Quase 80% dos trabalhadores querem mudar de emprego em 2020

Não é segredo. Nem sequer novidade. Mas o Guia do Mercado Laboral 2020 veio confirmá-lo. A atracção (54%) e retenção (51%) de talento são as duas principais dificuldades identificadas na gestão de Recursos Humanos. Para apresentar todos os resultados, e também debatê-los, a Hays promeveu o evento “Atrair e Reter Talento”.

 

Por Sandra M. Pinto

 

Realizou-se ontem, no Centro Cultural de Belém, tendo sido dadas a conhecer as tendências que vão marcar o mundo do trabalho em 2020. Paula Baptista assegurou a abertura do evento, fazendo uma breve introdução ao tema, seguindo-se a intervenção de Bruno Bobone, presidente da Câmara de Comercio e Indústria Portuguesa, que partilhou a sua visão sobre o mercado laboral português, tecendo algumas críticas, nomeadamente aos baixos salários que se praticam e deixando alguns conselhos.

A apresentação dos resultados Guia do Mercado Laboral 2020 foi feita a “dois tempos”, pelos directores regionais da Hays, Sandrine Veríssimo e Carlos Maia. Relativamente aos empregadores, Carlos Maia começou por destacar que o ano de 2019 foi muito positivo, mas igualmente de muito trabalho. «Questionados sobre os resultados da sua empresa, 65% dos empregadores respondeu que estava de acordo com as suas expectativas, 20% acima e 15% abaixo».

De acordo com o guia agora apresentado, 91% dos empregadores efectuaram novas contratações, 74% concretizaram aumentos salariais, 29% aumentaram os benefícios e 52% as promoções, sendo que, destas, 12% foram realizadas para evitar a saída de colaboradores. No que diz respeito aos despedimentos, 42% dos inquiridos afirmou ter despedido colaboradores, a maioria por mau desempenho dos mesmos.

«Percebemos ainda que 59% dos empregadores consideram que as instituições de ensino não estão a preparar bem os profissionais para o mercado trabalho», acrescentou Carlos Maia, dando como principais factores para essa conclusão «o facto de a oferta formativa não estar adaptada às exigências actuais do mercado, e a realidade de as soft skills não estarem a ser incentivadas ao ritmo que as empresas necessitam».

Relativamente às principais dificuldades sentidas pelos empregadores, o responsável adiantou que são três as principais dificuldades sentidas pelas empresas: «Os empregadores referem a falta de profissionais qualificados, 53%, a desadequação entre a oferta de profissionais e as vagas disponíveis, 49%, e a fraca articulação entre uma legislação laboral rígida, 36%

Uma das grandes, se não a maior dificuldade dos empregadores, é recrutar talento. «No estudo, 64% dos empregadores afirmou que no ano passado se viram obrigados a recrutar pessoas pouco adequadas às oportunidades de emprego que tinham em aberto e 38% desistiram de concluir processos de recrutamento para optar por recursos internos», revela Carlos Maia.

«O ano de 2019 serviu para motivar e reter colaboradores, tendo as principais dificuldades sentidas pelos empregadores sido variadas: 54% refere a atracção, 51% a retenção, 31% a comunicação interna, 23% a preparação de equipas de management, 18% a formação, 17% a adaptação a uma nova realidade laboral e 13% as diferenças geracionais», afirmou Carlos Maia, para de seguida referir que «apenas 36% das empresas terem adaptado politicas internas para ir de encontro às necessidades das diferentes gerações».

Para 2020, o estudo refere que 82% das empresas tem a intenção de recrutar, «tendência mais expressiva nas micro-empresas e nas startups». Em termos geográficos, a região centro destaca-se «muito por culpa da abertura de diversos centros tecnológicos de serviços», surgindo depois a região sul, seguida pelo norte.

Nos perfis mais procurados destacam-se os comerciais (30%), os especialistas em tecnologia de informação (30%), os engenheiros (22%), os profissionais de marketing e comunicação (14%) e os de logística e supply chain (13%). «Relativamente às competências, em 2020 os empregadores vão valorizar a apetência para trabalhar em equipa (56%), as competências técnicas (55%), a ética e os valores (54%), a proactividade (53%), e a capacidade de trabalho (48%)», divulga Carlos Maia.

 

O que procuram os profissionais

No que diz respeito às perspectivas dos profissionais, Sandrine Veríssimo salientou que «vivemos hoje uma realidade em que as empresas estão preocupadas com a retenção de talento, motivo pelo qual têm vindo a criar estratégias e a implementar politicas que vão de encontro a esta necessidade». Mas até que ponto estão as empresas esclarecidas sobre o grau de satisfação dos profissionais? «De facto, é importante os empregadores saberem que em 2019 se verificou um aumento de insatisfação, sendo que os cinco principais factores destacados pelos profissionais foram as perspectivas de progressão (74%), os prémios de desempenho (71%), a comunicação interna (62%), o pacote salarial (62%) e a formação (61%)».

Mas há também pontos sobre os quais os profissionais mostram estar satisfeitos, «assim, com 79%, surge o factor localização geográfica da empresa, seguido dos horários com 76%, a qualidade das instalações com 75%, a situação contratual com a mesma percentagem e o ambiente de trabalho com 72%».

Perante os resultados obtidos em relação à insatisfação dos profissionais, não é de estranhar que 78% dos inquiridos afirmem que vão querer mudar de emprego durante 2020. «Os sectores onde essa vontade se verifica são variados mas o Retalho ocupa a primeira posição com 87%. Depois seguem-se os sectores da Engenharia com 82%, do Office Support com 81%, da Contabilidade e Finanças com 80% e, por último, o sector das Tecnologias de Informação e Turismo e Lazer com 79%», refere a responsável.

«Poderá parecer que, perante estes valores, recrutar se revela uma tarefa mais fácil, mas não será bem assim porque os profissionais querem sair, mas querem fazê-lo aceitando o desafio certo, e aqui entram as motivações que os levam a querer mudar: 59% procuram um melhor pacote salarial, 58% escolhem a perspectiva de progressão de carreira, 48% procuram projectos mais interessantes, 22% revelam estar descontentes com a empresa e 16 % com a chefia directa, sendo que 15% refere como motivo para querer mudar de emprego o stress constante e o receio de burnout», esclareceu Sandrine Veríssimo.

Para a directora regional um dado interessante trazido pelo estudo assenta no facto de existir uma discrepância entre aquilo que as empresas achavam ser os factores a que os profissionais davam mais importância e aqueles a que eles, efectivamente, atribuem valor. «Vejamos, por exemplo, o bom ambiente de trabalho a que os empregadores atribuem 68% ou a solidez financeira com 52%. Se olharmos para aquilo que os profissionais realmente valorizam verificamos que, em primeiro lugar, com 86%, surge a oferta salarial, seguida do plano de carreira com 64%, sendo este, curiosamente, um dos factores que as empresas consideram menos relevante.»

Cada vez mais em cima da mesa aquando de uma decisão de mudança de emprego, os benefícios são algo também bastante valorizado pelos profissionais. «Por esse motivo – acrescentou Sandrine Veríssimo – foi também este um tema alvo de estudo no Guia». Os resultados revelaram novas discrepâncias entre aquilo que os profissionais valorizam e o que pensam os empregadores. «Da parte dos profissionais, mais valorizado com 79% surge o seguro de saúde. Seguem-se a flexibilidade de horário com 66%, a formação/certificação com 62%, a possibilidade de trabalhar desde casa com 58% e a utilização do automóvel da empresa para uso pessoal com 42%», refere a responsável, afirmando que «da parte dos empregadores, os benefícios mais disponibilizados são o seguro de saúde (70%), o cartão/tickets de refeição (69%), o refeitório ou espaço para refeições (64%), o telemóvel para uso pessoal (60%) e a formação/certificação (56%).»

 

Os principais desafios

Seguiu-se uma mesa redonda subordinada ao tema “Investir nas competências do futuro”, moderada por Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources Portugal, que contou com a participação de Paula Baptista, managing director da Hays; Nelson Lopes, CEO da Sodexo; Hugo Ferreira, vice-presidente executivo da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII); Hélder Fernandes, managing director da Webasto; e Ana Guimarães, directora de Recursos Humanos da Hovione Farmaciência.

O pontapé de saída foi dado pela moderadora, ao afirmar que nem sempre os responsáveis máximos das empresas estão disponíveis para marcar presença em eventos dedicados à área de Gestão de Pessoas, «pelo que existe alguma curiosidade em saber se estes temas, nomeadamente o Recrutamento e a Gestão de Talento, já estão, de facto, na vossa agenda como prioritários em termos de negócio?»

Para Hélder Fernandes «sem dúvida nenhuma, em especial na área em que a Webasto exerce actividade. A nossa matéria-prima principal são as pessoas, portanto o pilar mais importante que temos a nível estratégico é como é que devemos manter as nossas pessoas satisfeitas e como é que as devemos reter.»

Nelson Lopes concorda, reafirmando que a atracção e retenção têm sido dois grandes desafios para a empresa que marca presença em Portugal desde há quatro anos. «Somos uma empresa pequena – 20 pessoas – mas desde que estamos em Portugal já recrutámos cerca de 40, o que tem sido de facto bastante desafiante para a organização.»

Na opinião de Hugo Ferreira o sector imobiliário tem vivido uma enorme evolução com enormes desafios, nomeadamente passar a ser encarado como uma verdadeira indústria. Continuou: «A mediação imobiliária é área que durante os anos de crise atraiu uma série de profissionais não qualificados, sendo que está hoje a viver uma grande carência em termos de qualificação e de formação. Depois, em todo o sector existe uma dificuldade real em atrair talento. Veja-se a área da construção, que, durante a crise, perdeu cerca de 250 mil trabalhadores. Hoje, mesmo com o volume de investimento feito no sector, temos em falta cerca 70 mil trabalhadores.»

Na visão de Ana Guimarães «este balanço entre o reter e o atrair é um desafio enorme, criando uma fasquia muito elevada nas empresas, porque na verdade os candidatos começam a ser escassos numa realidade que é global e que atinge todos os sectores e áreas de negócio. Isto leva-nos muitas vezes a atrair candidatos nem sempre com o perfil ideal, mas trazendo para dentro de portas uma maior responsabilidade para as empresas, que têm de criar maiores oportunidades para as suas pessoas se desenvolverem e se formarem.»

Enquanto representante da Hays, entidade que acaba por ter um contacto mais próximo com as empresas, Paula Baptista refere que, por esse facto, conseguem «perceber que estamos a assistir ao longo dos anos a uma preocupação extraordinária por parte das empresas sobre este tema, especialmente na pós-crise. Neste momento esta preocupação é evidente a vários níveis, desde logo no reforço que as empresas estão a efectuar nos seus departamentos de Recursos Humanos, e depois nas estratégias seguidas, com as empresas a reinventarem-se constantemente para conseguir atrair e reter o melhor talento.»

 

Falta de profissionais qualificados

Um dos aspectos fundamentais a que o Guia fez referência foi o da falta de profissionais qualificados, sendo, como referiu a moderadora, «é curioso notar que a formação é apenas o quinto beneficio mais disponibilizado pelos empregadores (56%), apesar de maioria (59%) considerar que as instituições de ensino não preparam adequadamente Quando questionados sobre se sentem esta dificuldade no dia-a-dia, Hugo Ferreira confirmou que, no Imobiliário, a formação é um problema real e bem presente. «Em Portugal, há um único curso de formação na área de imobiliário e algumas pós-graduações, o que não é do todo significativo pelo que tenho mesmo que afirmar que em Portugal não temos formação nesta área. Muitas das empresas resolvem este problema atraindo talento vindo de fora ou tentando dar alguma formação interna, o que, em algumas componentes mais técnicas, é praticamente impossível.»

Hélder Fernandes revela que, além das parcerias estabelecidas com centros de formação, também têm formação internamente, seja dada por profissionais seus ou por entidades externas, porque grande prioridade é formar as pessoas que contratamos. Temos que ter os melhores, e se queremos ter os melhores temos de apostar constantemente na sua formação. É um investimento.»

De acordo com Ana Guimarães, na Hovione a questão coloca-se muito mais ao nível das funções operacionais, e não tanto nas funções com formação de nível superior. «De facto, não temos grande concorrência em Portugal, pelo que é extremamente difícil conseguir encontrar no mercado profissionais que estejam minimamente preparados. Isso leva a que optemos por criar as nossas escolas. Neste momento temos duas escolas, uma de operadores, alicerçada em formadores internos, colaboradores nossos que ser reformaram e que voltaram à empresa para dar formação aos mais novos, e outra de analistas em parceria com o ISEL. Acabamos por nos substituir às escolas porque não podemos deixar de contratar e mesmo assim temos, de facto, alguns desafios.»

Perante tantas mudanças, Paula Baptista defende que as empresas têm de se preparar para uma mudança com vista a uma realidade para elas ainda desconhecida, «pois sabemos que vão desaparecer uma série de funções mas que vão surgir outras. É necessário encarar esta mensagem de uma forma mais positiva e não tanto de pânico, porque vê-se muito no mercado, principalmente quando temos funções menos especializadas, pessoas preocupadas. É preciso dar a requalificação certa e a formação adequada para que os profissionais possam adaptar-se a outra realidade. Em termos de competências de futuro, estamos a falar em soft skills, como a capacidade de adaptação, flexibilidade, pensamento critico, entre outras, porque as hard skills aprendem-se com a formação adequada.»

Para Nelson Lopes, a questão das próprias instituições de ensino não estarem a ser capazes de se adequar à procura das empresas «parece ser uma consequência e não a causa. A causa reside no facto de a maioria das universidades continuarem muito voltadas para dentro e não potenciarem qualquer tipo de diálogo crítico e construtivo com as empresas. Sabemos que, muitas vezes, as próprias empresas não abrem as portas porque estão focadas na sua actividade, mas deviam ser as universidades a potenciar esse diálogo.»

Os oradores comentaram ainda outros resultados do estudo da Hays, como as discrepâncias entre aquilo que os profissionais querem e o que os empregadores julgam eles querem, e entre os benefícios mais valorizados e os mais oferecidos, concluindo que, neste caso, como em termos de atracção e retenção de talento, é preciso ouvir mais os colaboradores.

 

 

 

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