
Procrastinação do sono: um desafio moderno para as organizações
Por Filipe Loureiro, docente do Mestrado de Psicologia Social e das Organizações. Investigador no William James Center for Research. Ispa – Instituto Universitário.
Este é provavelmente um dos factos mais evidentes do ponto de vista de uma vida saudável: o sono é um pilar fundamental para o bem-estar físico e psicológico. Mas, se assim é, porque é o sono cada vez mais negligenciado mesmo quando estamos tão conscientes da sua importância?
Dados recentes sugerem que nove em cada 10 pessoas experienciam atualmente problemas de sono, dois terços dos quais há mais de seis anos (Sleep Charity, 2024). No contexto português, um inquérito recente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP, 2023) a 2184 pessoas revelou que metade dos inquiridos não dorme bem, e que 75% e 19% dormem menos de 7 e 6 horas, respetivamente.
São dados alarmantes que vêm sido relatados há anos, assim como o padrão preocupante que sugere o que se tornou a “normalização” do sono insuficiente. Esta tem consequências no trabalho e na vida pessoal, com a sociedade moderna caracterizada por estilos de vida acelerados, dependência da tecnologia e pressões profissionais, que comprometem a priorização do sono.
Apesar das implicações da privação e maus hábitos de sono (associadas a doenças crónicas, perturbações mentais, reduzida produtividade, burnout), o sono é, mais do que nunca, negligenciado mesmo por quem reconhece a sua importância. Este fenómeno, associado a uma denominada procrastinação do sono, tem sido alvo de atenção recente sob a forma de uma procrastinação da hora de deitar. Nele, as pessoas adiam e sacrificam deliberadamente o sono numa tentativa de recuperar o controlo sobre o seu tempo pessoal, mesmo cientes das consequências negativas. Este ocorre sobretudo quando as pessoas se sentem assoberbadas pela vida profissional e responsabilidades diárias, sacrificando o sono pelo lazer como forma de “vingança” contra os seus horários sobrecarregados.
Cerca de 50% das pessoas procrastina a hora de deitar pelo menos duas vezes por semana (Kroese et al., 2016), o que reflete um desafio atual para a sociedade e organizações. Apesar de recente e ainda escassa, a investigação sobre este fenómeno no contexto organizacional tem produzido resultados relevantes. Um estudo que envolveu trabalhadores americanos e chineses demonstrou que o uso do telemóvel relacionado com trabalho, fora do horário laboral, leva a uma maior procrastinação do sono (Hu et al., 2022). Trabalhadores com um cronótipo vespertino (noturno) parecem ser também aqueles que mais procrastinam a hora de deitar (Kühnel et al., 2018). Um estudo com recém-graduados que entraram no mercado de trabalho (Hill et al., 2024) aplicou entrevistas semiestruturadas para compreender como a procrastinação do sono é experienciada por esta população. Os participantes enfatizaram aspetos como necessidade de tempo para si, aversão ao dia seguinte, fatores hedónicos, dificuldade em adormecer e falta de autocontrolo.
Mais investigação será necessária com vista ao desenvolvimento de intervenções para reduzir a procrastinação do sono. Evidência recente sugere a aplicação de intervenções comportamentais e motivacionais (Jeoung et al., 2023; Suh et al., 2021) e a redução do tempo de ecrã à noite (Hill et al., 2025). Algumas estratégias que o leitor poderá aplicar caso este tipo de procrastinação não lhe seja estranho incluem: definir limites claros entre o trabalho e o lazer, reduzindo o uso de dispositivos eletrónicos para fins de trabalho à noite; aumentar a sensação de controlo sobre o seu tempo livre, incorporando pequenos momentos de lazer ao longo do dia; e criar uma rotina de sono e relaxamento.