
Randstad: Um mercado de trabalho onde seja bom estar
O mercado de trabalho tem mudado a um ritmo muito intenso, com a imposição de novas tendências e necessidades dos trabalhadores a surgirem de forma orgânica, ao mesmo tempo que se colocam novos desafios às empresas na gestão do talento.
Por: Mariana Canto e Castro, directora da área de Recursos Humanos da Randstad
O já quase esquecido ano de 2020 não só marcou um novo posicionamento que parece ter vindo para ficar, como nos obrigou a todos – cidadãos, trabalhadores, empresas, líderes, gestores e decisores políticos – a olhar para outros ângulos do nosso “relacionamento” com o trabalho.
A forma de trabalho hibrida é talvez o tema mais evidente. Com o crescente recurso a essa forma de trabalhar, a necessidade de equilíbrio entre as horas de trabalho e a vida pessoal tornou-se uma necessidade quase imperativa. Estas novas realidades impuseram mesmo alterações às leis laborais, com a introdução, por exemplo, do “direito a desligar”, ou de projectos piloto sobre a semana de quatro dias.
A saúde mental é a base de onde tudo o resto deriva. Por norma, não existe consciência do quão fundamental e essencial este tema é, até porque não nos questionamos sobre a nossa própria saúde mental. Mais, não aceitamos com facilidade que a mesma possa não estar na sua melhor forma. Existem dogmas, estigmas, enviesamentos sociais, familiares, profissionais, todo um quadro de negação, recusa, rejeição e desvalorização destas situações, quando elas são, de facto, a causa primordial de tudo. Se a nossa saúde mental não estiver bem, nada mais em nós funciona como poderia.
A Organização Mundial de Saúde prevê que em 2030, pelo menos 500 milhões de pessoas em todo o mundo estarão diagnosticadas com quadros de saúde mental, e mais de 50% dessas pessoas terão menos de 18 anos. São números muito impactantes: em primeiro lugar porque 2030 é já daqui a cinco anos; depois, porque 500 milhões é um número enorme, e é uma estimativa “por baixo”. E, finalmente porque se pelo menos 50% dessas pessoas terão até 18 anos, estamos a falar de uma população mundial que hoje tem no máximo 13 anos e que já não está saudável. Em termos de sociedade, de mercado de trabalho e de vida empresarial, é um quadro muito complexo.
Perante este cenário, estão as empresas a ser capazes de acolher estas necessidades e de se readaptar, confiantes de que os benefícios que derem aos seus trabalhadores se podem vir a reflectir num aumento da produtividade? Na Randstad, temos procurado trilhar um caminho que permita às empresas acomodarem estas necessidades e tornarem-se cada vez mais parte de um mercado de trabalho em que seja bom estar.
Em cerca de sete anos, evoluímos de forma segura e consistente e colocámos o bem-estar organizacional num plano alinhado com a estratégia empresarial. Evoluímos desde a fase de oferecer massagens e manicure a preços reduzidos aos colaboradores, para verdadeiros programas orgânicos, holísticos e que visam trabalhar as pessoas de forma integrada, como uma entidade única humana e profissional, que tem de estar bem e feliz para ser produtiva e que, ao ser produtiva, não perca a sua essência humana, que é génese de tudo.
Que bem-estar procuram os trabalhadores?
De acordo com um estudo da Randstad, 62% dos líderes na área de gestão de pessoas reconhecem que um programa de bem-estar é extremamente ou muito importante para atrair talento. No entanto, em primeiro lugar, é importante que as empresas, e nomeadamente aqueles que nelas ocupam cargos de gestão e liderança, percebam que tipo de bem-estar procuram os trabalhadores.
Existem quatro pilares fundamentais do bem-estar: físico, mental, social e financeiro. O conceito de bem-estar financeiro é o mais simples de compreender, também porque é o que está há mais tempo inerente às necessidades dos trabalhadores. Está relacionado com o facto de o trabalhador sentir que a sua remuneração está ajustada ao seu desempenho, funções e responsabilidades e àquilo que a empresa espera de si. Em muitos casos, este factor é preponderante para os trabalhadores. No entanto, este é um panorama que pode estar a mudar, ou seja, mesmo que o salário continue a pesar muito na hora de escolher um trabalho, existem outros factores que começam a ganhar relevância e que estão indirectamente relacionados com as outras áreas do bem-estar: físico, mental e social.
O bem-estar físico também tem ganho algum peso para os trabalhadores ao longo dos últimos anos, com muitas empresas a oferecer benefícios ligados à saúde, como os seguros de saúde, o acesso a ginásio no edifício dos escritórios ou até de consultas de nutrição. A grande novidade e mudança parece, então, estar no bem-estar mental e social.
O período da pandemia e do pós-pandemia lançou um repto para a sociedade e para o mercado de trabalho em particular, ao qual ninguém conseguiu ficar indiferente. Para muitos, a sobreposição entre as horas de trabalho e o tempo pessoal ou isolamento levantaram problemas de saúde mental. Ao mesmo tempo, a chegada de novas gerações ao mercado de trabalho colocou em cima da mesa novas prioridades como a conciliação entre vida pessoal, familiar e profissional. Igualmente, a pressão por resultados, a necessidade de as empresas recuperarem de situações pós pandemia menos favoráveis e o rimo da vida diária geram, muitas vezes, cenários de stress excessivo.
É essencialmente aqui que entra a questão da flexibilidade de horários e local de trabalho, e o peso que hoje assume nas prioridades dos trabalhadores. De acordo com o Workmonitor divulgado pela Randstad no início deste ano, 24% dos inquiridos abandonariam um emprego caso este não oferecesse flexibilidade suficiente. No entanto, a questão coloca-se ainda no recrutamento. O mesmo estudo mostra que 42% não aceitaria um emprego sem flexibilidade no horário de trabalho, enquanto 36% rejeitaria ofertas que não permitissem flexibilidade no local de trabalho, como a possibilidade de trabalhar a partir de casa.
A somar a tudo isto está, por fim, o bem-estar social, que se manifesta não só num ambiente de trabalho positivo em que os trabalhadores gostem de estar, mas essencialmente na criação de um sentimento de pertença e de contribuição para a sociedade. O mesmo Workmonitor revela que quase metade dos inquiridos (46%) deixaria um trabalho onde não encontrasse um sentimento de pertença e que não se importariam mesmo de ganhar menos dinheiro se tivessem bons amigos no trabalho (25%), se o trabalho contribuísse mais para a sua vida social (29%) ou se sentissem que o seu trabalho estava a contribuir de alguma forma para a sociedade ou para o mundo (31%).
Os benefícios dos programas de wellbeing para as empresas
Apesar de ser um fenómeno relativamente recente, a verdade é que os benefícios dos programas de wellbeing prendem-se, em primeiro lugar, com resultados bastante primários: trabalhadores saudáveis, tanto em termos físicos como mentais, são trabalhadores presentes, com maior probabilidade de se apresentarem ao trabalho todos os dias. No final do dia, esta presença contribui para a consistência da equipa e dos fluxos de trabalho e para a produtividade da empresa.
Esta produtividade também aumenta quando os trabalhadores desenvolvem um sentimento de pertença à empresa ou instituição em que trabalham. Recuperando o Workmonitor 2025, mais de oito em cada 10 inquiridos afirmam que o sentimento de pertença melhora o seu desempenho e o bem-estar no local de trabalho. No fundo, o que estes dados nos mostram é que trabalhadores que se sentem integrados têm mais interesse e motivação para contribuir para os objectivos da empresa, porque, em parte, também os consideram os seus objectivos pessoais.
O sentimento de bem-estar e de pertença a uma instituição também contribui para a retenção de talento, na medida em que profissionais que são mais felizes no seu ambiente laboral tendem a criar um sentimento de ligação emocional à empresa e a ter mais dificuldade em procurar alternativas noutras empresas. Sentindo-se bem no seu ambiente de trabalho, é menos provável que um trabalhador se sinta desgastado, ainda que tenha um elevado volume de trabalho.
Bem-estar, sim, mas como implementá-lo?
Por vezes existe uma percepção, essencialmente errada e baseada em conceitos de gestão um pouco datados, que os temas de wellbeing impactam negativamente as empresas, pois alegadamente entende-se que o facto de o trabalhador fazer uma pausa a meio do dia para um momento de meditação, uma consulta, uma sessão de terapia, um momento de descanso, pode afectar negativamente a sua produtividade. Diversos estudos científicos provam precisamente o contrário. Estudos na área da neurociência desenvolvidos durante o século XX demonstraram que um adulto conseguia estar plenamente concentrado durante cerca de dois minutos e meio, período ao fim do qual o seu cérebro se distrai e tem necessidade de se voltar a focar. À medida que o tempo vai passando na jornada de trabalho, e sem descansar, esta necessidade de “refocar” vai aumentando. Assim, as longas jornadas de trabalho seguidas, ou o “presentismo” (que algumas empresas tanto insistem ser a solução mágica) são falsas soluções e, na verdade, contraproducentes.
Na era da distração em que vivemos, esse tempo médio de atenção plena do cérebro humano é, segundo estudos científicos de 2020, de cerca de 45 segundos, pelo que a importância das pausas para “limpar” e “desintoxicar”, recentrar e recomeçar são cada vez mais importantes. Esta percepção não é, porém, pacificamente aceite.
Na Randstad, estamos atentos a estas tendências e temos procurado implementá-las não só nas práticas internas, mas também no apoio que damos aos nossos clientes. Somos muito adeptos das novas tecnologias em tudo aquilo que estas nos permitam atingir um maior número de pessoas, criar mais e melhores benefícios, fazer mais com menos esforço e com um investimento sustentado. Consultas de apoio psicológico dadas através de plataformas online nossas parceiras são uma forma muito positiva de aplicar este benefício.
As apps são, igualmente, instrumentos muito úteis, seja para a medição do exercício físico realizado, seja para controlos nutricionais, comunicação com médicos de apoio ou até mesmo alguns esclarecimentos mais simples. Actualmente, existem soluções muito boas e interactivas que permitem informação relevante em tempo real.
Também ao nível da Inteligência Artificial (IA), alguns dos nossos estudos mais recentes mostram que estas ferramentas podem ter um papel importante ao medir o bem-estar dos colaboradores, ajudando a conhecer melhor as suas opiniões e emoções, permitindo adaptar a oferta da empresa às necessidades dos colaboradores, para que sintam que existe verdadeiramente uma vontade de proporcionar um ambiente de bem-estar. No entanto, estando ainda a IA numa fase primária e encontrando- -se ainda a Randstad a definir a forma como a mesma pode e deve ser ética e rigorosamente integrada em situações tão sensíveis como a gestão de pessoas, recomendamos atenção redobrada a estes temas.
Há sempre espaço para fazer mais e melhor. Programas e actividades que agora são opcionais e add-ons face ao que é exigido, irão a pouco e pouco transformar-se no core do que é considerado essencial para o apoio aos colaboradores. O bem-estar, não só físico, mas também emocional, é algo que tem de estar em cima da mesa nas empresas.
Os líderes têm de começar a interiorizar que terão de passar a integrar nas suas conversas de feedback, nas suas sessões de avaliação, temáticas relacionadas com wellbeing. E não nos referimos ao simpático “como te sentes?”; terão de ir mais fundo do que isso. Terá de ser estabelecida a ligação entre o estado emocional do colaborador e a sua performance, bem como a forma como cada um destes vectores alimenta o outro.
O acompanhamento da saúde emocional tem de ser encarado como prioridade para as empresas; o desenvolvimento de soft skills comportamentais que tenham reflexo directo em questões de bem-estar tem de fazer igualmente a ponte com as áreas de Learning & Development das empresas. Ainda vamos mais longe: têm de ser criadas métricas que estabeleçam uma ligação directa entre objectivos de negócio e wellbeing, e deve ser definida uma estratégia corporativa transversal de wellbeing, alinhada com a estratégia de RH e com a estratégia de negócio.
Estas temáticas têm de ser vistas como aquilo que são: um mapa com inúmeras ramificações, todas interligadas e que conduzem ao núcleo duro de tudo: o colaborador, o ser humano que é e que tem de estar no seu melhor, em todos os aspectos.
Para os profissionais dos Recursos Humanos e do sector do trabalho, é crucial estarmos atentos a estas mudanças e questionarmos se as práticas que implementamos nas nossas empresas continuam a estar adaptadas às novas necessidades dos nossos colaboradores. Pode existir a tentação de pensarmos que o que funcionaria para nós pode funcionar para todos os nossos colegas. No entanto, o segredo dos programas de bem-estar organizacional nas empresas talvez esteja em saber adaptá-los e perceber que diferentes benefícios podem ter diferentes valores para diferentes colaboradores. No final do dia, o bem- -estar dos nossos colaboradores será certamente o sucesso e o futuro da nossa empresa.
Este artigo faz parte do Caderno Especial “Saúde e Bem-estar” que foi publicado na edição de Março (nº. 171) da Human Resources.
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