Quando os dados não chegam: o equilíbrio adaptativo entre intuição e análise

Por Filipe Loureiro, docente do Mestrado de Psicologia Social e das Organizações. Investigador no William James Center for Research. Ispa – Instituto Universitário

 

Num mundo dominado por dados, relatórios preditivos e por uma presença cada vez mais relevante do HR Analytics, falar de intuição pode soar anacrónico. Contudo, as organizações estão a redescobrir o seu valor, não como substituto do raciocínio analítico, mas como o seu contraponto necessário. Entre intuição e análise, o verdadeiro desafio passa actualmente por tentar equilibrar ambos.

Na linguagem comum, intuição é muitas vezes associada a palpites. No entanto, a psicologia descreve-a como um reconhecimento rápido e não consciente, baseado em padrões internalizados pela experiência. A investigação demonstra que a intuição não é o oposto da racionalidade, mas um produto sofisticado da aprendizagem, que nos permite reagir eficientemente mesmo sem acesso consciente a todos os dados. A análise, por sua vez, oferece distanciamento, verificação e estrutura.

Estudos recentes demonstram que as decisões de melhor qualidade resultam precisamente do equilíbrio entre intuição e análise. No campo da inovação, Sukhov (2020) demonstrou que especialistas alternam entre percepção intuitiva e raciocínio analítico ao avaliar novas ideias. A intuição identifica rapidamente o potencial criativo e a análise estrutura e justifica as escolhas – num processo cíclico que combina insight e rigor.

Já Matzler e colegas (2014) referem-se à intuição como o “ingrediente em falta” na tomada-de-decisão empresarial. Gestores que integram ambos os estilos de decisão alcançam melhores resultados do ponto de vista do lucro, crescimento, inovação e desenvolvimento de produto, em comparação aos estilos puramente analíticos ou intuitivos.

De modo complementar, Hallo e Nguyen (2022) propõem um modelo iceberg: decisões evoluem de uma avaliação mais superficial, baseada em percepção e análise racional, para uma avaliação mais profunda, onde a intuição actua e permite uma compreensão mais global e holística da informação. Por outras palavras, análise e intuição complementam-se em diferentes níveis de profundidade na avaliação da informação.

O equilíbrio intuição-análise é particularmente eficaz em contextos complexos e imprevisíveis – os chamados ambientes VUCA (voláteis, incertos, complexos e ambíguos). Aqui, depender apenas da análise pode levar à paralisia, e confiar apenas na intuição pode gerar decisões precipitadas. A eficácia surge da capacidade de alternar e integrar ambas, ajustando-os à natureza do desafio.

Este equilíbrio ganha nova relevância com a entrada da Inteligência Artificial (IA) nos processos decisórios. Chen e colegas (2023) identificaram três vias intuitivas através das quais os decisores podem resistir à influência incorrecta da IA: intuições sobre os resultados (percepções imediatas sobre o que “deveria” ser a decisão correcta), sobre os factores relevantes que ajudam a questionar e reinterpretar as explicações fornecidas pelo sistema, e sobre as limitações da própria IA. Esta evidência demonstra que a combinação equilibrada entre percepção intuitiva e informação analítica (humana ou artificial) é o caminho para decisões mais confiáveis e adaptativas.

Nas organizações, cultivar o equilíbrio entre intuição e análise implica criar culturas que combinem dados e experiência, onde o erro seja interpretado como aprendizagem e o julgamento humano não seja substituído, mas aprimorado pela informação. As equipas mais eficazes valorizam a diversidade cognitiva: analíticos que aprendem a confiar na intuição e intuitivos que aprendem a questioná-la. No fundo, é reconhecer que nenhum dado explica tudo e que nenhuma intuição acerta sempre. As melhores decisões nascem do encontro entre o que se mede e o que apenas se sente.

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