Qual o papel da lei laboral no aumento dos salários? Nuno Guedes Vaz (PLMJ) respondeu

Na passada quarta-feira foi chumbado o Orçamento de Estado para 2022 proposto pelo Governo. Uma das questões que não colheu consenso foi o aumento do salário mínimo. São muitas as dúvidas que ainda se levantam sobre o papel da lei laboral no aumento salarial e o tema esteve em foco na XXII Conferência Human Resources. Nuno Guedes Vaz, Sócio Laboral da PLMJ Advogados, respondeu às duvidas dos leitores, sobre este e outros temas.

 

Por Sandra M. Pinto

 

A agenda para o trabalho digno está na ordem do dia, e dentro dela um tema incontornável são os salários. Mas qual será o papel da lei laboral no aumento dos salários em Portugal? Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources Portugal, colocou as perguntas a Nuno Guedes Vaz.

 

Cabe à lei ou às empresas promover o aumento de salários? 

«A lei laboral portuguesa não tem nenhuma norma que obrigue os empregadores a aumentarem salários», começa por esclarecer Nuno Guedes Vaz, «o que a lei laboral tem é uma norma que proíbe baixar salários». Normalmente os salários são fixados no contrato de trabalho, sendo que deve refletir a sua qualidade, quantidade e natureza do trabalho, ao qual acresce o principio de igualdade quando duas ou mais pessoas executam o mesmo trabalho. «A lei laboral não tem uma norma que reflita a questão das actualizações salariais, o que se passa é que na prática existem condições reais que implicitamente podem favorecer ou não os incrementos salariais».
Aqui desempenha também um papel importante a contratação colectiva em que as associações sindicais têm competências especificas no domínio das propostas de fixação e de revisão de salários, «sempre com acordo com as entidades empregadoras». de acordo com o especialista a lei pode favorecer o aumento de salários, a partir do momento em que ela é um dos elementos que condiciona a produtividade das empresas. «Tudo depende das condicionantes legais  – de contratação ou despedimento e das normas de direito do trabalho – que existem e do modo como se aplicam a certos sectores ou a certas empresas».

 

Até onde pode ou deve ir a lei em matéria de remunerações no âmbito da iniciativa privada? O exemplo dado é o do salário mínimo que não existe em todos os países da Europa, o que não significa que os salários sejam mais baixos. 

O salário mínimo está previsto na constituição portuguesa, «Portugal não pode optar por não o por em pratica a menos que reveja a constituição», refere o sócio Laboral da PLMJ Advogados. O código de trabalho fala numa remuneração mínima mensal, ou seja, a lei ordinária optou pela mensualização do salário. «Este facto introduz distorções», sublinha, «o salário mínimo nacional é o mesmo para todos os trabalhadores, mas os trabalhadores não têm todos os mesmo período normal de trabalho contratado». Veja-se a diferença entre público e privado em que o salário mínimo é igual mas o tempo de trabalho não, é mais no sector privado, pois «há muitos sectores de actividade em que o padrão são as 40 horas de trabalho semanais».
É por este motivo que há países que fixam o salário mínimo em horas, o que permite fazer a ligação entre as horas e o mês. «Aqui o trabalhador tem uma remuneração à hora, como é o caso da França, da Alemanha ou do Reino Unido», exemplifica o advogado,  «dos 27 países da União Europeia haverá seis que não têm o salário mínimo fixado ao mês».  Já os valores do salário mínimo reflete os níveis de vida de cada país e as condições de produtividade, «encontrando-se Portugal mais ou menos a meio da tabela».  Curiosamente, há países em que o salário mínimo se distingue por regiões, «refletindo o nível do custo de vida dessas regiões comparativamente com as outras». O facto de termos um salário mínimo nacional «torna difícil saber qual é o seu justo valor», refere Nuno Guedes Vaz, o qual tem vindo a crescer até à data, «o que acaba por influenciar os salários estipulados pelas empresas«. «A queixa dos trabalhadores, actualmente, é que recebem o salário mínimo mas já tem muitos anos de “casa”, mas a verdade é que houve um aumento de 32% desse salário, algo que aconteceu por imposição do Estado».

 

O salário médio é manifestamente baixo quando comparado com outros países da Europa. Se formos comparar os salários onde há escassez profissional a diferença é ainda maior e as empresas em Portugal não conseguem competir. Mas este é um problema da competitividade das nossas empresas ou a lei laboral pode assumir aqui algum papel? 

A subida do salário mínimo nacional tem por efeito provocar em cadeia o aumento dos salários «o que depois está relacionado com a capacidade de cada empresa». Aquilo que o leitor refere «é o retrato do nosso nível de vida, da nossa capacidade de sermos produtivos e das nossas condições geográficas», admite o advogado, que faz questão de lembrar que já tivemos em Portugal um salário nacional máximo «o qual vigorou até à revisão constitucional de 1982».
Para o especialista a questão assenta sempre nas mesmas premissas: «os sectores que conseguem ser mais competitivos remuneram melhor os seus trabalhadores, depois é tudo uma questão de oferta e de procura no mercado de trabalho».

 

Se a lei fosse mais flexível em termos de despedimentos ou se não houvesse um peso tão grande dos sindicatos nas negociações salariais não setia mais fácil para as empresas remunerar melhor  os seus melhores colaboradores? 

«Os despedimentos são um factor muito importante para o ajustamento das necessidades da empresa à disponibilidade de trabalho que tem», começa por responder Nuno Guedes Vaz, «e nesse aspecto pode aumentar a produtividade da empresa ou pelo menos reduzir custos». Assim, «o despedimento pode ser importante proporcionando a melhoria da situação económica das empresas, logo aumentando a sua capacidade para premiar melhor os seus melhores trabalhadores».
Relativamente aos sindicatos, estes «negoceiam salários em sectores e em algumas grandes empresas sendo que são a expressão do facto de os trabalhadores, por si só, não terem capacidade para negociar ou impor salários». Mas, «não há na lei nenhuma obrigação de chegar a acordo com os sindicatos para rever salários, esta é apenas uma questão de forças e de opções de gestão de recursos humanos das empresas».

 

Pretende-se aplicar o principio do tratamento mais favorável às situações de teletrabalho. O que é que isto significa, pergunta o leitor?

«Pelo que se percebeu do painel anterior nota-se alguma tendência de algumas empresas e de alguns trabalhadores para permanecerem em teletrabalho», refere. «O principio do tratamento mais favorável às situações de teletrabalho significará que havendo normas legais sobre uma determinada matéria elas são imperativas e quando muito poderão ser melhoradas, quer ao nível da contratação colectiva quer ao nível dos contratos individuas».
Do projecto que estava em discussão constavam várias alíneas, como aquela que dizia que o empregador teria de pagar os consumíveis ao trabalhador em teletrabalho. «Sei perfeitamente que é preciso proteger os trabalhadores os quais muitas vezes não têm poder negocial, mas supúnhamos que o trabalhador até tem interesse em estar em teletrabalho, e o empregador até pode concordar, mas a verdade é que haverá muitos que talvez não aceitem pelo facto de terem este custo acrescido». O especialista frisa que no plano prático as empresas e os trabalhadores muitas vezes são mais compreensivos e chegam a acordo , «mas em termos legais o principio do tratamento mais favorável significará que esse acordo não é válido».

 

Não há regulamentação para a figura do nómada digital nem para trabalhadores de plataformas digitais como a UBER. Não estão estes temas relevantes a serem esquecidos? 

«Não são temas esquecidos, são temas que têm vindo a estar na agenda», relembra, «especificamente em relação aos nómadas digitais este não é um problema especifico da lei laboral». Se estivermos a falar de nómadas digitais em Portugal, o especialista da PLMJ não vê problema nenhum, «a segurança social é igual para todos e as questões de acidentes de trabalho podem ser resolvidas percebendo-se onde estava o trabalhador».
A questão surge quando vem um nómada para Portugal ou um nómada português vai para o estrangeiro, «tudo por causa dos regimes de segurança social que, por norma, se aplicam: será aquele onde o trabalho está a ser prestado». E a estas juntam-se as questões de tributação fiscal, as questões de protecção da segurança social, as questões de acidentes de trabalho e a própria questão das leis de trabalho. «Existe aqui um problema de harmonização de leis que não me parece ser de todo possível», afirma. A solução, diz o representante da PLMJ, poderá passar «por um golden visa para nómadas digitais com um sistema mais atrativo, mas para já não me parece que seja um realidade muito expressiva no nosso país».

 

Dos temas aqui falados, desde o salário até aos novos modelos de trabalho diria que Portugal está no bom caminho?

«É preciso implementar medidas que permitam aumentar a competitividade das empresas, algo que ainda não aconteceu», refere Nuno Guedes Vaz. «Temos assistido a muita preocupação com o mercado de trabalho precário, e eliminaram-se instrumentos que, por exemplo, hoje no teletrabalho podiam ser úteis», sublinha.
«Vejamos por exemplo o banco de horas, que seria uma solução no teletrabalho para dar a flexibilidade que as pessoas tanto desejam», refere, «isto porque não há no teletrabalho horários livres é preciso ter o registo do tempo de trabalho, e isso é diferente de flexibilidade».

 

Com o chumbo do Orçamento de Estado e a ida para eleições antecipadas, como ficam estes temas? 

Relativamente às medidas da Agenda para o Trabalho Digno, o Governo não chegou a apresentar a proposta de lei, sendo esta uma matéria reservada à Assembleia da República. «A partir do momento em acontece a dissolução da Assembleia da República, esta passa a funcionar com uma comissão permanente que tem competências muito limitadas, nomeadamente a nível legislativo».
O mesmo acontece com o Governo, «com excepção do salário mínimo nacional, matéria em que o Governo pode decidir depois de ouvidos os parceiros da Concertação Social».
Com a dissolução do parlamento e a marcação de eleições antecipadas todas as matérias “caducam”, inclusive as laborais. Depois terão de ser novamente apresentadas no âmbito da nova legislatura.

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