Por que se promovem pessoas incompetentes para liderar?

É prática comum recompensar os colaboradores de alto desempenho com uma posição mais elevada na organização. Porém, ser bom no seu trabalho não significa que será bom a gerir pessoas. A Fast Company deixa pistas do caminho que as empresas deveriam seguir.

 

Dados mostram que metade dos colaboradores nos Estados Unidos deixaram os seus empregos para escapar de um mau chefe, cujos comportamentos variam desde microgestão a actuação baseada em preconceitos inconscientes.

A cultura empresarial tem frequentemente equiparado a antiguidade do cargo à capacidade de gerir pessoas, o que é um erro crasso. «Aquele ditado, “as pessoas não deixam más empresas, elas deixam maus managers” é bastante verdadeiro. A cultura geral de uma organização é importante, mas a liderança directa é onde estão os maiores desafios», revela o recrutador Adam Karpiak.

 

Má gestão é uma característica do negócio, não um “bug”

Todos os anos, Adam Karpiak recebe centenas de mensagens de candidatos a emprego a descreverem a sua experiência com maus gestores, em que são tratados como engrenagens de uma máquina e não como indivíduos que precisam de ser desenvolvidos. Essa abordagem de “via de sentido único” deixa-os com a sensação de que são meramente tolerados e não envolvidos ou apoiados no trabalho.

O problema é que muito poucas organizações abordam o tema da Gestão de Pessoas de forma intencional. A liderança geralmente assume que, se um colaborador se destaca no seu trabalho, também o fará a gerir talentos, só que são competências totalmente diferentes.

«Um bom contabilista, por exemplo, é óptimo com números, mas se, de repente, se tornar director do departamento de contabilidade, terá de descobrir como motivar uma equipa de pessoas, supervisionar o seu trabalho e representar o departamento perante os superiores na empresa. É um “jogo” completamente diferente», explica Karpiak.

Então, por que razão bons colaboradores são promovidos automaticamente para cargos de gestão de pessoas?

Shonna Waters, vice-presidente de parcerias estratégicas da BetterUp, uma plataforma de coaching, atribui isso ao “princípio de Peter” (também conhecido por “princípio da incompetência”), que ela descreve como a ideia de que «as pessoas são promovidas ao seu nível de incompetência».

«Ao tomar decisões relativamente a uma promoção, os líderes podem valorizar o desempenho actual, em detrimento das competências necessárias para ser um bom líder na função seguinte», justifica. Isso irá automaticamente empurrar bons colaboradores para cargos de gestão e, consequentemente, afectar os colaboradores que serão geridos por esses líderes recém-promovidos. «Só que os colaboradores são recompensados por uma série de comportamentos que eventualmente terão de abandonar para se tornarem bons gestores e essa transição pode ser difícil, o que significa que as suas equipas precisam de ser pacientes.»

Adam Karpiak sugere que isso também é consequência de uma estratégia de fidelização e crescimento inadequada. Promover um colaborador de alto desempenho fará com que ele se sinta bem com o seu lugar e permaneça na empresa. Contudo, e como mostram os dados, isso causará um problema de fidelização noutras partes da organização, com colaboradores a sair por culpa de maus gestores.

 

Como criar uma boa cultura de Gestão de Pessoas

Uma solução para esse problema é formar e capacitar as pessoas sobre o que é uma boa gestão. Este tem sido um pedido constante dos colaboradores americanos, 57% dos quais acham que os seus gestores deveriam ter formação em Gestão de Pessoas.

«As pessoas querem sentir-se vistas, ouvidas e apreciadas. Isso requer que os gestores desenvolvam determinado mindset e adoptem comportamentos como autoconsciência, autoeficácia, autenticidade, empatia e incentivo à participação», defende Shonna Waters. Na sua pesquisa, a BetterUp registou um aumento de 160% na autoconsciência e um aumento de 60% na autenticidade após coaching personalizado para gestores, com base em factores como competências necessárias ou transição de carreira.

Waters acredita que a aposta numa boa gestão pode assumir várias formas: programas formativos para os interessados em gestão; mentoria de líderes de pessoas experientes; ou tarefas de aprendizagem. «Os managers também podem ajudar a criar oportunidades para que os colaboradores aprendam com projectos especiais. Por exemplo, gerir uma equipa de projecto é uma boa maneira de começar a desenvolver competências como estruturar, delegar e colaborar, que serão importantes para um gestor de pessoas», acrescenta.

 

Nem toda a gente quer gerir pessoas e isso é bom

Um factor pouco analisado neste tema é o facto de nem toda a gente querer gerir pessoas, mesmo em culturas onde existem modelos de boa liderança. «O problema é que, no passado, as empresas nem sempre estabeleceram caminhos de crescimento para os colaboradores e simplesmente empurravam-nos. Muitas vezes, o que os colaboradores gostam é do seu trabalho e só querem ter maior alcance, maiores orçamentos disponíveis e melhor remuneração», diz Karpiak.

Waters recomenda que, quem não quer gerir pessoas deve ter a opção de não participar nesse processo. «Algumas organizações obtiveram grande sucesso com previsões realistas de cargos, promoções temporárias ou oportunidades de mentoria. Permitir que os colaboradores tenham uma noção realista do que implica gerir pessoas, dar-lhes-á oportunidade de decidirem se é isso que pretendem antes de aprenderem da maneira mais difícil.»

Maus gestores de pessoas são prejudiciais para a cultura e funcionamento de qualquer empresa, mas bons gestores constituem uma influência positiva e estabilizadora nas equipas, especialmente em tempos incertos. As apostas nesta função são altas: os gestores de pessoas impactam nos resultados da empresa, mas, acima de tudo, influenciam a felicidade e o desenvolvimento dos colaboradores. Somente colaboradores com propósito, intenção e potencial para gestão de pessoas devem ocupar essas posições, mas também devem ser capacitados com as ferramentas necessárias para ter sucesso nessa função.

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