Quiet Quitting. Um grito de alerta antigo com um nome moderno

O “Quiet Quitting” tem sido considerado como um fenómeno emergente que se caracteriza por ter evoluído de forma bastante expressiva, principalmente entre as gerações mais jovens que assumem esta tomada de posição como um “statement”.

 

Por Daniela Lima, managing partner na Swaifor; especialista em Segurança no Trabalho, PhD em Comportamento Organizacional e professora convidada no IPS – Instituto Politécnico de Setúbal.

 

Esta “demissão silenciosa” (como é conhecida por nós, em Portugal) tem-se caracterizado essencialmente por ser um “grito de alerta”, que utiliza a plataforma do “TikTok” como veículo preferencial de difusão desta “exaustão emocional” por parte dos trabalhadores à escala global.

O “Quiet Quitting” assume proporções à escala global. Os ecos que chegam do outro lado do oceano Atlântico através das estatísticas norte americanas mostram que, no período compreendido entre Abril de 2021 e Abril de 2022, 71,6 milhões de trabalhadores rescindiram os seus contratos de trabalho, ou seja, estes trabalhadores “desistiram dos seus trabalhos”.

Com base nos dados publicados pelo U.S. Bureau of Labour Statistics, este organismo identifica um conjunto de causas possíveis para explicar o fenómeno do “Quiet Quitting” nos EUA: (1) uma pausa na carreira, (2) o formato de trabalho remoto, (3) a família, (4) a antecipação da reforma e pré-reforma, (5) o empreendedorismo e (6) a inovação que gerou novos negócios. Estes dados recentes vêm demonstrar que é um fenómeno intergeracional, e que não é exclusivo das gerações mais jovens, conforme se tem vindo a preconizar na opinião pública.

Vamos explorar algumas das variáveis contextuais que permitem desenhar o quadro em que este fenómeno emerge na Europa “pós-pandémica”. Os últimos três anos foram muito exigentes com uma pandemia como cenário de fundo, com múltiplas convulsões económicas e sociais. Estes acontecimentos provocaram uma alteração profunda na vida das pessoas, condicionou o seu comportamento e o conjunto de interacções sociais.

O paradigma do trabalho tal como o entendíamos mudou, o teletrabalho invadiu a privacidade dos trabalhadores (sem uma clara divisão entre o trabalho e a vida pessoal), os horários são mais exigentes, a carga de trabalho aumentou, as exigências emocionais intensificaram-se e o espectro do desemprego assombra a sociedade. Entre muitos factores que poderíamos continuar a listar, o mais duro, pelo menos para mim, do ponto de vista emocional parece-me ser o processo de tomada de consciência da nossa finitude enquanto indivíduos.

Contudo, após experienciarmos o teletrabalho e o caos em que muitos viveram este processo, foi possível compreender que grande parte dos trabalhadores estavam ansiosos pelo regresso aos seus locais de trabalho, por entenderem que necessitam do convívio social do qual foram privados. Por outro lado, também muitos dos que regressaram ou que ainda se encontram em teletrabalho não só não manifestam essa felicidade como evidenciam sinais de sofrimento, resultado de uma exposição prolongada à pressão e ao stress laboral (Relatório de Bem-Estar e Teletrabalho 2022).

Estas condições têm potenciado a deterioração da saúde física e mental dos trabalhadores, culminando na “síndrome de burnout” e podendo eventualmente evoluir para estados de transtornos mentais mais avançados como a “depressão” (Organização Mundial de Saúde). Não é de estranhar que este adoecimento da população activa conduza inevitavelmente ao aumento do número de baixas médicas de longa duração e que, concomitantemente, propicie (ou potencie) a ocorrência de acidentes de trabalho que terão custos para todas as partes envolvidas, remetendo para a sobrecarga do Sistema Nacional de Saúde. Em suma, ninguém ganha, todos perdemos.

O Relatório de Bem-Estar e Teletrabalho 2022 alerta para a crescente automedicação na Europa pós-pandemia, colocando Portugal numa posição preocupante face ao consumo de suplementos alimentares sem prescrição médica (com 34%), o aumento do consumo de produtos legais de canábis (óleo CBD) que duplicou o consumo (antes 24% para 43,3%) e a melatonina (induz o sono) também com o aumento do consumo (antes 38% para 62,6%). Estes números preocupam os responsáveis dos oito países europeus (Alemanha, Áustria, Grã-Bretanha, Espanha, Itália, França, Portugal e Polónia) que colaboraram na realização do relatório, na medida em que o consumo destes produtos está relacionado com o aumento dos níveis de stress experienciado pelos trabalhadores, mas que pode despoletar outras perturbações e patologias mentais e aumentar o risco de acidentes de trabalho em contexto organizacional (Sistema Nacional de Saúde).

O “Quiet Quitting” poderá eventualmente ser entendido como uma possível estratégia de “coping” adoptada pelos trabalhadores. Esta estratégia pode ser entendida como uma medida de protecção em que o trabalhador segue à risca o cumprimento estrito do tempo e das tarefas para as quais foi contratado, numa tentativa de preservação do seu equilíbrio emocional e da saúde física e mental que não deve ser penalizada pelas empresas. No meu entendimento, urge compreender esta estratégia de dizer “não” à sobrecarga laboral, ao excesso de horas de trabalho e à falta de tempo de recuperação por parte dos trabalhadores, não como uma “desistência passiva”, mas como uma das muitas formas de lidar com as exigências que o mundo laboral actualmente apresenta. Esta pode ser uma via para reduzir os riscos psicossociais, a proliferação das doenças físicas e mentais, e reduzir o risco de acidentes de trabalho.

Em suma, acredito que o desafio deve ser lançado no sentido de envolver, de forma colaborativa, nos processos de avaliação de riscos psicossociais a todos os níveis hierárquicos. Em primeiro lugar, devem ser envolvidos os trabalhadores e, posteriormente, os gestores, os líderes, a segurança e saúde no trabalho, os psicólogos (do trabalho e da saúde), os terapeutas, a medicina do trabalho (para identificar os factores de risco psicossocial) e, consequentemente, agir sobre os mesmos para os mitigar de forma complementar e integrada. O investimento ao nível da segurança, da saúde e do bem-estar tem um impacto positivo na vida dos trabalhadores e das empresas, aumenta a competitividade e, consequentemente, diminui a incerteza dos tempos que se avizinham.

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