Teletrabalho: Empresas e Trabalhadores com novos desafios

A crise pandémica conferiu protagonismo incontornável ao teletrabalho, de recurso em larga escala e, inclusivamente, no plano transnacional. Surge, actualmente, como importante instrumento de atractividade, captação e retenção de talento.

Por Rita Canas da Silva, sócia responsável pelo departamento Laboral da Sérvulo & Associados e professora da Universidade Católica Portuguesa

 

Consubstancia, todavia, um desafio para as organizações, atendendo às diversas alterações introduzidas ao respectivo regime jurídico, que incluem, nomeadamente: (i) alargamento dos casos em que os trabalhadores podem, unilateralmente, impor ao empregador a prestação de teletrabalho; (ii) previsão do dever de o empregador proceder ao pagamento de compensação de despesas suportadas pelo trabalhador em contexto de teletrabalho; (iii) dever de abstenção de contacto; (iv) imposição da realização de exames médicos direccionados especialmente ao desempenho de funções em teletrabalho.

O teletrabalho partilha, no essencial, as características típicas do trabalho presencial. Todavia, exige a intermediação de tecnologias de informação e comunicação e o local de trabalho, sendo remoto, deixa de ser controlado pelo empregador. Importa alertar que, ao contrário do que é, por vezes, difundido, a observância de forma escrita não é condição de validade do acordo de teletrabalho, mas apenas modo de facilitação da prova da contratualização deste regime. Actualmente, uma via comum e expedita de formalização destes compromissos passa pela elaboração de regulamentos internos de teletrabalho, que, assumindo natureza contratual, vinculam os trabalhadores aderentes. O acordo de teletrabalho deverá, entre outros elementos, indicar: (i) a respectiva duração; (ii) o local de prestação da actividade; (iii) o período normal de trabalho diário e semanal; (iii) o horário de trabalho; (iv) a actividade desenvolvida, (v) a categoria do trabalhador; (vi) a retribuição – incluindo prestações complementares e acessórias; (vii) a propriedade dos instrumentos de trabalho e o responsável pela respectiva instalação e manutenção.

O acordo de teletrabalho pode ser celebrado por duração determinada ou indeterminada. No primeiro caso, o acordo não pode exceder seis meses, renovando-se automaticamente por iguais períodos, salvo oposição escrita, até quinze dias antes do termo. Sendo o acordo de duração indeterminada, qualquer das partes poderá fazê-lo cessar mediante comunicação escrita, que produzirá efeitos no sexagésimo dia subsequente. Uma novidade controversa é a obrigação de o empregador compensar o trabalhador pelas despesas adicionais que este, comprovadamente, suporte, em directa consequência da aquisição ou uso de equipamentos e sistemas necessários ao teletrabalho, incluindo custos de energia e internet. A dificuldade reside na flagrante dificuldade de prova de correlação entre tais despesas e a actividade profissional remota, ao que se somam outras dúvidas que a Agenda do Trabalho Digno, recentemente promulgada, procura enquadrar.

As novas regras contemplam deveres adicionais para o empregador, como seja: (i) informar o trabalhador sobre as características e o modo de utilização dos dispositivos, programas e sistemas disponibilizados para a actividade profissional remota; (ii) a observância do direito do trabalhador a “desligar”; (iii) minimizar o isolamento inerente ao teletrabalho, promovendo contactos presenciais periódicos com o trabalhador; (iv) assegurar a reparação dos equipamentos de trabalho; (v) consultar o trabalhador, por escrito, antes da introdução de mudanças no equipamento ou no sistema utilizados; (vi) prestar formação adequada à utilização de tais equipamentos e sistemas.

O trabalhador tem, por seu turno, o dever de facultar o acesso ao local onde presta a sua actividade aos profissionais de higiene, segurança e saúde no trabalho, em período previamente acordado. Existem, no entanto, óbvias reservas quanto à efectividade deste controlo, a par de dúvidas recorrentes quanto à aplicabilidade, sem ajuste, do regime jurídico dos acidentes de trabalho.

No caso das empresas 100% remotas, que não disponham de instalações em território nacional, há ainda que questionar o que sucederá caso um trabalhador coloque fim ao acordo de teletrabalho, indicando a lei que, nesses casos, o trabalhador tem direito a desenvolver a sua actividade profissional em regime presencial. A solução passa, possivelmente, pela caducidade do contrato de trabalho, por impossibilidade de o empregador receber a prestação de trabalho.

Em suma, a par do lay-off em contexto pandémico, o teletrabalho assume-se como o fenómeno laboral mais expressivo dos últimos anos. Persistem, contudo, múltiplas dúvidas por clarificar.

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