Quiet Quitting: Como podem as empresas ultrapassar esta tendência entre os trabalhadores?

Muito se ouviu falar sobre o “Quiet Quitting” durante este último mês. O desprendimento emocional face ao trabalho sempre existiu, mas tem agora um nome e tornou-se uma tendência.

Por Marco Gouveia, consultor de Marketing Digital

 

Basicamente, o Quiet Quitting ou “desistência silenciosa” trata-se de não executar tarefas para as quais não se recebe compensação financeira, ou seja, não fazer mais do que o necessário para manter o emprego. Esta é uma forma de estar adoptada especialmente pelas gerações mais jovens que ingressaram recentemente no mercado de trabalho, para quem não faz sentido sacrificar o seu tempo e saúde por qualquer empresa, até porque, geralmente, não existe compensação que o justifique.

Os resultados do relatório “State of the Global Workplace”, divulgado pela Gallup, sobre o local de trabalho e o bem-estar, mostram que o fenómeno está a tornar-se, efectivamente, uma tendência: o grau de envolvimento dos trabalhadores norte-americanos desceu para 32% no primeiro trimestre deste ano (era de 36% em 2020 e de 34% em 2021) e a percentagem de “não envolvidos” – que definem limites profissionais e cumprem os mínimos – aumentou para 17% (era de 14% em 2020 e de 16% em 2021). Mais de metade dos inquiridos deste grupo tinha idades iguais ou inferiores a 33 anos e a maioria cultivava a “desistência silenciosa”. Mas a que se deve a acentuação deste fenómeno?

Durante muito tempo, as empresas esperavam que os trabalhadores fizessem mais do que lhes competia, pelo mesmo salário – ideia que se foi consolidando no mercado de trabalho até que os trabalhadores que faziam apenas aquilo pelo qual eram pagos começaram a ser vistos como maus profissionais. Considerava-se que deveriam realizar todo o trabalho que houvesse para fazer e/ou que lhes fosse pedido – trabalhando fora de horas se necessário -, o que acabou por criar esta necessidade de imposição de limites e distanciamento. Afinal de contas, faziam mais do que lhes competia, sem qualquer compensação, apenas porque era “bem visto”. Quem não compactuava com esta suposta normalidade (sair mais tarde do trabalho por sistema, estar sempre contactável e disponível para realizar qualquer tarefa, mesmo fora de horas ou de férias, etc.), era “alguém que não queria trabalhar”.

Certamente já ouviu entre empregadores o desabafo: “as pessoas hoje em dia não querem trabalhar!”. Ora, existem, sim, esses casos, contudo, existem também empresas que não querem oferecer aos trabalhadores um ambiente de trabalho saudável, um salário digno e uma compensação extra pelos esforços adicionais que estes têm em prol da empresa. É preciso premiar quem faz “a mais” – porque fazer “a mais” não é um dever, muito menos uma obrigação. Portanto, se é empregador, antes de dizer que as pessoas não querem trabalhar, pense antes se aceitaria as ofertas de emprego da sua empresa e se gostaria de trabalhar diariamente nela.

Num panorama marcado por baixos salários, um respeito mínimo pelo equilíbrio vida-trabalho dos trabalhadores e ausência de compensações pelos seus esforços, não podemos culpar quem aderiu ao Quiet Quitting – parece até uma decisão sensata. Ainda assim, é preciso ter presente que essa decisão implica deixar de fora a ambição de subir na empresa e escalar o seu salário, pois como pode uma empresa promover alguém que não mostrou resultados dignos de uma promoção?

É indiscutível que os trabalhadores têm o direito de ganhar um ordenado justo pelas suas funções e que, neste momento, em Portugal, na maioria dos sectores, não é o que acontece. No entanto, se todos adoptarem esta tendência, como poderão as empresas evoluir e premiar os seus trabalhadores? Aponta-se que as empresas não dão oportunidades de crescimento, que não há janelas abertas para aumentos salariais, mas e os trabalhadores? Quantos estão dispostos a darem mais de si do que aquilo pelo qual são pagos, com vista a chegarem mais longe e serem, então, compensados?

Estaremos a caminhar para uma sociedade mais equilibrada no que toca ao work-life balance ou estaremos simplesmente a aceitar uma cultura preguiçosa, com pouco brio profissional? Há que reflectir sobre os limites onde um cenário acaba e começa o outro.

O trabalho, de facto, não é a nossa vida; não tem de ser, nem deve ser. Ainda assim, parece que assistimos a um cenário oposto ao que predominava até agora: quem tem a ambição de crescer dentro de uma empresa e faz mais do que lhe compete, ultrapassando as expectativas e mostrando resultados, é “mal visto” entre os colegas, o que também me parece injusto. Afinal, cada um deve ter o work-life balance que mais fizer sentido para si. Pode haver pessoas cujo equilíbrio perfeito assenta num peso de 60% para o trabalho e 40% para as restantes esferas da vida, tal como pode haver outras que preferem exactamente o contrário.

Em Portugal, sabemos que grande parte das empresas não oferece programas de acolhimento a novos trabalhadores, formação em contexto de trabalho (actualizada e alinhada com as funções e interesses dos mesmos), sistemas de incentivo ou perspectivas de progressão na carreira. Além disso, temos lideranças tóxicas, sem transparência, que monitorizam os trabalhadores, não confiam na sua autonomia, muito menos na sua capacidade produtiva. Tudo isto resulta, pois claro, em trabalhadores não comprometidos. Se querem trabalhadores produtivos e proactivos, as empresas devem repensar as condições que oferecem. Salários justos, lideranças capazes, ambientes corporativos saudáveis e sistemas de incentivos, bem como perspectivas de progressão na carreira, podem ser a solução.

Os trabalhadores não têm a obrigação de “vestir a camisola” da empresa para lá do necessário, muito menos quando não são compensados por isso – e as empresas têm de o entender de uma vez por todas. Caso contrário, não vão conseguir reter talento.

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