Saiba como a Amazon vai requalificar mais de 100 mil colaboradores

Nos próximos seis anos, a Amazon vai requalificar mais de 100 mil colaboradores. E para ligar formação e emprego, está a trabalhar com todo o ecossistema envolvido – formadores, empregadores e agências.

 

Entrevista a Ardine Williams, pela MIT Sloan Management Review

 

Sempre que se fala no modo como a tecnologia irá afectar a força de trabalho do futuro, a Amazon é provavelmente mencionada. Em Junho de 2019, a gigante retalhista anunciou que iria requalificar 100 mil colaboradores – um terço da sua força de trabalho nos EUA – nos próximos seis anos, gastando até 635 milhões de euros. A liderar a iniciativa está a vice-presidente para o desenvolvimento da força de trabalho da Amazon HQ2, Ardine Williams, que tem 35 anos de experiência em desenvolvimento de produto, marketing, desenvolvimentvo empresarial, Facilities and Administrative (F&A) e Human Resources no sector da alta tecnologia.

Numa entrevista exclusiva para a MIT Sloan Management Review, Williams, que começou a sua carreira como oficial do exército norte-americano, explica a lógica por detrás da requalificação e os benefícios para o negócio, para as comunidades locais e para os colaboradores individuais.

 

MIT Sloan Management Review: Porque é que a Amazon está a apostar agora no desenvolvimento da sua força de trabalho? O que irá acontecer à iniciativa se o mercado laboral se tornar menos agitado ou se houver uma recessão?
Ardine Williams (AW): A Amazon acredita que tem um importante papel na criação de bons empregos. Os bons empregos têm três elementos: (1) um bom salário – e foi por isso que em Novembro anunciámos um salário mínimo de 13,5 euros/hora nos EUA; (2) bons benefícios a partir do momento em que entram – os colaboradores do centro de atendimento têm hoje os mesmos benefícios que os nossos executivos; e (3) a oportunidade para as pessoas criarem uma carreira ao ganharem experiência e desenvolverem competências que lhes apresentam mais opções para progredirem ao longo do tempo.

Acreditamos que os avanços tecnológicos continuarão a mudar o conteúdo dos empregos, por isso a requalificação será sempre uma componente importante no desenvolvimento da força
de trabalho da Amazon.

 

MIT Sloan Management Review: Como vê as mudanças tecnológicas e como estas estão a afectar as necessidades da força de trabalho da Amazon?
AW: Desde que os humanos começaram a trabalhar, os avanços tecnológicos – da roda ao motor a vapor e aos computadores – mudaram a forma como trabalhamos. Dito isto, o desafio é, hoje, diferente em duas formas: a velocidade das mudanças tecnológicas acelerou e o impacto da tecnologia nos empregos está a ser sentido em todas as tarefas e níveis de competências.

Os empregos, normalmente, não desaparecem graças às mudanças tecnológicas, mas [essas mudanças] criam frequentemente novas oportunidades ou mudam a natureza do que as pessoas fazem. Por exemplo, nos armazéns onde a Amazon usou a tecnologia de automatização, os colaboradores ganharam oportunidades de adquirirem novas competências. Através da requalificação, os colaboradores podem aprender a desobstruir os corredores onde os robôs ope- ram, reconfigurar os trajectos dos robôs e fazer reparações e manutenções básicas aos robôs. A requalificação assegura que os colaboradores continuem a contribuir para a empresa.

É importante ser deliberado no planeamento do trabalho que preencherá o novo tempo livre dos colaboradores, as competências de que precisarão para completar esse trabalho, assim como o que a empresa fará para os equipar com essas competências.

 

MIT Sloan Management Review: Como a Amazon atrai o melhor talento do mundo físico e virtual, será que precisa mesmo de investir tanto da requalificação? Até que ponto esta iniciativa não é apenas parte do brand building e uma demonstração de responsabilidade social?
AW: O branding é importante para todos os colaboradores, não há dúvidas disso. É assim que as empresas atraem e retêm pessoas inteligentes e entusiasmadas, que têm de trabalhar juntas para inovar para os clientes. Contudo, a iniciativa de requalificação da Amazon centra-se em ajudar as pessoas a desenvolver as suas carreiras através da experiência profissional e, depois, aproveitar isso acrescentando competências através da formação.

A combinação de experiência profissional e novas competências criará ímpeto profissional. Esse ímpeto pode ser vertical, para um trajecto profissional tradicional em funções como finanças
ou contabilidade, ou pode parecer mais uma grelha que faz as pessoas passarem de uma função para outra, como coordenador de recrutamento para coordenador de projecto para gestor de projecto.

Gostaríamos que todos os colaboradores se desenvolvessem profissionalmente connosco, mas em muitos casos a progressão afastará pessoas da Amazon. Isso não significa que não possamos, ou não devamos, ter um papel no seu desenvolvimento.

 

MIT Sloan Management Review: Que tipos de competências são mais atractivas para os participantes no Escolha Profissional, o programa de requalificação da Amazon? Estão todas relacionadas com a tecnologia? Como é que a Amazon identifica as lacunas nos mercados laborais locais?
AW: O Escolha Profissional oferece formação para cargos com muita procura que pagam mais do que a Amazon nas comunidades locais, e oferece novos percursos profissionais aos colaboradores. O programa forma para cerca de 37 tipos de empregos distintos. As nossas três áreas profissionais mais populares, em ordem aleatória, são as áreas médica, Tecnologias de Informação (TI) e transportes (mais especificamente, condutores comerciais). É difícil argumentar que estas áreas não são técnicas.

Existem quatro medidas fundamentais que vejo no desenvolvimento dos programas do Escolha Profissional: identificar cargos com procura local; encontrar empregadores que procuram talento com competências; compreender as competências específicas exigidas; e trabalhar com quem oferece formação, como as universidades comunitárias, para personalizar os programas para os colaboradores a tempo inteiro.

Usamos a Agência Laboral norte-americana e dados de terceiros para identificarmos os empregos que estão na moda. Contudo, os dados estão sempre atrasados e não há uma fonte única para a falta de competências ou para os conhecimentos, competências e capacidades de que as empresas precisam. Esses factores fazem com que seja mais difícil os nossos esforços ganharem escala.

 

MIT Sloan Management Review: Os empregadores sentem-se normalmente relutantes em apostar em formação que pode acabar por beneficiar as rivais quando as pessoas saem da empresa. A Amazon não parece muito preocupada com isso. Porquê?
AW: Quer os colaboradores da Amazon escolham desenvolver as suas carreiras connosco ou noutra empresa, queremos que tenham sucesso. Isto não é filantropia; faz sentido em termos empresariais.

Mesmo quando as pessoas nos deixam e passam para outros empregadores, vão preencher cargos nos negócios locais que, de outra forma, ficariam por preencher. A produção aumenta, o canal de talento qualificado ajuda os negócios locais a terem sucesso e atrai novos negócios para a área. Os rendimentos aumentam. Somos uma retalhista, por isso queremos que essas pessoas continuem a fazer compras na Amazon e a ver-nos com um bom parceiro na comunidade.

 

MIT Sloan Management Review: Os programas de desenvolvimento da força de trabalho da Amazon são todos criados e oferecidos internamente, ou usam parceiros externos?
AW: Para o programa Escolha Profissional, a iniciativa de requalificação, os nossos parceiros são predominantemente universidades comunitárias ou outros parceiros especializados que oferecem formação profissional específica. Outros programas, como a Universidade de Aprendizagem das Máquinas da Amazon, são criados e ensinados internamente, e os nossos estágios registados na Agência Laboral dos EUA são uma combinação de programas desenvolvidos interna e externamente.

 

MIT Sloan Management Review: Por que é que a Amazon acredita ser necessário liderar ou gerir a requalificação? As formas tradicionais de formação são insuficientes para desenvolver competências, focam-se nas competências erradas ou são demasiado lentas a desenvolverem-nas?
AW: Tentamos trabalhar a partir do cliente: neste cenário, são os colaboradores que se estão a requalificar. Muitos dos nossos programas são criados de “Amazonianos” para “Amazonianos”, com o aproveitamento de formação, cursos e certificações de parceiros. Por vezes faz sentido que seja um Amazoniano a liderar a formação – na Académica Técnica da Amazon, por exemplo –, para que aquilo que é ensinado seja imediatamente aplicado pelos colaboradores nos seus cargos na empresa. Temos centenas de colaboradores a criar e a desenvolver programas de formação, e ainda temos centenas de vagas na formação e no desenvolvimento.

 

MIT Sloan Management Review: Com que tipos de parceiros normalmente trabalham, e porquê? É difícil colaborar com universidades comunitárias?
AW: Tudo depende do programa. Trabalhamos com universidades comunitárias e peritos, mas para sermos eficazes temos de conhecer os colaboradores onde eles estão. Queremos que seja mais fácil para eles obterem as competências de que precisam para progredirem profissionalmente. Por isso, sempre que possível, levamos a formação ao local de trabalho.

As universidades comunitárias têm excelentes programas, mas normalmente são a tempo inteiro. Os formandos adultos com bons benefícios enfrentam o dilema de deixar o emprego para fazer uma formação que lhes permita obter um emprego melhor – ou ficar quietos. Em muitos casos, as pessoas não se podem dar ao luxo de parar de trabalhar para ir aprender. É por isso que nos juntámos a universidade comunitárias para criarmos programas a part-time, levá-los aos nossos centros de atendimento e oferecê-los em alturas adequadas durante o dia de trabalho. À medida que os nossos colaboradores completam esses programas, organizamos feiras de emprego para que possam encontrar outros empregos. Esperamos ter 60 salas para o programa Escolha Profissional no final de 2020. As salas são importantes; tornam a requalificação conveniente e visível.

 

MIT Sloan Management Review: Como serão as credenciais do futuro?
AW: Não há dúvida de que a internet tornou a educação mais acessível. Basta um smartphone e dados para que os conteúdos estejam disponíveis onde e quando necessário. O nosso próximo desafio é descobrir como identificar os melhores conteúdos e certificar competências em aptidões fundamentais. Temos muita inovação a ocorrer nesse espaço.

As credenciais acumuláveis estão a ganhar popularidade. Em alguns casos, as exigências estão claramente definidas. Temos como exemplo as credenciais da CompTIA e da Cisco, e as licenças estaduais para os profissionais médicos. Noutros casos, como o analista de dados, o perito em cibersegurança ou o programador de aplicações, por exemplo, está disponível uma vasta gama de credenciais e certificações. Por isso, é difícil alunos e empregadores saberem quais os cursos e certificados criam competências que tornam alguém preparado para trabalhar.

Preparar as pessoas que fizeram cursos de dois e quatro anos na universidade para começarem a trabalhar é uma responsabilidade partilhada. Empregadores e formadores devem trabalhar juntos para assegurarem que os conhecimentos, competências e capacidades que o trabalho exige são claras.

 

MIT Sloan Management Review: Existe algum exemplo…
AW: O Colaborativo de Líderes nas Academias e Negócios (CoLAB) de Washington é um excelente exemplo. Através dessa iniciativa, instituições empresariais e académicas trabalham em conjunto para desenvolverem a força de trabalho de que a região precisa hoje e amanhã. O CoLab lançou recentemente um programa de certificação em análise de dados que identifica alunos que completaram um programa aprovado pelo sector nesta área de muita procura. Empregadores e formadores chegaram a acordo sobre os conhecimentos, competências e aptidões exigidos. Depois, os formadores escolheram os melhores percursos para as suas instituições; por exemplo, podem oferecer análise de dados como opção ou como área de enfoque. O primeiro grupo irá formar-se no próximo ano, e todos estamos a trabalhar em conjunto para desenvolvermos as métricas que definem o sucesso e fornecermos feedback.

 

MIT Sloan Management Review: Dirigiu alguns programas-piloto antes de aumentar a escala do programa Escolhas Profissionais? Como avaliou o seu sucesso?
AW: O programa Escolhas Profissionais tem cerca de oito anos. Aprendemos e continuamos a ajustar e a inventar. No início, o programa assemelhava-se mais aos programas tradicionais de apoio a bolsas, e os colaboradores admissíveis podiam seleccionar qual a matéria a estudar. Tivemos muita aceitação, mas lutámos para demonstrar que o programa estava realmente a preparar os nossos colaboradores para novos percursos profissionais.

Nessa altura, decidimos afastar-nos do objectivo final: começámos a identificar os cargos em que a requalificação criava mais probabilidades de seguir novas carreiras. Embora isso nos tivesse ajudado a seguir na direcção certa, ainda estávamos muito longe. As métricas de sucesso das universidades comunitárias são a candidatura e a conclusão do curso, e os objectivos do nosso programa eram emprego e rendimentos pós-conclusão. Precisávamos de nos focar na identificação dos empregos mais procurados na comunidade local e que pagavam mais do que nós.

Foi então que compreendemos que teríamos de trabalhar em todo o ecossistema – formadores, empregadores e agências – para ligar formação a emprego. Trabalhámos com terceiros, como associações do sector, que têm uma visão abrangente das lacunas de talento nos sectores locais. Usamos diversas métricas para avaliarmos o progresso, mas ainda temos algum trabalho pela frente nessa área.

 

MIT Sloan Management Review: Como é que a cultura organizacional da Amazon apoia o desenvolvimento da força de trabalho?
AW: Não acreditamos que um colaborador precisa de seguir um percurso profissional específico na empresa para ter sucesso. Temos uma cultura de criadores; procuramos candidatos que sentem curiosidade sobre causa e efeito, e que têm entusiasmo por arregaçarem as mangas e trabalharem juntos para inovar. Os nossos princípios de liderança – como o Pensar em Grande, e o Aprendam e Sejam Curiosos – podem também ser aplicados aos colaboradores que exploram os programas de formação.

Da aprendizagem das máquinas aos transportes, se alguém estiver interessado, haverá sempre uma oportunidade na Amazon para o explorar. A Amazon não exige que os colaboradores se mantenham num cargo durante um período mínimo antes de serem transferidos para um novo cargo. Nem exigimos que as pessoas permaneçam na Amazon depois de completarem um programa de requalificação.

 

MIT Sloan Management Review: Como acredita que será a força de trabalho da Amazon em, por exemplo, 2030? Que novas competências precisam os colaboradores?
AW: A linha entre o tecnológico e o não tecnológico, ou entre o STEM e não STEM, está a esbater-se rapidamente. Inicialmente, a tecnologia estava isolada; agora, é quase impossível encontrar um emprego que não implique tecnologia – e é essa a verdadeira disrupção. Já não podemos dizer “STEM ou”; é “STEM e”. Os colaboradores de sucesso terão de ser tecnicamente cultos. Quanto mais as empresas fizerem para formar a sua força de trabalho sobre tecnologia, mais preparadas estarão para lidar com as mudanças nos empregos que se avizinham.

Até as carreiras que estão tradicionalmente ligadas ao não técnico exigirão amanhã bases técnicas. Precisaremos de pessoas que consigam identificar o problema a ser resolvido num mar de dados, comunicar esse problema convincentemente, reunir a equipa certa para lidar com o problema, trabalhar em conjunto com uma equipa que tem uma vasta gama de competências e habilidades, e usar a tecnologia certa para conseguirem inovar para os clientes.

 

MIT Sloan Management Review: A Amazon tenciona estender os seus programas a outras empresas como ramo empresarial?
AW: A força de trabalho norte-americana está a mudar. Existe uma maior necessidade de competências técnicas e é uma enorme oportunidade para as pessoas com as competências certas para passarem para empregos com melhores remunerações.

O objectivo da iniciativa de requalificação da Amazon é assegurar que os nossos colaboradores conseguem passar para cargos mais técnicos, na Amazon ou noutras empresas, através de formação e de apoio profissional. Partilhamos gratuitamente o nosso programa Escolha Profissional com outras empresas e aprendemos com elas, para que possamos aumentar o impacto dos nossos programas.

 

Este artigo foi publicado na edição de Abril (n.º 112) da Human Resources.

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