Regresso aos escritórios? Vai privilegiar-se a reorganização dos espaços mas tão cedo não se verão equipas inteiras no mesmo local

Redução e reorganização dos espaços de trabalho. Na opinião de Nuno Garcia, director-geral da GesConsult, serão estas as palavras-chave nos escritórios “do futuro”, que serão menos baseados no local e mais nas valências e nas condições de trabalho que oferecem.

Por Sandra M. Pinto

 

«Durante anos, os escritórios foram acomodando mais pessoas em espaços relativamente pequenos, em atmosferas colaborativas. Agora, observa-se o movimento inverso», salienta Nuno Garcia, em entrevista exclusiva à Human Resources. «Esta realidade já está a exercer pressão sobre os gestores de imóveis, com as empresas a procurarem reduzir custos nos espaços que ficaram repentinamente desocupados.»

 

Sendo a GesConsult uma empresa centrada na gestão e prestação de serviços nas áreas de engenharia e imobiliário, de que forma a pandemia interferiu com a vossa actividade? 

O impacto da pandemia na Construção deu-se, de forma muito visível, ao nível dos critérios de segurança. Sendo um dos poucos sectores da Economia que não chegou a parar a sua actividade – reflectindo a capacidade de adaptação do sector e apresentando-se como um pilar da economia, já que representa 15% do PIB nacional –, foi necessária uma resposta conjunta forte para garantir que as dinâmicas de trabalho se mantinham controladas.

Quase seis meses passados, verificamos que o sector se mantém dinâmico, os investimentos continuam e existem até segmentos de mercado com movimentações interessantes, como é o caso do dos escritórios, segmento que tem reagido de forma muito positiva às mudanças e está a mostrar grande capacidade de adaptação, algo fundamental para o país continuar atractivo, competitivo e seguro enquanto destino empresarial.

 

Sendo que a actividade não parou, para além das medidas de segurança, houve também necessidade de capacitar as vossas pessoas com novas competências?

À semelhança do que muitas outras empresas fizeram, também nós assumimos o modelo de trabalho remoto para assegurar a continuidade das funções de gestão durante o pico da pandemia, mas mantendo o acompanhamento das obras no local, sempre que necessário.

A GesConsult, no seu trabalho de gestão e fiscalização, já fazia também coordenação de segurança em obra, pelo que os nossos técnicos já estavam muito alerta para as questões da segurança e higiene. Neste sentido, não foram necessárias novas competências, mas sim um ajuste, tendo em conta o panorama pandémico, que exigiu a tomada de medidas concretas, além de um reforço na sensibilização dos profissionais em obra, de forma a garantir que todos estavam esclarecidos e alinhados com as novas regras.

 

Quais as alterações que a ‘nova realidade’ está a trazer aos espaços de trabalho, nomeadamente aos escritórios de muitas empresas? 

Os espaços de co-working, que tanta procura tiveram antes da pandemia, com a proliferação de soluções de partilha nas grandes cidades, são, talvez, os mais impactados, já que a sua dinâmica é oposta à agora recomendada: menos partilha e menos pessoas nos espaços.

De resto, apesar do teletrabalho, nota-se alguma movimentação nos escritórios. Mesmo aqueles que se sentem perfeitamente confortáveis ​​a trabalhar a partir de casa, irão querer variar nos espaços onde o fazem. As pessoas farão o possível para não trabalharem apenas nos seus escritórios domésticos, até porque diferentes espaços e ambientes permitem uma qualidade diferente de produtividade individual e colectiva.

No caso das empresas com escritórios não partilhados, é potencialmente mais complexo rastrear eventuais infecções e gerir protocolos de segurança em instalações maiores. De qualquer forma, penso que tão cedo não se verão equipas inteiras no mesmo local, uma vez que o trabalho remoto vai manter-se presente na estratégia dos negócios. Vai-se privilegiar a reorganização dos espaços de forma a criar zonas de trabalho mais amplas e desafogadas, que permitam garantir o distanciamento entre as pessoas, incentivar um menor contacto nas zonas comuns e aproveitar as áreas exteriores, mais arejadas, no caso das instalações com essa valência.

 

O que mudará na construção e na gestão dos escritórios?

No futuro próximo, é de esperar que os edifícios de escritórios se localizem em zonas centrais das cidades, de fácil acesso a pé, por bicicleta ou outras formas de mobilidade urbana que minimizem a utilização de transportes públicos.

Outro aspecto relevante será o investimento em salas de reuniões equipadas com sistemas que permitam a realização de videochamadas com qualidade, uma prática que se instituiu nesta pandemia e que veio alterar muitos dos hábitos – e custos – de deslocação anteriores.

O aumento das áreas dedicadas a zonas ‘sociais’, como as copas e os vestiários, vai igualmente fazer parte das alterações a que vamos assistir, acompanhando as orientações de distanciamento para maior segurança de todos. É expectável que se procurem também incluir espaços ao ar livre, pequenos jardins ou áreas arejadas.

Os novos edifícios de escritórios terão também circuitos específicos de acesso e movimentação, que evitem contactos desnecessários e facilitem os fluxos de entradas e saídas dentro dos edifícios.

 

Que aspectos práticos são agora prioritários?

Neste momento, os principais aspectos práticos tidos em consideração pelas empresas passam pela reorganização dos espaços, por novas regras de utilização das zonas comuns e pela disponibilização de desinfecção em todas as divisões e acessos, em complemento à utilização individual das máscaras de protecção.

No contexto da reorganização dos espaços, a instalação de barreiras físicas entre os postos de trabalho é uma realidade, a par da criação de zonas de trabalho e de convívio mais amplas, que garantam o distanciamento recomendado entre as pessoas.

Em termos de adaptações a funcionalidades que anteriormente exigiam manuseamento ou contacto e agora se evitam para minimizar riscos de propagação do vírus, aumentaram as instalações de sistemas integrados de gestão de acessos – como a abertura de portas com cartão magnético -, cresceu a preferência pelas opções contactless  -como as torneiras com sensor – e aumentou também a procura por soluções de ventilação mais eficientes e com controlo remoto.

De uma maneira geral, os espaços com zonas exteriores, amplas e arejadas, são hoje ainda mais valorizados.

 

Quais são agora as preocupações dos vossos responsáveis de projecto e respectivas equipas?  

Mais do que nunca, as preocupações de quem está à frente das empreitadas é garantir a segurança das equipas que estão no terreno, certificar que as orientações emitidas pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) são seguidas e manter os projectos a avançar com as adaptações necessárias.

As obras têm especificidades que trazem alguns desafios extra, como o elevado número de pessoas a circular, a partilha de ferramentas e até questões culturais, já que as equipas se caracterizam muitas vezes pela multiplicidade de culturas, algumas com formas de estar e regras de higiene bem distintas das nossas. O importante é garantir um esforço continuado para contenção do risco.

 

Na sua opinião, como serão os escritórios deste novo normal?  

Acredito que venha a prevalecer um modelo híbrido, de teletrabalho e funcionamento das equipas nos escritórios, pelo que deveremos assistir a uma redução e reorganização das áreas.

Durante anos, os escritórios foram acomodando mais pessoas em espaços relativamente pequenos, em atmosferas colaborativas. Agora, observa-se o movimento inverso e, mesmo nos casos em que há um regresso faseado aos escritórios, é feito através da rotatividade dos postos, o que significa que as equipas nunca estão todas em conjunto nos espaços.

Esta realidade já está a exercer pressão sobre os gestores de imóveis, com as empresas a procurarem reduzir custos nos espaços que ficaram repentinamente desocupados. Mesmo fechados, os escritórios representam uma despesa significativa e isso é algo que vai ter de ser repensado pelos players envolvidos – os escritórios do futuro serão menos baseados no local e mais nas valências e nas condições de trabalho que oferecem.

 

Qual o impacto deste “novo normal” no dia-a-dia dos negócios das empresas?

Se houve aspecto que a pandemia veio mostrar foi que é possível garantir a continuidade dos negócios através do trabalho remoto. Para as empresas que já tinham as suas estruturas montadas na cloud, essa transição foi mais rápida e suave, mas mesmo para as que foram ‘obrigadas’ a actualizar-se e a aderir à transformação digital, houve um esforço grande para não parar completamente.

Diria que o ‘chip’ mudou automaticamente a partir do momento em que se percebeu que o isolamento social ia manter-se não durante semanas, mas durante meses, e que as habitações de milhões de pessoas teriam de substituir os escritórios.

Seria importante que muitas empresas que estavam a ponderar mudar-se para Portugal ou abrir delegações no nosso país mantivessem os seus planos, mas a centralidade dos edifícios e a facilidade de acesso através de alternativas de micromobilidade serão critérios relevantes para a sua fixação em determinadas zonas das cidades.

 

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