossistema, e que tem como objectivo alavancar o meu desenvolvimento contínuo e permitir-me estar no meu melhor”.

Este ritual será suportado por uma nova experiência de aprendizagem, que oferece actividades personalizadas de desenvolvimento e acesso uma diversidade de recursos de formação, para todos. Esta nova experiência é alavancada por uma nova tecnologia, desktop e mobile.

O foco agora está, portanto, na comunicação e na formação aos líderes, RH e aos colaboradores em geral, bem como num conjunto de actividades de change management, porque é uma mudança grande e que levará o seu tempo.

 

Quais têm sido os principais desafios?
Há muitos stakeholders para gerir, para fazer convergir. É uma organização complexa, com diferentes geografias, diferentes unidades de negócio e estruturas matriciais que se sobrepõem.

Depois, neste tipo de função, o foco é no médio e longo prazo; implica antecipar tendências e redefinir ou criar uma nova experiência de RH para o Grupo, em todo o mundo.

Não menos importante, é também um projecto de tecnologia, o que é uma área nova para mim, onde tenho de tomar decisões diariamente para garantir que avançamos na transformação digital e que esta responde às necessidades do Grupo.

Tudo isto num contexto desafiador: conhecer as pessoas essencialmente de forma remota, porque hoje se viaja muito menos, criar uma visão comum, criar confiança na equipa e garantir que estão todos a trabalhar na mesma direcção. Diria que “é um trabalho de borboleta, todos os dias, a bater asas do lado de cá, para garantir novos ventos em todo o mundo”.

A vantagem é a nossa cultura, pois no nosso ADN temos um imenso espírito empreendedor, de startup, e portanto temos muita vontade e mesmo uma capacidade imensa, de inventar e experimentar, e isso faz com que a mobilização das pessoas seja mais orgânica e leve a resultados extraordinários!

 

Como compara esses desafios com os que tinha em Portugal?
É interessante porque acho que os desafios, de certa forma, são opostos. Em Portugal, a dificuldade tinha muito a ver com a falta de escala, os recursos serem mais escassos, ao mesmo tempo que tínhamos a ambição das grandes filiais da L’Oréal. Por outro lado, a preocupação enquanto responsável de RH de um país é mais o “aqui e o agora”, é o curto prazo, é o mês e o ano em que se está.

Na sede, estamos a pensar pelo menos cinco anos à frente, temos muitos mais recursos, mas também muito mais stakeholders para gerir, temos uma cultura L’Oréal, mas a China não é igual à Europa, por exemplo. Acho que o grande desafio aqui é a simplicidade, o foco, a antecipação e, como em todo o lado, a gestão de relações, que acaba por ser um factor de sucesso universal!

 

Leia a entrevista na íntegra na edição de Março (nº.135)  da Human Resources, nas bancas.

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