Reportagem: Filhos que seguem as pisadas profissionais dos pais

São vários os exemplos de filhos que seguem as pisadas dos pais nas escolhas profissionais. Mas o que leva os mais novos a seguir o mesmo caminho dos progenitores? Foi a pergunta que serviu de ponto de partida para abordarmos o tema. Com vista a um maior esclarecimento, falámos com Peter Villax, presidente da Associação das Empresas Familiares, e recolhemos os testemunhos de Duarte Leal da Costa, Bernardo Leal da Costa, e Duarte Leal da Costa, da Ervideira, e Rodrigo Silva Gomes e Matilde Silva Gomes, da Lola Normajean.

Por Sandra M. Pinto

Em Portugal as empresas familiares são transversais a todos os sectores e dimensões. Apesar de não existirem dados concretos sobre o número de empresas familiares em Portugal, estimativas que não são questionadas indicam que 70% a 80% do tecido empresarial português é composto por este tipo de organizações e que estas geram 65% do Produto Interno Bruto e 50% do emprego. «Mas seria muito desejável que houvesse números oficiais», começa por sublinhar Peter Villax, presidente da Associação das Empresas Familiares, esclarecendo que a associação tem por missão «fazer um esforço para que estas empresas tenham uma gestão profissional, definam claramente o papel da família na empresa e seus os valores, assim como planos de sucessão definidos».

«Do ponto de vista de gestão, os objectivos mais importantes neste momento são a transformação digital e a inovação em todos os domínios – processos, produtos, serviços e mercados, fulcrais hoje para o sucesso de qualquer empresa», acrescenta Peter Villax, que não acredita que surgimento de novas profissões possa levar a uma quebra de novos negócios familiares. «Essas mudanças não têm uma grande influência na forma como as famílias decidem ou não decidem fazer as suas empresas», afirma, acrescentando que onde pode haver uma ligação é quando aparecem novas indústrias. Estas por norma baseiam-se em novas tecnologias, e quando «surge um alinhamento dos astros muito propício ao lançamento de novas indústrias, tudo acontece», refere, «é por isso que as maiores empresas familiares (e não só) só o são porque souberam aproveitar esse timing certo, e o timing é tudo para a criação de novas empresas». Mas se as mudanças são importantes para aproveitar as oportunidades que estas abrem, podem também ter consequências trágicas para quem as ignora, reforça, dando como exemplo a Kodak, empresa que inventou a máquina fotográfica digital e que procurou matar a própria invenção, colocando em risco o seu negócio de filme e das câmaras baratas. «Perderam tudo: perderam os filmes, perderam as máquinas fotográficas e quando tentaram entrar nas máquinas digitais, já a Canon, a Olympus, a Fuji e a Nikon tinham tomado conta do mercado».

O que diferencia as empresas familiares

Peter Villax sublinha que aquilo que distingue as empresas familiares é, sobretudo, a resiliência e a prudência, sempre em conjunto com uma capacidade extraordinária de se adaptarem ao mercado. «Nisso são campeãs», reforça, «é muito simples: as Kodaks deste mundo são um bom aviso a todas as empresas para o que lhes pode acontecer se não seguirem a mudança. Um dia acordam e não há mercado». Para o presidente da Associação das Empresas Familiares é interessante constactar que as empresas que têm mesmo um grande sucesso, são as que lideram a mudança, aquelas que desafiam o consumidor tanto ou mais do que os concorrentes. «O sucesso sorri aos insatisfeitos, aos irrequietos», refere, «aquelas empresas que se deslumbram com o seu sucesso, como a Nokia e a Blackberry, desaparecem; a Apple do Steve Jobs venceu; resta ver o que acontece à Apple do Tim Cook».

As empresas familiares têm de viver a inovação no seu dia-a-dia e fazer disso um dos seus principais motores de desenvolvimento. Organizações como a Renova ou como a GL-Sonatural, têm o êxito e o reconhecimento de que gozam actualmente nos mercados mundiais assente em produtos altamente inovadores, «é esse o caminho que queremos que todos alcancem». E, mesmo em empresas mais antigas, «vemos muito a inovação, pois foi isso que lhes permitiu vingar até hoje», acrescenta, dando como exemplo a Delta. «O Rui Miguel Nabeiro fez um estágio numa empresa estrangeira no princípio da sua carreira onde viu o potencial das cápsulas de café. Quando regressou, tratou de lançar o negócio das cápsulas na Delta, justamente o segmento que aquentou a empresa familiar durante a pandemia, já que com os cafés fechados, foi em casa que as pessoas passaram a beber o cafezinho…de cápsula», relembra.

Ervideira: uma família no meio das vinhas alentejanas

A Ervideira é uma empresa produtora de vinhos localizada no Alentejo, em Portugal. Com cerca de 160 hectares de vinha, tem desde 2002 a sua própria adega, na Herdade da Herdadinha, na Vendinha, perto de Reguengos de Monsaraz. À frente dos destinos da empresa pais e filhos, juntos, como sempre foi e como desejam que seja. Duarte Leal da Costa, é o director executivo da Ervideira, enquanto o filho Bernardo Leal da Costa é o responsável comercial e o filho Duarte Leal da Costa tem a responsabilidade do enoturismo e compras.

«Os pais são sempre os “heróis” para os filhos», começa por referir o pai Duarte Leal da Costa, «pelo exemplo de vida que lhes transmitem». Aliado a isso, «quando os pais se mostram motivados e entusiasmados com o que fazem, transmitem essa mensagem com vibração aos filhos o que leva a que estes se interessem pelas suas actividades», acrescenta, o director executivo da Ervideira, acrescentando que, posteriormente, esse interesse, tem dois caminhos «ou se mantém ou vira paixão, o que os leva a focarem-se também nesta actividade e a traçarem os seus percursos já com esse objectivo de vida».

Mas haverá riscos versus benefícios para os filhos pelo facto de seguirem a mesma carreira dos pais? Bernardo Leal da Costa acredita que em qualquer atividade, há riscos, «pelo que os pais devem preocupar-se em passar um sonho e não um pesadelo, sendo que por vezes as distâncias entre ambos são curtas». Para Bernardo, é um facto que estar toda a família na empresa tem um risco acrescido devido a base de rendimentos ser toda a mesma assim como a probabilidade de não se concordar em tudo é alta, no entanto, «o foco deve ser sempre andar para a frente e diferentes educações escolares e pontos de vista podem ser grandes mais-valias para uma empresa, factores que aliados a uma paixão mútua que existe em todos os membros da família só pode gerar um bom futuro para a empresa».

Já Duarte Leal da Costa, o filho, não vê qualquer dificuldade em trabalhar no mesmo local do pai. «Temos sempre que ser correctos, respeitar o espaço, o raciocínio e os princípios de cada um», sublinha, «se houver respeito pelos valores, então não haverá problemas em trabalhar no mesmo local». O responsável pelo enoturismo e compras da Ervideira, acredita que, eventualmente, o surgimento de novas profissões poderá reduzir o número de casos de empresas familiares. «É normal que acontece pois todos os jovens têm a ambição natural de se afirmarem como diferentes, não temos que ser todos doutores ou camionistas, a diversidade é importante», sublinha, mas «claro que é um orgulho para os pais verem os filhos seguirem os seus passos», refere, no entanto «certamente que não sentem menos orgulho por uma carreira bem-sucedida numa área diferente». Importa que a relação profissional não afecte a relação pessoal, sendo que para que isso aconteça o director executivo da Ervideira refere e reforça que é preciso que exista respeito pelo espaço do outro, assim como dar motivação ao outro para que ele evolua. «Termino como comecei, a simplicidade, a paixão, o respeito e trabalho árduo são a chave de tudo», conclui.

Lola Normajean: pai e filha juntos no mesmo amor pela publicidade 

A agência de publicidade Lola Normajean foi buscar inspiração a Marilyn Monroe, que tinha como verdadeiro nome Norma Jean. Se a actriz que pintou o cabelo de louro conquistou um lugar imortal no mundo da sétima arte, a agência quer conquistar a atenção das marcas «fazendo com que cada delas contamine a cultura do consumidor, transformando um negócio num fenómeno cultural». Para tal, Rodrigo Silva Gomes, Founder & CEO da agência, conta com a filha, Matilde Silva Gomes, planner na mesma empresa.

Para Matilde Silva Gomes aquilo que leva os filhos a seguirem as carreiras dos pais é, sobretudo a oportunidade. «Hoje em dia, diria, sem saber como era antes, que o mercado de trabalho está cada vez mais competitivo, especialmente na área da publicidade, pelo que começar é difícil e começar com o pé direito é ainda mais», começa por afirmar. «No meu caso», revela Matilde, «surgiu uma oportunidade para uma experiência à qual não podia dizer que não, e a partir daí outra, e outra e outra». Para a planner inicialmente foi sorte ter um pai que lhe podia proporcionar uma oportunidade assim, mesmo sendo totalmente fora do que imaginou fazer. «Depois foi o meu mérito que fez com que essas oportunidades continuassem a surgir», sublinha, «para além disso, a minha curiosidade e vocação na área fez-me continuar atrás de uma carreira de sucesso na mesma área que o meu pai».

Já o pai de Matilde tem uma visão diferente.  «Gostava muito de dizer que são em primeiro lugar os bons exemplos, mas no caso da carreira do pai ou mãe ser a de publicitário acho que não abona muito favor nem da sensatez nem da inteligência de nenhum dos dois ou duas (risos)… pela “esquizofrenia” desta atividade», afirma Rodrigo Silva Gomes quando questionado sobre o que leva os filhos a seguirem as carreiras dos pais. No seu caso, segunda geração de publicitários, tendo no pai um exemplo e referência inconformáveis no mercado português, não seguiu nem o conselho do seu pai para que se dedicasse a outra coisa, «nem dei o melhor exemplo à minha filha pelos vistos, isto é mesmo uma desgraça completa», afirma não escondendo o riso. Mais a sério, Rodrigo afirma que não podia ser outra coisa. «O que faço corre-me no sangue e o romantismo e a fantasia tão importantes que a publicidade traz ao mundo dos negócios faz-me acreditar que estou numa profissão que vai ajudando e que vai mudando o mundo e a vida das pessoas e das empresas para um bocadinho melhor». O Founder & CEO da Lola Normajean acredita que os filhos que seguem a carreira dos pais fazem-no, na essência, pelas mesmas razões que os outros filhos todos: encontrarem a sua vocação. «No meu caso foi e no caso da Matilde acho que também, pois sinto que ela vive este mundo com a mesma paixão que eu e que o avô».

Matilde Silva Gomes assume que existem riscos e benefícios nesta opção. «O risco é sempre o de ter alguém que olha para nós e assuma que estamos onde estamos ‘por favor’, e não por mérito próprio, que não tivemos de nos esforçar muito ou até que não vamos conseguir estar à altura das expectativas», refere, «o meu avô, António Augusto da Silva Gomes, foi considerado um nome histórico da publicidade portuguesa, ele foi “alma de muitos anúncios que fazem parte da nossa memória coletiva”, não sendo estas palavras minhas». Para ela o «meu pai seguiu as suas pegadas, e gostaria de pensar que será também lembrado pela sua dedicação incansável à publicidade, assim o risco é de não lhes chegar aos calcanhares», confessa, apontando como o maior benefício o de trabalhar para algo mais que apenas uma empresa, «pelo menos no meu caso, trabalhar na agência do meu pai significa, inevitavelmente, ter um maior carinho, gozo, e brio no meu trabalho».

«Falando por mim, nunca vi riscos, só benefícios«, afirma de forma redundante Rodrigo Silva Gomes, «crescer com um pai empreendedor e publicitário e uma mãe Escultora, formada em Belas-Artes e professora forma-nos a olhar o mundo e a pensar nele com perspetivas necessariamente diferentes da maioria das pessoas». Confessa que tentou promover na Matilde esse mesmo tipo de ambiente e «acho que lhe passei a mesma atitude curiosa, inconformista e empreendedora que me passaram a mim e que ao chegar agora à agência, depois de 7 anos fora, fazem dela já hoje um asset muito importante na agência, e digo isto com todo o à vontade e imodéstia por saber que é consensualmente partilhado por toda a equipa».

Mas como será trabalhar no mesmo local do pai, perguntámos a Matilde, que nos responder que é bom e mau, como em quase tudo. «Serei sempre a filha do chefe, o que nem sempre é o ideal», afirma, «a sensação de responsabilidade adicional está sempre presente, como está também a liberdade para arriscar mais pelo que se acredita e lutar para uma empresa melhor». Ao final do dia, e em termos práticos, para Matilde trabalhar na Lola Normajean é igual a trabalhar em qualquer outro local, «continuo a ter que dar o meu melhor, cumprir com as regras do jogo e fazer o meu trabalho». Já Rodrigo afirma que é fantástico trabalhar no mesmo local da filha. «Tenho a oportunidade de continuar a ver a minha filha crescer, agora profissionalmente, e, estando perto, estou lá para o que ela precisar, como estou para todos aqueles com quem trabalho».

Não tendo a certeza se o surgimento de novas profissões poderá reduzir o número de casos em que isto acontece, Matilde acredita que sim pois «os jovens adultos vão ter profissões cada vez mais variadas e atrativas por onde escolher, mas também penso que entrar no mercado de trabalho continuará a ser sempre um desafio num mundo a cada dia mais competitivo, e por isso aqueles que poderem agarrar oportunidades que os pais lhes dão, vão fazê-lo com certeza, se tiverem algum interesse pela mesma profissão, claro». Já Rodrigo acha que não, «sempre aconteceu e vai continuar a acontecer, pois tem de ver com pessoas e as pessoas vão continuar a ser pessoas».

Sobre que comportamentos se deve adoptar para que a relação profissional não afecte a relação pessoal, Matilde Silva Gomes defende que são dois mundos que se misturam. «Por vezes é necessário dar um passo atrás e relembrar-nos que essa mistura não pode nunca impactar aquilo que é o outcome, os resultados, e o nosso trabalho», aconselha, «dito isto, e tendo em conta que isso é o mais importante, em muitos momentos devemos agarrar-nos afincadamente ao que é o nosso papel, proteger-nos de misturar esses dois mundos, para manter o profissionalismo, mas por outro lado, existem outros momentos em que ter os dois mundos misturados não é mau de todo, até é muito positivo por inúmeras razões. Acredito que tudo na vida deve ser equilibrado, e aqui não é excepção».
«Vai sempre afectar, pelo que o truque é assumir», avança Rodrigo Silva Gomes, «transparência e frontalidade em qualquer circunstância no respeito normal das hierarquias e funções de cada um é crucial». A isto acrescenta foco e pragmatismo i.e. em ambiente de trabalho, «e assumir descomplexadamente e com naturalidade que a relação de trabalho vai afectar a pessoal e a pessoal a de trabalho», concluindo que «cabe a cada um preocupar-se em aproveitar apenas as vantagens dessas interacções».

 

 

 

 

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