Prasad Setty, Stanford Business School. «A essência da marca empregadora é a base do “contrato psicológico”»

Tal como o mundo do trabalho mudou, também as empresas têm de mudar. Para Prasad Setty – que durante 10 anos foi vice-presidente da Google – isso passa pela mentalidade da liderança (o que é feito, não apregoado). E acredita que o segredo do sucesso organizacional implica reflectir (e responder) a esta pergunta: “O recrutamento é o processo mais importante na nossa organização?”

 

Por Tânia Reis

 

Durante 15 anos fez parte da gigante tecnológica Google, 10 dos quais como vice-presidente de People and Operations e, até 2022, desempenhava o cargo de vice-presidente de Digital Work Experience, Google Workspace. Prasad Setty esteve em Cascais para uma masterclass dirigida a líderes empresariais e gestores de Recursos Humanos, organizada pela Business Retreats, mas antes, em exclusivo para a Human Resources, partilhou a sua visão sobre os actuais desafios da Gestão de Pessoas, os factores-chave na área do talento, e a importância da cultura organizacional. E deixou alguns alertas a líderes e gestores.

 

Há tempos afirmou que «as organizações que estão agarradas a modelos de trabalho antigos e estabelecidos vão deixar de ser atractivas para conquistar pessoas e profissionais talentosos que buscam significado e propósito mais profundos no trabalho que realizam». No geral, perante este novo contexto de disrupção massiva e novas formas de vivenciar o trabalho, o que precisam fazer os líderes e gestores de Recursos Humanos para atrair e manter o talento certo na empresa?
Os profissionais da nova geração desejam um relacionamento mais profundo com o seu local de trabalho. As pessoas não veem o trabalho simplesmente como uma troca económica, entre o tempo e trabalho que prestam à empresa e o salário que recebem. Hoje, as pessoas procuram um propósito, o que significa que estão ansiosos por ver uma conexão entre os seus esforços e o que beneficiam com isso.

Têm sede de aprender e de participar numa variedade de experiências que as faz crescer, pessoal e profissionalmente. Querem ser incluídos e sentir-se valorizados, não apenas pelo seu trabalho, mas como indivíduos.

Da mesma forma que as empresas procuram entender a evolução das necessidades dos seus clientes, os líderes e gestores de Recursos Humanos também precisam de entender as mudanças nas expectativas dos seus colaboradores actuais e futuros e, consequentemente, adaptar os respectivos ambientes de trabalho a essas expectativas e necessidades. Para atrair e reter grandes talentos, os líderes precisam de adoptar uma nova mentalidade. Se quiserem que as suas organizações sejam bem-sucedidas, precisam de ajudar as pessoas a ter sucesso. Se deixarem as pessoas estagnar, as empresas também estagnam!

 

Na empresa, quem é que tem o papel mais importante na atracção e fidelização de talento?
Toda a organização tem de se unir para se tornar um óptimo lugar para trabalhar. Líderes, empresários, departamentos de Recursos Humanos, directores de operações, directores-gerais, chefias e, inclusive, os colaboradores individualmente. Todos têm um papel importante a desempenhar para vencer a “guerra” pelo talento.

A distinção que eu faria é entre “accountability” – compromisso; obrigação; dever; prestação de contas; responsabilidade moral – e responsabilidade operacional. Os gestores de Pessoas e o departamento de Recursos Humanos são responsáveis por contratar, desenvolver e gerir pessoas. Porém, atrair e fidelizar talento é um dever de toda a organização.

 

Em termos muito práticos, qual é o papel da liderança neste novo contexto?
As pessoas comportam-se da maneira como vêem os seus líderes agir. Não importa o que os líderes dizem, mas sim o que os líderes fazem. Devido a esse efeito de mimetismo e em cascata, os líderes precisam de ser um exemplo de conduta, contribuindo para modelar o que esperam ver nas suas organizações em termos de valores e comportamentos.

Se os líderes desejam construir uma organização de alto desempenho, precisam de alocar tempo, recursos e atenção às pessoas e às questões organizacionais, e não delegar isso apenas nas equipas de Recursos Humanos. Eis um teste simples: olhe para as agendas dos líderes e veja quanto tempo gastam em actividades como recrutar pessoas, ouvir os seus colaboradores, ou fornecer feedback para ajudar os membros da sua equipa a melhorar. A resposta vai permitir detectar aqueles que dedicam mais tempo às suas pessoas, que gastam tempo a comunicar com elas os valores, a visão e as prioridades e metas da empresa. E depois vai compreender quais são as organizações que terão mais probabilidades de florescer e prosperar.

 

Mas, em concreto, qual a função da equipa de Recursos Humanos?
Ou seja, como deve complementar a missão dos líderes na promoção da cultura e ajudá-los nos desafios que as empresas hoje enfrentam? John Doerr, famoso no mercado de investimento e capital de risco e membro do conselho de administração da Google, falou disso de forma eficaz quando o entrevistei há alguns anos: «O departamento de Recursos Humanos tem a alma da organização nas mãos. Valorizar a sua cultura, investir nela e celebrá-la é o que permite que organizações, equipas e indivíduos façam coisas incríveis.» Acho essas palavras poéticas e inspiradoras, e espero que outros profissionais de Recursos Humanos também o façam.

 

Qual é a relevância da comunicação na atracção e fidelização de talentos, e o que deve a empresa fazer para ser mais eficaz a este nível?
A comunicação, tanto interna como externa, é incrivelmente importante. Externamente, as organizações precisam de desenvolver e nutrir pró-activamente as suas marcas enquanto empregadores. A essência da marca empregadora é a base do “contrato psicológico”, ou seja, transmite aos colaboradores aquilo que eles podem esperar do local de trabalho, podendo ter um significado mais profundo face ao que está escrito no seu contrato de trabalho, de cariz legal e formal.

Para tornar a marca empregadora durável e eficaz, é importante que as organizações partilhem uma mensagem realista de como é trabalhar lá, em vez de transmitir um discurso promocional. Uma promessa de marca aspiracional para os candidatos que não esteja enraizada na sua realidade, pode servir apenas para decepcionar as pessoas quando entram na empresa, sendo improvável que as retenha por muito tempo.

Também é muito importante investir na comunicação interna. Trabalhadores informados são trabalhadores capacitados. As pessoas valorizam a transparência e precisam de ouvir os líderes da organização de forma directa e frequente. A este respeito, um líder empresarial sénior com quem trabalhei diria: «A repetição não estraga a oração.»

Não basta partilhar a visão ou propósito, os valores e as prioridades uma única vez e assumir que todos interiorizam isso. Todos os dias, somos bombardeados com tanta informação que, para realmente prestarmos atenção, as mensagens importantes precisam de ser regularmente reforçadas e ilustradas com comportamentos condicentes.

 

A definição de cultura corporativa tem várias abordagens possíveis. Qual é a sua? Que exemplos pode partilhar que ajudem a entender o alcance que tem nas empresas?
Seth Godin, autor de diversos livros sobre Marketing, define o que significa fazer parte de uma comunidade: «pessoas como nós fazem coisas assim». Com isso em mente, vejo a cultura como as crenças, normas, linguagem e valores partilhados no dia-a-dia e que levam as pessoas da organização a fazer as coisas da maneira como fazem e a comportarem-se em moldes similares.

A cultura organizacional é uma força muito poderosa que faz as pessoas agirem e pensarem em uníssono. Ela surge, está viva e pode ser observada, mas não pode ser totalmente controlada ou mesmo mandatada. Os líderes não podem simplesmente agitar uma varinha mágica e dizer que querem transformar a cultura da sua organização. A cultura pertence à organização, não aos líderes. E pergunta-me, “então o que deve fazer o líder da organização?”. Em vez de exigir uma cultura específica, a melhor abordagem do líder é dialogar com as suas pessoas sobre algumas questões, como: “Que elementos da nossa cultura acreditamos que continuarão a ser valiosos e úteis para nós no futuro? Que elementos da nossa cultura precisamos de mudar para que tenhamos sucesso no futuro?”.

 

Vários líderes e gestores opõem-se ao teletrabalho porque acreditam que vai destruir a cultura da empresa. Qual a sua opinião sobre este tema?
A pandemia global resultou na maior experiência natural sobre quando e onde as pessoas podem trabalhar. Todos aceitaram o desafio e, habilitados pela tecnologia, vimos que as pessoas podem ser produtivas nas suas casas. Um factor-chave que ajudou a sustentar os níveis de produtividade, principalmente para os trabalhadores de determinadas funções, que exigem reflexão e produção de conhecimento, foi ter a oportunidade de fazerem um trabalho mais focado e ininterrupto em casa, em comparação com as distracções que enfrentavam no escritório.

Mas a produtividade individual não é o único resultado importante para o desempenho organizacional de longo prazo. Existem três resultados que precisamos de perceber: produtividade, bem-estar e conectividade organizacional. Trabalhar apenas em casa ou trabalhar apenas no escritório não oferece todos esses resultados.

Acredito em ambientes de trabalho híbridos onde as pessoas sabem quando e onde trabalhar para obterem os melhores resultados. As organizações precisam de permitir flexibilidade, tanto em relação ao local como em relação ao horário em que o trabalho pode ser feito, mas também tornando-o atraente e fácil para que as pessoas se reúnam e formem conexões mais fortes. Pesquisas mostram que os “laços fortes” ficaram mais fortes e os “laços fracos” ficaram mais fracos por as pessoas trabalharem em casa. No entanto, há evidências de que esses “laços mais fracos” – decorrentes de momentos no escritório mais esporádicos – são importantes para incrementar a inovação e para a criação de ideias. Portanto, cabe às organizações criar esses tipos de conexões através de maneiras novas e criativas.

 

Leia a entrevista na íntegra na edição de Maio (nº. 149) da Human Resources, nas bancas. 

Caso prefira comprar online, tem disponível a versão em papel e a versão digital.

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