Semana de quatro dias de trabalho: O que precisamos de compreender antes de agir

Diversas circunstâncias têm trazido, sobretudo nos últimos anos, alguma flexibilidade às práticas dos tempos de trabalho. A semana de quatro dias de trabalho em Portugal tem vindo a ser motivo de reflexão; algumas empresas estão a testá-la e há inclusive legislação para um programa-piloto que visa a sua adopção experimental. Mas antes de se decidir, é preciso compreender do que realmente se trata.

 

Por Isabel Moço, coordenadora e professora na Universidade Europeia

 

No livro “The four-day workweek”, o autor – Robert Grosse – baseia- -se em investigação realizada anteriormente e faz a seguinte pergunta: se horários de trabalho mais longos prejudicam o indivíduo e não significam uma organização mais eficaz, porque continuamos a trabalhar cinco dias por semana? Grosse, assim como tantos outros autores, consultoras e academias, defende com esta abordagem a redução da jornada de trabalho. Simultaneamente, também existem outros tantos que afirmam que as pessoas, as empresas e os negócios, as economias e os países ainda não estão totalmente preparados para esta mudança – pelo menos se ela for radical e universal.

No meio desta discussão, os profissionais de Gestão de Pessoas, entre a força da gestão e da lógica do negócio e as pressões da força de trabalho – actual e potencial –, procuram compreender do que se trata e como se devem orientar no e para o futuro.

Este artigo foi construído no sentido de proporcionar algum apoio nesse propósito, regista o que já foi estudado, testado e determinado, procurando-se que a tomada de decisão seja de cada leitor.

A discussão sobre o tema já está muito disseminada em vários círculos. Estamos longe do previsto por Keynes, em 1930, que antevia que no espaço de um século estaríamos a trabalhar cerca de 15 horas por semana. No mesmo sentido, em 1965, o Senado dos Estados Unidos da América (EUA) assumiu estimar que, em 2020, a duração média da semana de trabalho rondaria, sensivelmente, o mesmo tempo avançado por Keynes. Não aconteceu, e as práticas generalizadas por todo o mundo rondam as 30-40 horas semanais. Assim, estamos longe destas previsões, apesar de fenómenos próprios de contextos BANI (acrónimo para brittle, anxious, nonlinear and incomprehensible – em português, frágil, ansioso, não-linear e incompreensível), como o foi a pandemia, nos tenham ensinado que as velhas formas de trabalhar poderão ter os dias contados.

A flexibilidade entrou definitivamente nos nossos discursos e práticas, e se flexibilizámos no local de trabalho, nas recompensas ou mesmo nos horários de trabalho, porque não será possível que esta flexibilização comporte uma jornada semanal de trabalho compactada ou reduzida?

Sem dúvida nenhuma que toda a economia e sociedade estão organizadas de acordo com a semana dos cinco dias de trabalho e dois de descanso. Pense-se que se a medida fosse adoptada apenas por alguns sectores económicos, e o terceiro dia de descanso fosse uma opção, algumas questões surgiriam. Por exemplo, como pode uma família organizar o seu tempo, se a mãe tem um dia da semana como terceiro dia de descanso, o pai outro, os filhos têm escola nos cinco dias e actividades extracurriculares só em alguns dias da semana?

 

Dos seis dias aos quatro dias de trabalho: em que ponto se está?
A organização e regulação do tempo de trabalho surge tardiamente na história do trabalho/emprego, e só ganha verdadeiramente expressão com a Revolução Industrial, em que a jornada de trabalho variava entre as 12 e 18 horas diárias (Benevides, 2015). Embora já desde meados do século XIX operários ingleses reivindicassem a redução do tempo de trabalho, só em 1845, precocemente, Lord Ashley e John Fielden limitaram a jornada de trabalho às 10 horas diárias, de segunda a sexta-feira, e a oito horas, aos sábados, para mulheres e crianças. No início do século XX, na Alemanha, Ernest Abbe (Zeiss) e posteriormente Hugo Münsterberg (1913), provavam que, mantendo as condições de trabalho, embora reduzindo as horas trabalhadas, a produção aumentava.

Estes foram os primeiros registos de redução das jornadas de trabalho, que decorriam a par das abordagens de racionalização e produtividade nas organizações. Com uma visão muito arrojada à época, a indústria de Henry Ford – a Ford Motors, na década de 20 – determinou que “lá” se trabalharia cinco dias por semana e num total de 40 horas semanais, pois as pessoas deveriam ter tempo de lazer e descanso, embora o verdadeiro motivo estivesse nas “medições”, que apontavam que o cansaço trazia menos produtividade e mais erros. Nota importante: continuava a remunerar seis dias.

Já no final do século XIX, Robert Owen apontava a regra do equilíbrio: oito horas de trabalho, oito de lazer e oito de sono (princípio 8-8-8), e Henry Ford foi dos pioneiros a adoptar o princípio.

Durante todo o século XX, as jornadas de trabalho foram sendo lentamente reduzidas e, em Portugal, só nas últimas décadas o sábado passou a ser (genericamente) dia de descanso, assim como em quase todo o mundo, mantendo-se até hoje a jornada de 35-40h como padrão. Recorde-se que, entretanto, o International Labour Office (ILO) avança com as bases da definição das jornadas de trabalho, indicando alguns princípios e, ainda assim, considerando existir excepções justificadas pela natureza da actividade:

  • Redução da carga horária semanal para 40 horas;
  • Calendário laboral até seis dias de trabalho/semana;
  • Oito horas de trabalho/dia até ao limite de 10 horas;
  • No mínimo, um dia de descanso semanal.

 

Não obstante, sabe-se que as práticas estão muito dependentes da legislação em vigor, da actividade, da visão de gestão e de cada país. Diversas circunstâncias têm trazido, sobretudo nos últimos anos, alguma flexibilidade às práticas dos tempos de trabalho, impulsionadas por visão das empresas, mas também por força de maior poder reivindicativo/ negocial dos trabalhadores. Fala-se, por exemplo da “semana compactada”, em que os trabalhadores podem realizar em menos dias mais horas (além dos limites diários) e libertar assim meio-dia ou um dia por semana. A forma mais popular e mais usada é um cronograma de quatro dias, com 10 horas diárias ou quatro dias com mais meia hora de trabalho, libertando a tarde de sexta-feira.

Nos últimos anos, e por exigências de flexibilidade trazidas pelas pessoas, as empresas têm adoptado esta medida como “política de flexibilidade”, com o intuito de se tornarem mais atractivas para os candidatos. Maiores preocupações com o bem-estar, a saúde e a permanência dos trabalhadores também têm destacado a necessidade de repensar estas questões do tempo de trabalho.

Muitos dos argumentos em defesa da semana de quatro dias baseiam- -se na ideia dos avanços científicos e tecnológicos, defendendo que, se nos finais do século XIX se trabalhava por semana entre 80 a 100 horas, e mais de um século depois, em geral, temos 35-40 horas, não será de se ir avançando com a redução para as 28 – 32 horas? Talvez…

 

Leia o artigo na íntegra na edição de Janeiro (nº. 145)  da Human Resources, nas bancas.

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