Sandra Alvarez, PHD Media: «Se nós próprias não respeitarmos a igualdade de género, nunca ninguém o vai fazer»

Sandra Alvarez, directora-geral da PHD Media, do Omnicom Media Group, conta que nunca equacionou, ao longo da sua vida, não fazer o que queria pelo facto de ser mulher. «Esse preconceito não existe, para mim. Nunca deixei de ir a uma entrevista de emprego por estar grávida. E mudei de emprego três vezes grávida, numa delas grávida de sete meses. Se nós próprias não respeitarmos a igualdade de género, nunca ninguém o vai fazer.»

 

No especial sobre “Liderança no feminino”, foi uma das 12 mulheres em cargos de topo em Portugal que partilhou a sua experiência e visão sobre o tema da Igualdade de Género.

Quais foram os principais desafios ultrapassados para chegar onde está hoje? Alguma vez se sentiu em “desvantagem por ser mulher”?
Um dos principais desafios que ultrapassei, desde sempre, foi a conciliação entre a vida pessoal e a profissional. Nunca quis deixar nenhuma delas para trás e nunca deixei, mas é desafiante a escolha diária que tenho de fazer, umas vezes por razão, outras por intuição, para definir quando dar prioridade a uma versus a outra.

Além disso, e em paralelo com a minha carreira profissional, sempre acreditei que desempenharia melhor as minhas funções se continuasse a apostar nas minhas competências, pelo que continuei sempre a estudar após a licenciatura em Economia, nomeadamente através de cursos, pós-graduações e formações em áreas específicas, do mestrado em Marketing e do doutoramento em Ciências da Comunicação, que estou actualmente a fazer. Mas também sempre tive uma enorme vontade de ter uma família grande. Hoje, tenho quatro filhos e três enteados e estou feliz.

Perante estas minhas escolhas, nunca me senti discriminada, mas o facto é que sempre fiz um enorme esforço pessoal, especialmente em relação à minha constante disponibilidade e dedicação, para ser valorizada e ter o mesmo tipo de reconhecimento que, por norma, os homens têm, de uma forma quase natural.

A questão não está na capacidade que as mulheres têm para exercer determinadas funções, sobretudo as do topo da hierarquia, mas sim o facto de terem de mostrar mais, para fazer valer as suas capacidades e de fazer mais escolhas, em determinados momentos das suas vidas. E eu escolhi não ter de abdicar da parte pessoal, nem da profissional.

A meu ver, continua a haver um maior escrutínio em relação à mulher, pessoal e profissionalmente, que só é superado com muito esforço e dedicação. Na realidade, as mulheres, que querem, conseguem chegar ao topo, mas fazendo um caminho muito mais duro e desafiante.

 

Qual a importância da diversidade de género nos cargos de liderança das empresas? É sobretudo uma questão de igualdade de oportunidade ou de negócio?
A importância é total. É essencial a existência de equipas diversificadas, a todos os níveis, nomeadamente de género, idade, religião e cultura, entre outros. Só esta diversidade, associada a profissionalismos e competências técnicas de excelência, nos permite alcançar a grandiosidade, os resultados e o impacto positivo da actividade desenvolvida.

Cada um de nós pode ser muito empático e ter uma enorme capacidade de se colocar nos “pés do outro”, mas há conhecimentos que são intrínsecos, pelo que equipas diversificadas são uma importante componente de fórmula de sucesso.

 

É possível identificar um estilo de liderança mais masculino e mais feminino? Ou os diferentes estilos de liderança dependem sobretudo da personalidade de cada pessoa, independentemente do género? E existirão especificidades de sector para sector, sendo que alguns são considerados mais “masculinos”?
Na minha opinião, os estilos de liderança são reflexo dos valores, da educação, da cultura, das características e também das competências de cada pessoa, mais do que do género. E acredito que numa boa liderança deve existir um equilíbrio entre a emoção e a razão, quer seja mulher ou homem.

Quanto à especificidade de cada sector, considero que a atribuição dos cargos de diferentes níveis hierárquicos apenas deve estar relacionada com as competências pessoais e técnicas de cada pessoa. Ou seja, apesar de existirem tradicionalmente sectores mais propensos ao género feminino ou masculino, muitas vezes resultado dos preconceitos incutidos na sociedade, há inúmeros casos de sucesso de funções são ocupadas pelo género oposto, talvez por conseguir acrescentar à função uma perspectiva diferente do comum.

A questão que aqui se levanta é que ainda existe muito trabalho a fazer ao nível da educação para que este ponto seja desmistificado e abolido. Há questões culturais muito enraizadas, uma vez que desde cedo as crianças absorvem a ideia, incutida pelos adultos de referência e pela sociedade em geral, de que o homem e a mulher devem desempenhar determinados papéis e profissões. Ora, isto acaba por ter um impacto gigante nas suas decisões em idade adulta, quer ao nível das escolhas académicas, quer ao nível das decisões a nível profissional.

Ainda há um bom caminho a percorrer no que diz respeito à mudança de mentalidades, que a meu ver passa muito pelo papel que a educação deve desempenhar no desenvolvimento pessoal dos mais novos, para que nas gerações seguintes a igualdade de género já não seja um desafio, quer do ponto de vista familiar, quer do ponto de vista profissional.

 

Estudos indicam que, ao ritmo actual, serão precisos cerca de 100 anos para se alcançar uma efectiva igualdade de género. Mas o tema das quotas é sempre polémico, porque levanta a questão de se poder estar a sobrepor o género à competência. Como vê este tema e como acha que se pode acelerar esta tendência, para casos como o seu deixarem de ser excepção?
Por princípio, sempre fui a favor da meritocracia e sempre fui contra as quotas, exactamente porque esse método impõe o risco de o género se sobrepor à competência. Além disso, quando as oportunidades são dadas através de uma regra imposta, as pressões, os escrutínios e as probabilidades de tudo o que está à volta ainda se reger por mentalidades retrógradas são grandes.

Defendo a mudança de mentalidades através do papel da educação, da pedagogia de ensino que potencia a liberdade de escolha e as competências, em função de horizontes alargados no que diz respeito ao papel de cada um no seio familiar e profissional.

Mas sendo este outro enorme desafio, para o Governo e actuais e futuros profissionais de Educação, e na expectativa de que com o tempo as quotas possam ser eliminadas, a partir de uma determinada altura passei a achar que valeria a pena correr o risco de o género se sobrepor às competências, pois todas as ajudas são bem-vindas para que as mulheres possam ter as mesmas oportunidades, se assim o desejarem.

 

Este artigo faz parte do tema de capa da edição de Março (123) da Human Resources.

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