Salto tecnológico: será que algumas empresas deram um passo maior do que a perna?

O contexto de pandemia obrigou muitas empresas portuguesas a antecipar o salto digital, em direcção ao comércio electrónico. Mas, quase três meses depois, a realidade é que uma parte substancial delas deram um passo em falso, porque a operação correu mal. O diagnóstico é da plataforma Tudo Sobre eCommerce (TSE), consultora especializada na área, por intermédio da sua fundadora e CEO, Vera Maia.

 

A situação viu-se inclusivamente replicada em negócios que já estavam há anos no universo online. As falhas de stock e os atrasos nos envios foram dois dos problemas mais flagrantes. «Muitas empresas não tinham a sua operação de ecommerce preparada para ser rapidamente escalada. Ou porque não havia informação de stock em tempo real, ou porque não possuíam existências dedicadas ao negócio online, entre outros motivos», nota Vera Maia, receando que algumas marcas «podem ter perdido a oportunidade de servir e fidelizar clientes, devido ao baixo nível de serviço». Isto não obstante ter sido facilmente perceptível uma alteração dos hábitos de consumo, pela necessidade de isolamento.

O diagnóstico dá ainda conta de que o crescimento brusco da compra digital obrigou, por outro lado, os serviços de transportes a reforçar o seu serviço de entregas, que, com frequência, não conseguiu evitar atrasos substanciais.

 

– Lojas online montadas sem estratégia
«Muita gente viu nas lojas online uma forma de ultrapassar as condicionantes físicas do estado de emergência. E surgiram muitas empresas e entidades a montá-las, quase de um dia para o outro, ao desbarato. Mas uma loja online é uma aposta estratégica, com cabeça, tronco e membros, e apenas a ponta do iceberg de uma operação de comércio electrónico», sublinha Sónia Costa, consultora de marketing digital, também no TSE.

De acordo com a análise, isto fez com que os erros acontecessem. É certo que também vão permitir ao mercado corrigir a trajectória e crescer, também em qualidade, todavia, não deixarão de colocar em xeque alguns projectos. É, por isso, crítica a «reduzida estratégia de marketing digital» observada, segundo Vera Maia.

 

– Uma oportunidade deixada ao acaso pelas marcas
«Vimos algumas empresas a recorrer apenas a campanhas promocionais e descontos quando o momento era para fazer mais do que apenas vender. Angariar bases de dados e entreter os consumidores, partilhando conteúdos relevantes e adequados à situação, deveria ter feito das prioridades dos gestores de ecommerce e de marketing digital portugueses. Num momento em que queremos “passar o tempo”, vimos surgir com grande força os diretos no Facebook e Instagram, cursos online e webinars. Esta foi uma oportunidade deixada ao acaso pelas marcas que se focaram em resolver os problemas do dia-a-dia, provocados, em parte, pelo aumento das vendas. Problemas esses que já deveriam ter sido identificados na operação de ecommerce, e que a pandemia “apenas” veio acentuar», reflecte a CEO da plataforma Tudo Sobre eCommerce.

O reduzido contacto com o cliente é outra das áreas em que há mais falhas detectadas pela plataforma Tudo Sobre eCommerce.

«Muitos projectos de ecommerce não têm stock próprio (usam stocks de lojas ou centrais), baseados em sistemas que não são real time, como o ecommerce exige. Isso dá lugar a muitas reclamações por parte dos clientes. Por outro lado, a falta de integração com as transportadoras ou a passagem de informação ao cliente – como o tracking number do produto – leva a que os consumidores fiquem sem saber qual o estado de entrega das encomendas, o que causa frustração e defrauda expectativas», explica a especialista.

 

– Na troca também está o ganho
«Muitas empresas continuam a dificultar trocas e devoluções, o que não transmite segurança nem confiança aos clientes. Esse é um dos erros fatais que vemos a ser mais cometido», aponta a Vera Maia. «Quando nos lançamos no ecommerce é fundamental transmitir o máximo de confiança. Uma das formas de a garantirmos é facilitarmos todos os processos que possam trazer dúvidas aos consumidores, entre os quais se encontram os processos de troca e de devolução – ainda duas das principais barreiras à compra online», reforça.

Em que é que este factor é importante? «Se as empresas não são claras e transparentes nestes processos, os clientes não chegam a experimentar os produtos, ou ficam com uma má impressão das marcas quando necessitam de iniciar o processo de devolução dos produtos», explica a especialista.

Ler Mais