De que directores de Recursos Humanos precisamos para o futuro? (vídeo)

Nunca como hoje as mudanças no universo das empresas foram tantas. Os departamentos de Recursos Humanos foram chamados a intervir de uma forma nunca antes vista. Mas, mais importante do que como reagiram à crise é perceber de que DRHs precisamos para o futuro. Será isso que temos? Responderam Clara Trindade, directora de Recursos Humanos da L’Oréal, e Mariana Canto e Castro, directora de Recursos Humanos da Randstad, em mais uma re(talk).

Por Sandra M. Pinto

 

Como mote de partida, Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources, que moderou o debate, relembrou, em jeito de provocação, que no final de 2019 falava-se da perda de relevância (ou não) dos directores de Recursos Humanos nas organizações. De tal forma, que o tema da primeira conferência da Human Resources, que deveria ter-se realizado em Março (e teve que ser adiada por causa da pandemia) era: «Directores de Recursos Humanos: RIP». Mas, perante aquilo a que se assistiu em 2020, e lembrando as palavras de Mark Twain, talvez a notícia da sua morte tenha sido manifestamente exagerada.

Clara Trindade não tem dúvidas: «Foi, aliás, nunca esteve em causa a relevância dos directores de Recursos Humanos, e temos um longo futuro pela frente.» Reconhece que a pandemia «veio reforçar este papel», mas salienta que «é importante ir aos princípios da função», defendendo que «o desafio está em termos uma direcção de Recursos Humanos que é capaz de definir um bom frame de gestão de pessoas e depois dar “empowerment”  e “freedom with in a frame”, capacitar, aconselhar , monitorar, antecipar e cuidar. Vejo muito mais a função de Recursos Humanos como desempenhando um papel de maestro, porque a música que queremos ouvir é a música de todos os instrumentos, e para que ela seja harmoniosa precisamos de facto deste maestro. E esta necessidade surge tanto em movimentos mais rápidos, como os que vivemos hoje, como nos mais tranquilos. Se a relevância dos DRHs não ia desaparecer antes, muito menos vai morrer agora», sublinha.

Também para Mariana Canto e Castro «a noticia deste morte foi efectivamente exagerada», mas, brinca que o descanso ser bem-vindo. «Este foi um ano muito desafiante para as direcções de Recursos Humanos. Tivemos de acudir a tudo a que já acudíamos e a mais uma quantidade de necessidades que diariamente iam surgindo devido à pandemia». E desempenharam um papel essencial, fazendo «de tudo um pouco: fomos conselheiros, consultores, confidentes, psicólogos,  mentores… Ou seja, juntámos tudo e chegamos ao fim do ano cansados, mas com a sensação de dever cumprido e de não termos deixado ninguém para trás. Acompanhámos toda a empresa, garantindo que caminhavam todos à mesma velocidade»

 

O que mudou de Janeiro para cá?

A pandemia trouxe novos desafios e acelerou outros. A directora de Recursos Humanos da L’Oréal destacou a digitalização, que se verificou a todos os níveis: «No nosso caso – conta – o e-comerce teve uma importância imensa, e a digitalização dos processos acabou também por de traduzir em novas oportunidades de negócio». Depois, a flexibilidade, «a todos os níveis porque rapidamente percebemos que para a máxima produtividade ia ser precisa a máxima flexibilidade», e por fim os novos modelos de negócio. «Desenvolver a cultura da empresas neste ambiente de teletrabalho foi fundamental e para isso foi essencial trabalhar com os managers para criar uma nova forma de gerir e de liderar à distância».

Clara Trindade sublinha que estes desafios irão continuar para o futuro, «não perdendo nunca de vista a realidade de que todos os dias estamos a escrever uma nova história». Perante a mudança cada vez mais evidente, «ser capaz de compreender as pessoas, de gerar confiança e credibilidade é hoje primordial. A confiança de que vamos cuidar das pessoas – da sua saúde física e mental -, bem como a manutenção do emprego era algo que não estava no topo da nossa agenda, mas que agora está e que trouxe por arrasto a necessidade da proximidade como algo que agora é de facto muito importante e valorizado», acredita. Simultaneamente, é preciso que o responsável de Recursos Humanos ajude as pessoas na sua adaptação à mudança. «Temos de fazer com que a nossa organização, com que as nossas pessoas, avancem, adaptando-se às inúmeras mudanças que estamos a viver.»

Concordando, Mariana Canto e Castro substitui no entanto a palavra mudança por transformação, identificando a transformação do trabalho como um dos maiores desafios e mudanças em 2020. «Nada é fantástico numa pandemia, mas, já que aconteceu, a verdade é que funcionou como um laboratório e uma experiência irrepetível para acelerar alguns processos. Nenhuma empresa teria a coragem e a capacidade de mandar todos os colaboradores para casa.» Actualmente, a Randstad está  avaliar qual será a sua nova forma de trabalhar num cenário pós-pandémico, sendo que a organização já percebeu que não vai voltar ao que era antes. «Mais do que mudar nós nos transformarmos, nunca nada vai voltar a ser como era antigamente. Nós próprios já não vamos ser iguais, pois 10 meses a viver com uma pandemia, isolados, transformou cada um de nós de forma efectiva. É preciso que todos paremos e façamos uma introspecção, ao mesmo tempo que perguntamos, o que é que eu posso deixar para trás do meu eu antes da pandemia, e o que é que devo levar para o futuro; como posso transformar as coias más, porque importa perceber como é que queremos viver e trabalhar depois da pandemia, isto será, efectivamente, o grande desafio.» E também aqui o papel dos Recursos Humanos se vai revelar essencial, «para que exista justiça, equidade e bom-senso», salienta a directora de Recursos Humanos da Randstad.

 

Mas não podemos esquecer que a Randstad e a L’Oréal não são o espelho do tecido empresarial português., composto maioria mente por pequenas e médias empresas. Mariana Canto e Castro defende que o tema não tem tanto a ver com a preparação, boa ou má, que os diferentes directores de Recursos Humanos possam ter, mas com o facto de ter havido situações tão dramáticas que era impossível aproveitar o momento para acelerar processos ou fazer melhorias. «Houve empresas com falências, insolvências, situações verdadeiramente dramáticas, sendo óbvio que um director de Recursos Humanos nessas circunstâncias não tem disponibilidade mental, nem possibilidade física ou material para poder ver as coisas na perspectiva que nós as estamos a ver», faz notar.  «Não somos, de facto, representativos da maioria da realidade empresarial portuguesa, com todo o respeito por essas empresas que não conseguiram estar nesta situação, pois ao passarmos para o modo de sobrevivência as coisas são necessariamente muito diferentes.»

Para Clara Trindade o pior erro «em que podemos incorrer é na generalização. Todos nos inspiramos nas boas práticas dos outros, mas é muito importante adaptarmo-nos à nossa realidade e no nosso panorâma nacional existe um pouco de tudo. Numa situação como a que vivemos,  um bom director de Recursos Humanos deve ser capaz de fazer um bom diagnóstico e de ser construtor, com a sua equipa de liderança, daquilo que são as necessidades da organização, decidindo o que não pode esperar, o que tem de ser decidido imediatamente, mas pensando sempre no futuro.»

 

Que directores de Recursos Humanos para o futuro?

«Precisamos de uma direcção de Recursos Humanos com pessoas muito flexíveis, muito motivadas, com uma resiliência gigante, com um amor aquilo que fazem absolutamente inquestionável,  e que acreditam que é possível modificar o mundo», afirma Mariana Canto e Castro. «Precisamos passar para uma forma de trabalhar muito fluida e flexível, respeitando as capacidades e as competências de cada um, sabendo como adaptar tudo isto à cultura da empresa. Acima de tudo, têm de ser pessoas dispostas a estar sempre a aprender, mas que o faz com gosto. A aprendizagem constante não é problema.»

Já Clara Trindade defende que o director de Recursos Humanos precisa ter uma visão 360. «Temos de ter uma visão holística, porque levar a missão, a cultura, da empresa é muito importante para se alcançar o sucesso. A pandemia veio também dar ainda maior importância ao network e à rede que está em volta dos directores de Recursos Humanos. A rede de apoio foi – e é – cada vez mais essencial, pois através dela aprende-se imenso e consegue-se ter outra perspectiva sobre os problemas.»

Também é importante não esquecer que os CEOs também têm um papel importante no desempenho dos DRHs. «São eles que dão a liberdade necessária para que um director de Recursos Humanos possa levar a bom porto a sua missão. A agenda Pessoas tem que ser detida em altíssimo grau na organização, o CEO e toda a equipa de liderança», defende Clara Trindade. «É mais fácil quando temos CEO’s que têm naturalmente essa sensibilidade, mas quando não o temos, os directores de Recursos Humanos têm um papel muito importante de garantir que a agenda Pessoas está  no centro da tomada de decisão relativamente à organização.»

Mariana Canto e Castro acrescenta: «São as pessoas que formam as empresas. A infraestrutura é importante, mas não faz a empresa.» E perspectiva que, para 2021, o grande desafio será perceber a importância de saber deixar fluir, «ter a capacidade de ir fazendo uma gestão de uma forma natural e fluida».

Clara Trindade acredita que o grande desafio vai passar por sermos cada vez mais ágeis. «A grande capacidade que vamos ter que ter é a de, mais do que sermos fortes como uma pedra, sermos ágeis como a água.»

Relativamente aos temas principais de Gestão de Pessoas para 2021, concordam ambas que passarão pela (re)organização do trabalho e pela na saúde mental ou emocional dos colaboradores,  bem como pela requalificação das pessoas e o papel da liderança», acrescenta Clara Trindade. «Liderança à distância, com mais humanização nas relações.»

(re)Veja aqui, na íntegra.

As re(talks) são uma iniciativa da Randstad em parceria com a Human Resources, promovida desde Março, e estão todas reunidas aqui.

 

 

 

 

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