Randstad: «Devemos exigir lideranças autênticas, o walk the talk, a capacidade de decidir e marcar o caminho, mesmo quando reina a incerteza»

Considerar que, face à crise, as únicas dimensões que devem ser acauteladas são financeiras e de gestão, esquecendo a dimensão das pessoas, é aumentar o risco, não apenas de reputação, mas também de sustentabilidade do negócio. Por isso, o employer brand é mais importante do que nunca.

 

Isto mesmo defende Inês Veloso, directora de Marketing e Comunicação da Randstad Portugal, que não tem dúvidas de que «em momento de ansiedade e de crise, o employer brand é ainda mais importante, seja para criar segurança nos colaboradores seja para atrair talento». É a altura de mostrar a sua verdadeira identidade. Na Randstad, a sua essência esteve sempre focada nas pessoas, e isso «não vai mudar nunca. Se os conteúdos são novos, assim como o contexto, o posicionamento e a identidade da nossa marca é o mesmo», afirma a responsável.

 

Qual a importância do employer branding no tempo que vivemos?
O employer branding não é uma táctica para atrair e reter talentos, é sim uma dimensão de todas as empresas (marcas) que pode (deve) ser trabalhada. Quer isto dizer que, em momento de ansiedade e de crise, o employer brand é ainda mais importante, seja para criar segurança nos colaboradores seja para atrair talento, que, sendo mais pontual, é completamente cirúrgico para as organizações.

Assim como a marca, no sentido corporativo ou de produto, não pode parar e tem até uma responsabilidade para com a sociedade, o employer brand tem o seu “acid test” em momentos como este, em que tem não só de fazer campanha sobre si, mas mais ainda mostrar a sua verdadeira identidade.

 

Mas como se promove e incute a marca de empregador num contexto como o actual?
O employer branding vive com a empresa, porque em todas as acções – e até mesmo a inércia da empresa – contribuem para a sua identidade enquanto empregador. Na situação actual, foram vários os momentos que contribuíram para reforçar ou destruir o employer brand das organizações. A forma como a possível crise foi abordada antes da declaração do Estado de Emergência, a gestão do período de Estado de Emergência, a preparação para a retoma e toda a experiência do colaborador e dos candidatos durante estas fases. A empresa reforçou a sua proposta de valor (EVP – employee value proposition)? Ou, pelo contrário, contrariou?

Porque a sensibilidade dos colaboradores e dos vários stakeholders é muito elevada em período de crise, consideramos que é mesmo  um “acid test” ao employer brand das marcas, porque o que corre muito bem não será esquecido e o que corre mal é claramente amplificado.

 

Será que, “no meio” da crise, este tema não acabou por passar para segundo plano?
Se passou para segundo plano, é um erro que as organizações vão ter depois de pagar e vai sair caro. Considerar que, face à crise, as únicas dimensões que devem ser acauteladas são financeiras e de gestão, esquecendo a dimensão das pessoas é aumentar o risco não apenas de reputação, mas também de sustentabilidade do negócio.

É importante recordar que o employer branding está relacionado com dois conceitos: o de proposta de valor – EVP – e o propósito da organização. Se na reacção à crise e no novo normal a empresa deixa de trabalhar sobre estas dimensões, criando afastamento na sua relação com os colaboradores e retirando o seu papel na sociedade, ela torna-se dispensável, colocando em risco não apenas o seu employer brand mas toda  a sua reputação. Isto porque apesar do employer brand ser diferente do consumer brand, a verdade é que se influenciam, e as tendências geracionais que cada vez mais dão valor ao propósito das marcas vêm nos mostrar isso mesmo.

 

Como é que perspectiva que venha a ser “o dia seguinte”?
A pergunta que se impõe não é como será, mas sim quando será o dia seguinte. Porque a retoma está no dia de hoje, vivida com um vírus ameaçador e medidas que não são naturais na relação humana. Esta vai ser a nossa realidade ainda durante algum, ou mesmo muito, tempo.

Não sou pessimista, mas enquanto não houver uma cura ou uma vacina não podemos voltar atrás no tempo, e por isso temos de viver um dia a seguir ao outro, com a  nossa proposta de valor e propósito muito sólidos em todos os nossos processos de decisão, com um foco ainda maior nas pessoas, seja porque estas são o maior acelerador da retoma como também passaram a ser o maior risco para a continuidade do negócio.

No outro dia lia que não podemos perder o medo para que não nos desleixemos e vivamos com a sensação que tudo acabou, porque essa não é a realidade. Não sei se é medo ou se é consciência, bom senso, uma competência que vai prevalecer face a todas as outras, até que chegue o dia seguinte.

 

Como trabalharam – e como vão trabalhar agora o employer branding?
O employer brand não é uma campanha mas sim um trabalho contínuo, com resultados a médio e longo prazo. Na crise tivemos uma prova da identidade da marca e da empresa na sua relação com candidatos, colaboradores e stakeholders. Em algumas empresas foi mesmo preciso, num momento de crise, comunicar más notícias, perceber quando se podia voltar para o mercado, encontrar oportunidades sem ser oportunista.

No nosso caso, fomos actuando de acordo com o propósito da nossa marca, reforçando a ligação aos nossos clientes, garantindo que o mercado tinha as ferramentas para valorizar as pessoas, criando condições para o trabalho remoto e, ao mesmo tempo, para as funções de rua com condições de segurança, fazendo uma aliança com os nossos principais concorrentes para contribuir globalmente para este regresso em segurança, ao mesmo tempo que desenvolvemos localmente um plano de acompanhamento das nossas pessoas para o regresso ao trabalho.

Se os conteúdos são novos, assim como o contexto, o posicionamento e a identidade da nossa marca, esta sempre foi a nossa identidade, o propósito das nossas pessoas, que é fazer com que o trabalho tenha significado.

 

Como promovem esse trabalho contínuo – através de que acções – no âmbito do employer branding?
As nossas acções de employer branding trabalham tanto a componente de colaboradores como candidatos (para as nossas vagas e clientes), assim como a imagem da marca como entidade empregadora. Estas dimensões são trabalhadas em conjunto e a uma única vez pelo marketing, comunicação e recursos humanos.

Alguns dos programas são desenvolvidos a longo prazo, outros são mesmo campanhas de engagement ou de comunicação do nosso employer brand. Um dos exemplos recentes que podemos dar é o da campanha #EstamosAqui, que nos aproximou aos nossos clientes e candidatos e aumentou a união da equipa que, apesar de distante fisicamente, nunca esteve tão próxima. Exemplo foi o vídeo que pedimos apenas a dizer estamos aqui e que recebemos tantas participações que ti- vemos de o dividir em vários vídeos. Estes são momentos simples de interacção mas que reforçam o propósito da marca e o engagement com os trabalhadores.

 

Com grande parte dos colaboradores em teletrabalho, como se mantém ou cimenta a cultura da empresa?
O teletrabalho nas equipas internas não é novidade, pois já tínhamos um programa de “work from anywhere”, em que, mediante aprovação da chefia e consoante a função era possível, trabalhar uma vez por semana de qualquer lugar. Quando esta possibilidade foi implementada, a transformação não foi apenas nos equipamentos e no acesso a ferramentas, mas foi já um processo cultural, em que um dia à distância era considerado normal, garantindo a ligação entre as pessoas.

Com esta nova realidade foi mais fácil nestas equipas garantir essa aproximação, sendo que nas operações de contact centers conseguimos passar parte dessa experiência, e também do facto de já termos operações em que algumas pessoas trabalhavam remotas.

Mas a cultura é um processo constante e por isso fomos criando programas de engagement mais focados no contexto e do impacto do mesmo nas pessoas, como seja a criação de um diário em que as pessoas podiam partilhar o que quisessem, podiam desabafar, as sextas-feiras que mostram o lado B dos nossos trabalhadores, um café virtual sempre aberto entre as equipas. As iniciativas multiplicaram-se, mas sempre assentes na mesma marca, na nossa identidade e proposta de valor. Resultado disso é o nosso questionário interno de engagement neste período, além de aumentar o número de respostas, reflecte maior engagement.

 

O que é que mudou com a pandemia na forma de as empresas olharem para o tema do employer branding?
Acredito que algumas colocaram em segundo plano e vão ter as consequências deste esquecimento, outras fizeram acções de forma exímia e outras ainda, mesmo sob outro chapéu, desenvolveram e implementaram acções alinhadas com a sua identidade de marca enquanto empregadores, reforçando a sua humanidade e focando-se nas suas pessoas. Acreditamos que este é um momento crítico para esta valorização, não apenas pelo risco que as pessoas representam, mas mais ainda porque percebemos a importância que têm para garantir a continuidade do negócio, a agilidade para novos contextos, a criatividade para responder a cenários nunca sonhados.

Esta humanização é mais fundamental do que nunca, e vai ser decisiva para que tudo fique efectivamente bem.

 

E na Randstad mudou alguma coisa na estratégia de employer branding previamente pensada?
Não, a nossa estratégia está definida a nível global e está alinhada com a nossa missão e os nossos valores. O que mudou foram as acções que tínhamos previstas para uma realidade que foi alterada, mas a nossa essência focada nas pessoas não vai mudar nunca, assim como a preocupação com a segurança das mesmas e com o emprego.

 

Depois de termos sido todos postos à prova com uma situação extrema e inesperada, qual é hoje o papel exigido aos líderes e às lideranças?
O que exigimos aos líderes são lideranças autênticas, o walk the talk, a capacidade de decidir e marcar o caminho, mesmo quando reina a incerteza e a imprevisibilidade. Mas esta exigência não é nova, já existia, já a tínhamos, apenas éramos mais tolerantes quando alegados líderes se esqueciam do seu papel.

A pandemia veio aumentar a sensibilidade e a exigência com as lideranças. Agora não dá para fingir ou não ser, temos de assumir a nossa liderança individual e colectiva para que tudo fique bem, para a retoma em segurança, para nos protegermos uns aos outros, uns dos outros.

 

Esta entrevista faz parte do Caderno Especial “Employer Branding”, publicado na edição de Maio da Human Resources.

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