Remuneração não é só dinheiro: Como dar mais às pessoas, sem hipotecar o futuro da empresa

Num contexto de acentuada inflação e aumento do custo de vida, como podem as empresas apoiar os seus profissionais sem hipotecar o futuro do negócio? A escassez de talento também se agudiza e, num mercado de trabalho cada vez mais global, as empresas em Portugal não conseguem competir pelos salários. Podem os benefícios flexíveis ser a resposta? Sete especialistas analisam o tema em mais um Pequeno-Almoço Debate da Human Resources.

 

Por Ana Leonor Martins | Fotos Nuno Carrancho

 

Se tudo aumentou para as pessoas, o mesmo aconteceu na cadeia de abastecimento das empresas. No início do ano, várias organizações anunciaram aumentos acima do habitual, mas mesmo assim abaixo da inflação. Outras atribuíram prémios monetários excepionais. Mas a solução que parece ser encontrada por cada vez mais empresas é a aposta nos benefícios flexíveis. Hoje, estão muito para além do seguro de saúde. A variedade é enorme e podem ser atribuídos “à medida”: do bem-estar à formação, passando pelo lazer. Por outro lado, e não menos importante, é também um factor diferenciador na atracção e fidelização de talento, algo que assume particular relevância num contexto de escassez de talento.

Assim, em Fevereiro passado, a Human Resources promoveu mais um Pequeno-Almoço Debate (no Vila Galé Ópera, em Lisboa) para perceber o que estão as empresas a fazer em termos de benefícios flexíveis, qual a receptividade dos colaboradores e quais os que mais valorizam, quais as tendências, em que patamar estamos, e para onde podemos evoluir. Para isso, contámos com especialistas, quer de empresas prestadoras de serviços neste âmbito, quer das que os contratam, e ainda de um advogado, para ajudar a perceber as questões legais. Participaram: Ana Amado, directora de Flex Benefits da WTW; Ana Rita Lopes, directora de Recursos Humanos da Delta Cafés/ Grupo Nabeiro; Filipa Martins, directora-geral da Edenred Portugal; Mafalda Gonçalves, Total Rewards manager na Galp; Miguel Ros Galego, Country Business leader da Mercer Marsh Benefits; Miguel Santo Amaro, CEO e co-fundador da Coverflex; e Nuno Ferreira Morgado, partner da PLMJ Advogados.

 

Os benefícios mais desejados
A partilha começou do lado das empresas, com a corroboração da ideia de que, de facto, as empresas estão a apostar cada vez mais em benefícios flexíveis e a aumentar o leque disponível. A evolução tem-se feito no sentido de passar de uma lógica single benefit para uma lógica mais abrangente e que permita maior flexibilidade, multibenefícios.

Apresenta-se um caso concreto. Com um programa que começou em 2018, o plano de benefícios flexíveis desta empresa surge associado à remuneração variável e, ao longo dos anos, têm sido acrescentados mais benefícios. «O plano já está bastante robusto», com mais de 20 benefícios à disposição das pessoas, distribuídos por cinco categorias: «Educação e formação profissional; tecnologia – que engloba por exemplo o homeoffice, algo bastante valorizado pelos colaboradores –; reforma, com diferentes fundos de pensões; a saúde, com cerca de 10 planos, complementares ao seguro de saúde já garantido pela empresa; e a mobilidade, que inclui passes sociais e estacionamento, por exemplo», partilhou-se. «O benefício educação é muito valorizado, sobretudo na categoria infância, mas o benefício que é mais relevante de forma transversal é o da tecnologia. Mais de metade das pessoas escolhe a tecnologia como benefício. E depois a saúde, apesar de o seguro já ser bastante completo, esta complementaridade é bem-vinda e valorizada.»

Este testemunho vai ao encontro da experiência de outro especialista presente, que revela que, de acordo com utilizadores dos planos flex que disponibilizam, o seguro de saúde continua a ser o mais procurado pelas pessoas, de forma complementar àquilo que é oferecido pelas empresas. Ganhou especial relevância num contexto em que o seguro de saúde oferecido pelas empresas sofreu, essencialmente no último ano, um agravamento por parte das seguradoras. Confirma-se também que «a tecnologia é definitivamente uma tendência, um benefício cada vez mais procurado» e acrescentam-se mais dois: o tema da literacia financeira, associada a planos de investimento e planos de reforma, e dos dias de descanso. «Cada vez mais, vemos as pessoas a olhar para o bem-estar, assim como as áreas de Recursos Humanos também. As pessoas querem investir na possibilidade de ter descanso adicional.»

Por outro lado, faz-se a ressalva: «Uma coisa é ter as bolsas de benefícios flexíveis disponíveis, outra diferente são as pessoas que aderem, a taxa de utilização, e, no nosso caso, está nos 60%, por isso ainda há um caminho a fazer. Temos de trabalhar com as áreas de Recursos Humanos e, se calhar, não olhar tanto para o benefício fiscal – está lá e é importante –, mas sim para o benefício adicional àquilo que é a compensação total do colaborador.»

Ainda que seja cada vez mais uma opção para as empresas, ainda não o é em todas, como se reconhece. «Não temos benefícios flexíveis, mas é um caminho que estamos a explorar e que vamos sem dúvida fazer. Está actualmente em cima da mesa. A verdade é que ainda não avançámos porque há perguntas para as quais ainda não temos resposta. Somos um grupo de empresas, queremos assegurar transversalidade, mas 50% do nosso efectivo não está na cidade, por isso não tem o mesmo acesso a grande parte dos benefícios que aqui foram falados, como as creches privadas, por exemplo. Temos uma franja da população que usaria, mas não podemos criar benefícios só para uns. Os desafios não nos podem paralisar, mas têm adiado a decisão, porque queremos algo que acrescente de facto valor, que seja visto como uma “coisa boa” por todos, e não só “para inglês ver”.» Mais: «Há também desafios fiscais associados, e tudo isto se traduz em amarras na aplicabilidade. Deveria ser mais fácil, haver menos amarras e mais mecanismos à disposição das empresas para não usarem só salário para compensar os seus trabalhadores.»

No mesmo sentido, partilha-se: «Estávamos a aumentar em dois ou três milhões os custos de payroll, e as pessoas não tinham essa percepção. As empresas até estão dispostas a investir mais e, apesar de o tema fiscal também ser fundamental, uma das grandes questões passa por terem receio que os colaboradores não percebam o valor.»

A questão da “diversidade populacional” é sem dúvida relevante, sendo que a utilização é obviamente diferenciada consoante estejamos a falar de quem trabalha em Lisboa, em funções mais corporativas e de negócio, ou dos operacionais, onde a taxa de utilização é claramente mais baixa. «Isso tem sobretudo a ver com localização e não com a função», defende-se, considerando que, mesmo em relação aos seguros de saúde, existe uma considerável diferença de percepção consoante se se está a falar de grandes centros urbanos ou no interior. «Quanto mas não seja, porque a oferta é muito menor. Tal como a questão do passe ou da mobilidade, que sofreu grandes alterações como consequência da implementação do homeoffice.»

 

Leia a entrevista na íntegra na edição de Março (nº. 147) da Human Resources, nas bancas. 

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