Sabe o que são empregos verdes e qual a sua empregabilidade? Ricardo Nunes, presidente da ACEMEL, explica
O sector da energia tem evoluído a uma velocidade vertiginosa nos últimos anos, fruto da ambicionada transição energética potenciada pela transição digital. Essa evolução harmoniza-se com soluções sustentáveis, sendo que para as aplicar têm vindo a surgir os chamados empregos verdes. O que são e como tem evoluído a sua empregabilidade no sector energético foi o que nos explicou em entrevista Ricardo Nunes, presidente da Associação de Comercializadoras de Energia no Mercado Liberalizado (ACEMEL).
Por Sandra M. Pinto
Podemos referir que, de uma forma genérica, os empregos verdes «são todos os empregos que, directa ou indiretamente, se relacionam com o tema da sustentabilidade ambiental, seja criando produtos e serviços, seja em iniciativas ligadas ao tema abrangente do ambiente», esclarece Ricardo Nunes, para quem o futuro do sector está ainda a ser escrito.
Gostava de começar por lhe perguntar o que é a ACEMEL e qual a sua missão?
A Associação de Comercializadoras de Energia no Mercado Liberalizado surgiu em 2018 para responder à necessidade sentida pelas comercializadoras de energia em ter representação dos seus interesses e preocupações. A ACEMEL pretende ser um interlocutor de referência numa sã coexistência entre os diferentes agentes do mercado, reguladores e instituições públicas nacionais ou comunitárias.
Na cadeia de valor do sector de energia representamos as entidades que estão mais próximas do elemento central de toda e qualquer política energética – o Consumidor. São os associados da ACEMEL que estão mais próximos dos seus problemas, dúvidas, e até propostas. São os comercializadores, muitas vezes, o único elo entre o consumidor e o consumo de um bem fundamental para a sua vida pessoal ou empresarial – a Energia.
Em linhas gerais quais os objectivos que se propõem alcançar?
A ACEMEL pretende dar contributos válidos para o desenvolvimento de um mercado de energia cada vez mais transparente, mais equitativo e, principalmente, mais próximo dos consumidores. No contexto do desenvolvimento sustentável do mercado liberalizado, é também objectivo da associação a promoção e divulgação de matérias ligadas ao funcionamento do sistema energético nacional, nomeadamente desenvolvendo acções necessárias à participação e representação dos associados junto das entidades que integram o Sistema Energético Nacional (SEN), ou desenvolvendo estudos, análise e tendências de mercado do sector para divulgar junto dos associados. Por último, é seu objectivo concretizar acções que visem a dinamização e consolidação do papel das comercializadoras de energia elétrica e/ou gás natural, e hidrogénio que actuam no mercado liberalizado em Portugal.
Olhando para os três anos de actuação da associação que balanço faz?
Vemos uma actuação globalmente positiva, embora estejamos particularmente preocupados com a evolução recente dos preços no mercado. Queremos continuar a ser uma voz activa na defesa dos interesses dos nossos associados, mas também dos consumidores, para que estes tenham as vantagens de um serviço melhorado e de maior proximidade. Um importante papel dos comercializadores, no contexto actual de transição energética, é o da sensibilização para o consumo de energia renovável, em que consideramos que podemos desempenhar um papel importante para que Portugal possa atingir as metas ambiciosas a que se propôs. O mesmo se passa com a produção para autoconsumo e a eficiência energética. Temos uma máxima em que acreditamos profundamente: que não há nenhum megawatt mais verde do que o megawatt não consumido. Portanto, a eficiência energética tem aqui um grande papel e achamos que podemos ser uma mais-valia. De referir que a ACEMEL começou com 6 associados e atualmente tem já 20, o que é ilustrativo da sua relevância para os interlocutores do sector e da sua representatividade no sector, tendo conseguido pôr em prática uma série dos objectivos que tinha.
Quais os principais marcos que gostaria de assinalar nessa caminhada?
Existe um mantra na Seleção de Rugby da Nova Zelândia quando alguém se estreia como internacional, que diz que o estreante deverá “deixar a camisola num lugar melhor do que onde a encontrou”, na ACEMEL, as pessoas que nesta altura integram a direcção tentam seguir exactamente essa máxima. Temos feito propostas para que o mercado de energia seja mais democrático, mais transparente e mais eficiente para todos, principalmente para os consumidores.
Fizemos nestes anos várias propostas, juntamente com outros stakeholders do sector, que tiveram sucesso tais como: a diferenciação das marcas reguladas da EDP, a activação do MIBGás para a zona portuguesa, alterações na gestão de garantias do sistema para as tornarem mais eficientes para os agentes de mercado e mais seguras para o sistema, defesa de um mercado de garantias de origem em linha com o que já era feito há bastante tempo em outros países ou sugestões de melhorias na operacionalização da compra de excedente da produção de autoconsumo por parte dos comercializadores do mercado livre. Outras propostas tiveram também aceitação por parte das entidades oficiais, mas as que referi penso serem as mais estruturantes para o sector.
De que forma tem evoluído o sector nos últimos anos?
O sector da energia tem evoluído a uma velocidade vertiginosa nos últimos anos, fruto da ambicionada transição energética potenciada pela transição digital. Hoje, ninguém admite evolução sem que as soluções apresentadas sejam sustentáveis, e em linha com as metas ambientais internacionais assumidas não só por Portugal, mas pela União Europeia. Este desenvolvimento coloca o consumidor no centro de toda e qualquer política energética, e dotou-o de maiores capacidades para ser o gestor da sua energia. O cliente do futuro vai poder produzir, transportar, vender e consumir a sua energia, terá maior literacia energética e menor dependência de intermediários. Cabe às empresas de energia adaptarem-se a esta nova realidade, apresentando valências e serviços que vão de encontro a um cliente mais informado, mais preparado e com uma visão mais global do sector. A “velha” empresa de energia que se limitava a definir um preço para vender energia, ou a empresa regulada sem risco de negócio que garantia apenas a segurança da distribuição de energia, acabou. Está a chegar um novo paradigma na relação empresas de energia – cliente final, e todos teremos de nos adaptar.
Quais são os chamados empregos verdes?
Os empregos verdes, de forma genérica, são todos os empregos que, directa ou indiretamente, se relacionam com o tema da sustentabilidade ambiental, seja criando produtos e serviços, seja em iniciativas ligadas ao tema abrangente do ambiente.
No caso da energia, existe uma miríade de possibilidades, desde a gestão da energia, às renováveis, passando pela incontornável eficiência energética. As ambiciosas, e indispensáveis, metas ambientais da Europa colocam estes claramente como alguns dos empregos do futuro.
Qual é hoje o potencial da empregabilidade na área das energias verdes?
Já é muito significativo. A Associação Internacional das Energias Renováveis (IRENA – International Renewable Energy Agency), no seu relatório anual refere que as tecnologias renováveis permitem criar empregos em toda a cadeia de valor, proporcionando um desenvolvimento económico e social sustentável. Segundo esse mesmo estudo, as renováveis representaram em 2020 um total de 11,5 milhões de empregos em todo o mundo. Em Portugal existem estudos que apontam que durante esta década passaremos dos atuais 55 mil para 160 mil empregos verdes. A maioria deles associados à tecnologia fotovoltaica.
Que competências são as mais procuradas?
As competências valorizadas, na sua maioria, são as mesmas procuradas em outros sectores de atividade, tais como: proatividade, capacidade de trabalho sob pressão, criatividade e espírito de equipa, só que neste caso são acrescidas de valências técnicas e crença nos efeitos positivos que uma transição ambiental deverá representar para a sociedade.
Uma vantagem que tem este sector, além do dinamismo que se vive, é o facto de a sua transversalidade abranger formações completamente diferentes, desde as múltiplas áreas de engenharia, economia ou gestão, de marketing e comunicação, de direito ou mesmo criando oportunidades novas de emprego sem necessidade de formação prévia específica.
Para que áreas dentro das energias verdes?
Várias áreas dentro da energia vão ter a capacidade de criar empregos nos próximos anos, desde as directas como: produção renovável, mobilidade, eficiência energética, comercialização, novas soluções de armazenamento, hidrogénio, gestão e tratamento de dados, até às indiretas como processos de descarbonização dos principais sectores consumidores (indústria e transportes).
Na sua perspectiva qual será o futuro da empregabilidade neste sector?
Estamos perante um sector altamente promissor, considerando as alterações climáticas, a visão estratégica dos governantes (nacionais, europeus e mundiais), todo o conjunto de apoios e incentivos que vão sendo disponibilizados para conduzir a uma descarbonização da economia e até a consciência cada vez mais ecológica da nossa sociedade fruto de uma preocupação crescente pelo futuro das gerações vindouras.
A abordagem à questão da empregabilidade tem que ser transversal, implicando não só a cadeia de valor do sector da energia (desde a produção ao consumo), como também diversas outras áreas conexas, sejam ligadas à tecnologia (produção ou instalação de equipamentos, construção ou reabilitação de edifícios ou de sistemas energéticos), passando também pela inevitável digitalização, gestão, economia e finanças, ou até às vertentes da comunicação, do marketing, do e-commerce.
É fundamental também referir que é um sector em forte mutação e evolução, o que potencia o surgimento constante de novas oportunidades: há uns anos o solar térmico para aquecimento de águas era uma inovação; hoje já estamos a construir Comunidades de Energia Renovável em que os consumidores partilham energia entre si. Há uns anos estávamos a introduzir biodiesel no gasóleo; hoje já temos uma rede de postos de carregamento de veículos eléctricos e já estamos a projectar postos de abastecimento a hidrogénio. Há uns anos a indústria queimava carvão e misturava alguma biomassa; hoje temos um setor industrial focado no gás natural e já a preparar a introdução dos designados gases renováveis (onde se inclui o hidrogénio). O futuro da empregabilidade neste sector irá certamente acompanhar a sua tendência evolutiva.
Acha então que poderá ele vir a crescer ainda mais?
Vários estudos, alinhados com a estratégia mundial energia-clima, assumem que até termos estabilizada a transição energética em 2050 a empregabilidade no sector tende a aumentar progressiva e consistentemente. Uma vez atingida a maturidade da transição, este movimento de emprego deverá estabilizar sem nunca diminuir abruptamente, pois a energia é por definição e cada vez mais (até pela sua ligação umbilical ao desenvolvimento tecnológico) um sector disruptivo.
Ao nível de perspectivas de carreira com o que podem contar estes profissionais?
Dentro do sector, a perspectiva de carreira depende obviamente de empresa para empresa, mas podem contar com um sector que está numa evolução incrível, onde todos os dias serão desafiados na procura de novas soluções e de novas estratégias para irem de encontro às necessidades de todos os consumidores.
Desde há uns anos que se vive a chamada guerra pelo talento. Sentem isso neste sector?
Claramente. As empresas de energia ou empresas de outros sectores com departamentos de gestão de energia lutam entre elas pelos melhores recursos humanos disponíveis, desde profissionais acabados de sair da universidade, até seniores que apresentam já um track record significativo em áreas relevantes para o sector. Apesar da crescente digitalização e introdução tecnológica nos processos da energia, os recursos humanos são e serão sempre o principal elemento diferenciador.
Qual a relação do sector com as universidades?
Em termos de saídas profissionais para estudantes do ensino superior a energia deve ser já um dos sectores mais procurados pela abrangência e dinamismo que falei anteriormente. Acresce que, com o aumento da procura de profissionais que apresentem alguns conhecimentos técnicos no sector, várias universidades iniciaram há alguns anos cursos específicos de engenharia ou de gestão de energias renováveis, ambiente ou redes de energia. Os alunos destes cursos chegarão mais preparados ao seu primeiro emprego no sector e terão naturalmente uma curva de aprendizagem mais rápida.
Por outro lado, cada vez mais as universidades contribuem com o desenvolvimento de soluções tecnológicas, por exemplo através de projectos de investigação, muitas vezes em parceria com empresas de energia. Esta mudança tem permitido desenvolver e melhorar o sector, inovar e ir ao encontro dos objectivos futuros para um desenvolvimento mais sustentável.
Que conselhos gostaria de deixar aos profissionais que, depois de lerem esta entrevista, ficaram entusiasmados em trabalhar no sector?
O meu conselho é que acreditem que pode ser a nossa geração a mudar o paradigma da energia em Portugal e no Mundo. Com processos mais rápidos, energia mais limpa e mais democrática, sem esquecer a eficiência financeira do sistema para que, no futuro, todos possamos beneficiar de um bem essencial, em melhores condições do que temos actualmente.
Existindo esta consciencialização e entusiasmo, com formação ou experiência adequada, a procura por oportunidades poderá ter sucesso, pois o mercado de trabalho na energia apresenta actualmente um dinamismo que será equiparado, pelo menos, ao dos mais dinâmicos sectores de atividade.