Reportagem. Juntas de Freguesia em temos de pandemia: Três presidentes na cidade de Lisboa contam como fizeram mais, com os mesmos recursos humanos, e à distância

Sendo Lisboa uma cidade muito povoada, existe a tendência para que as relações se tornem mais impessoais, à semelhança do que acontece com qualquer outra grande metrópole europeia. Em tempos incertos e adversos como aqueles que se têm vivido no último ano devido à pandemia, as juntas de freguesia têm desempenho de uma forma, ainda mais presente, o seu papel de proximidade. De que forma o conseguiram fazer foi a questão por nós lançada a Carla Madeira, presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, Margarida Martins, presidente da Junta de Freguesia de Arroios e Rute Lima, presidente da Junta de Freguesia dos Olivais.

Por Sandra M. Pinto

 

Numa época em que tantas pessoas procuram e necessitam de auxilio, às juntas de freguesia é pedido que desempenhem um papel proactivo na ajuda que prestam aos cidadãos, quer a nível económico, quer a nível social. A verdade é que sendo os problemas maiores, os recursos humanos são os mesmos, o que trouxe desafios acrescidos. Será que todos foram resolvidos, se sim como foram as juntas de freguesia capazes de cumprir o seu papel numa altura tão difícil como esta?

«Na Junta da Misericórdia há muito que se implementou o “Balcão Virtual”, o que facilitou esta transição forçada e permitiu que continuássemos a exercer as nossas funções, apesar do distanciamento imposto», afirma Carla Madeira, «(re)descobrimos alternativas para dar continuidade aos projectos que vínhamos a desenvolver, sendo que o trabalhadores

Carla Madeira, Presidente Junta de Freguesia da Misericórdia

da Junta foram, e continuam a ser, essenciais para enfrentarmos os novos desafios e responder às necessidades da população».  Nas palavras da sua presidente, a Junta da Misericórdia tem vindo a afirmar-se como um agente activo e um parceiro incondicional no domínio da saúde pública, quer na vertente da protecção e promoção da saúde, quer na prevenção da doença. «Fomos pioneiros na iniciativa de assegurar, através dos nossos meios, a deslocação dos nossos fregueses para que possam ser vacinados», relembra, «reforçámos os programas de apoio social pré-existentes à pandemia pois na Misericórdia ninguém pode ficar para trás». A Junta da Misericórdia ofereceu aos alunos menos favorecidos das escolas mais de 40 computadores novos com acesso à Internet, de modo a garantir que todos tivessem condições de aprendizagem, mesmo no regime de ensino à distância. «A crise sanitária veio aumentar o fosso das desigualdades nas suas diferentes dimensões», sublinha Carla Madeira, «durante a pandemia o risco de pobreza e de pobreza extrema aumentou». Desde o início da pandemia, que a junta realizou mais de meia centena de reparações domiciliárias, fornecendo semanalmente produtos alimentares a centenas de famílias e realizando diariamente a entrega de refeições confecionadas a várias dezenas de pessoas, muitas delas em situação de isolamento. «Os indicadores mostram que quando a pandemia permite aliviar as medidas de confinamento a economia dá sinais imediatos de retoma, o que significa que a crise que estamos a viver é conjuntural e está intimamente associada à crise sanitária», afirma Carla Madeira, para quem não se pode transformar esta crise conjuntural numa crise estrutural. «Até lá», refere, «temos de ser prudentes, resilientes e solidários, sobretudo para com os mais vulneráveis, confiantes de que vamos vencer e conquistar o futuro».

 

As juntas estiveram na primeira linha do apoio às populações, embora não haja esse reconhecimento, defende Margarida Martins, presidente da Junta de Freguesia de Arroios. «Nunca parámos», sublinha, «quando muitos serviços da administração central fecharam, em termos de apoios sociais, foi o poder local quem esteve lá». Para a autarca há um

Margarida Martins, Presidente Junta de Freguesia de Arroios

reconhecimento grande dos fregueses porque «sabem que estivemos sempre cá: um episódio que posso partilhar é o de uma família que passou por dificuldades extremas e recorreu à junta. Meses depois conseguiram recuperar, escreveram uma carta agradecendo a uma das nossas trabalhadoras todo o apoio e cuidado que teve e devolveram o valor que lhes tinha sido dado». Para Margarida Martins este exemplo demonstra a relação de confiança que se cria com a equipa Junta de Freguesia de Arroios. «Fomos a única freguesia a criar um alojamento para pessoas infetadas, mas assintomáticas e sem condições para estar em isolamento», relembra, afirmando que receberam várias pessoas de fora da freguesia. «Conseguimos apoiar mais de 230 requerentes de asilo que encontrámos em situações de fome, sem medicação, em pensões sobrelotadas, sem informação, sem nada», reforça. A Junta de Freguesia de Arroios distribuiu cabazes alimentares e refeições quentes a mais de 500 famílias, apoiou centenas de pessoas através do programa “Não Saia de Casa”, desenvolveu programas de ginástica para séniores, deu apoio psicológico gratuito a todos os fregueses, distribuiu de forma gratuita máscaras certificadas, desenvolveu programas culturais online para crianças, além de outras atividades, adaptou todo o funcionamento de participação cívica e da população, «com os poucos meios que temos, para que ninguém seja excluído por não ter meios informáticos». «As freguesias estão com a corda na garganta», apela Margarida Martins, «todo o orçamento foi direccionado para o apoio social, pelo que se o Estado central não reconhece o seu papel insubstituível teremos anos muito difíceis à nossa frente». Para garantir os direitos dos trabalhadores e um serviço público de qualidade é preciso investir no poder local, defende Margarida Martins, «queremos continuar a estar na linha da frente, mas é necessário que tenhamos condições para tal».

 

Rute Lima, presidente da Junta de Freguesia dos Olivais afirma que «para o bem e para o mal, as Juntas de Freguesia foram – e são – a bandeira da governação que se diz presente. Mostramos o rosto, damos a cara. Nunca baixámos os braços».
A autarca defende que «somos quem melhor conhece os cidadãos pois estamos diariamente no terreno, dando corpo, forma

Rute Lima, presidente da Junta de Freguesia dos Olivais

e materialidade às políticas públicas que se consubstanciam e têm um reflexo directo na vida dos nossos fregueses».
Com os mesmos recursos humanos, a pandemia obrigou Junta de Freguesia dos Olivais a fazer muito mais. «Precisámos de implementar novos projectos, novos serviços, dar a mão a quem, de um momento para o outro, se viu sem nada, a quem nunca tinha recorrido à Junta ou a outros apoios e precisou de o fazer», sublinha, «as medidas adoptadas foram várias e chegámos a um grande número de pessoas». A Junta de Freguesia dos Olivais criou equipas constituídas por elementos dos Serviços de Higiene Urbana, Obras e Espaço Público, em colaboração com os Bombeiros Voluntários de Cabo Ruivo, para se proceder à desinfecção do espaço público nos locais de maior afluência de pessoas, forneceu máscaras a toda a comunidade escolar e à população sénior, apostou na formação em descontaminação bacteriológica por forma a adquirir competências de descontaminação de espaços e pessoas, bem como sobre a gestão de ocorrências de forte contágio. «Acreditamos que com mais informação estaremos melhor preparados para combater a pandemia», refere Rute Lima, revelando que a Junta de Freguesia dos Olivais tem um apoio específico de alimentação confeccionada para pessoas de risco, onde entrega uma média de mil refeições diárias, e, em parceria com o Banco Alimentar Contra a Fome, uma vez por semana distribui cabazes a 400 agregados familiares. «A saúde mental, tema de que tanto se fala e pilar fundamental para o bem-estar da nossa sociedade, também é uma das nossas prioridades», defende Rute Lima, sendo que através da Linha Estamos aqui/Estamos ON, a Junta disponibiliza um acompanhamento sistemático aos fregueses, com foco nas questões emocionais ligadas ao isolamento e a todas as vulnerabilidades psicossociais decorrentes da pandemia Covid-19.

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