Teletrabalho? Atenção, one size does not fit all

Por Carla Caracol, Directora de Recursos Humanos do Grupo Renascença Multimédia, Professora Universitária, membro da Direcção Nacional da APG e da DCH Portugal

Muito se tem escrito sobre o teletrabalho, garantindo-se que este regime teve impacto ao nível da produtividade, aumentando-a! Apesar de estas afirmações serem sustentadas em estudos, confesso que tenho receio de que se esteja a incorrer numa falácia a médio/longo prazo! Por um lado, porque, não raras vezes, estamos no âmbito das percepções e, por outro lado, porque a amostra temporal, na maior parte das empresas inquiridas, é, por si só, reduzida, não sendo suficientemente fidedigna. Face a isto, um leitor menos atento/analítico destas supostas notícias, pode incorrer em alguns riscos de cariz estratégico e operacional ao agir em conformidade com esses expectáveis incrementos organizacionais.

É inegável o benefício da diminuição e/ou inexistência das despesas e do tempo inerentes às deslocações de e para o trabalho, mas, sinceramente, excepto isso, não consigo objectivar outra variável que seja temporalmente controlável para sustentar a posição de ganho com este regime. Pelo menos, de forma universal! Sim, porque é dessa realidade que falamos… da aplicabilidade indiscriminada do teletrabalho, como se fosse a solução para todos os problemas empresariais, de mercado e de saúde! Percebo a urgência na resposta à crise pandémica e a emergência de soluções que possibilitem a continuidade do negócio, mas este regime obrigatório deve ser encarado efectivamente como provisório!

Não quero ser insensível, nem injusta, e excepções (felizmente) existem! E existem negócios e funções cujo mundo virtual funciona sem qualquer constrangimento e faz sentido pensar na sua adopção definitiva. Excelente! Contudo, não acredito ser a solução para a grande maioria do tecido empresarial, nem para a maior parte dos colaboradores portugueses! E temos que gerir no contexto luso, com todas as suas idiossincrasias.

Em conversas, mais ou menos informais entre pares, tenho confirmado o que constato diariamente: por um lado, quem, no período pré-pandémico, já trabalhava de forma eficaz e eficiente, com muita qualidade, continua a fazê-lo e mostra disponibilidade para contribuir ainda mais com o seu talento e, por outro lado, quem, nesse mesmo período dito “normal” se limitava aos mínimos olímpicos, passou a nem se esforçar para participar no jogo de solteiros e casados da aldeia onde nasceu… e o que acontece a seguir? Os primeiros, os profissionais e diligentes são sobrecarregados com as actividades que os segundos deixam pendentes!

E, pasmem-se… os resultados aparecem, até, provavelmente, melhoram… não porque a produtividade seja muito mais elevada, mas porque a dedicação de uns esconde a falta de entrega de outros.

O verdadeiro paradigma do Teletrabalho não é este! Não pode ser uma realidade imposta, independentemente das condições de empresas e colaboradores!

Não pensem que sou fã do velho do Restelo, nem sequer o encarnei, mas acredito que, de forma séria, antes de se tomarmos decisões críticas – sim, a forma como as pessoas prestam o seu trabalho é crítica – se têm que analisar todas as variáveis. Importa, assim, para além de discutir esta problemática numa dimensão económica e de gestão, não descurar as implicações sociológicas e psicológicas do afastamento de modelos de prestação de trabalho presencial. One size doesn’t fits all… certo? É isso que ensinamos/aprendemos nos bancos da escola.

Sou apologista do modelo híbrido e flexível da prestação de trabalho, em que empresa e colaborador acordam na sua forma, no interesse e na vontade de ambas as partes… um modelo pensado, planeado, organizado e assente, sobretudo, no respeito e na confiança. Claramente, para que esta solução seja viável, é necessário assegurar algumas condições que podem ser mais incrementais ou disruptivas, de acordo com a maturidade da organização. A saber: a) uma cultura organizacional de exigência e rigor, assente na gestão por objectivos; b) lideranças competentes e confiantes que deleguem, promovam a autonomia e a responsabilidade pessoal; c) colaboradores focados nos resultados e disponíveis para mobilizar todo o seu potencial. Concomitantemente, e condição essencial para tudo isto, é necessário que sejam mobilizados recursos financeiros, e outros, para garantir que os colaboradores tenham as adequadas condições tecnológicas, ergonómicas, e de inúmeros outros âmbitos, para um desempenho de excelência.

Por tudo isto, creio que, antes de tomarmos qualquer decisão definitiva, no que respeita ao modelo a adoptar no futuro, temos que prosseguir numa abordagem de tentativa e erro, assumindo o experimentalismo dos modelos, sem pressão no que respeita a compromissos, para além do que a legislação cega nos impõe.

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