Teletrabalho: um novo paradigma que descura a saúde (sobretudo a das mulheres)

O teletrabalho veio para ficar. Com a chegada da pandemia de COVID-19 e os ajustes na forma como trabalhamos, muitas empresas aperceberam-se que por vezes os escritórios se tornam inúteis e que há muitas vantagens económicas (e também para a satisfação pessoal dos seus colaboradores) em permitir o trabalho a partir de casa.

Por Manuela Abreu, diretora do departamento de nutrição na Nutrium

Mas nem tudo tem sido benéfico nesta mudança de paradigma. Com quarentenas longas na maior parte dos países e um aumento do stress generalizado, a pandemia de COVID-19 trouxe, de igual forma, um declínio da saúde física e mental dos trabalhadores que tem prevalecido de mãos dadas com o teletrabalho.

O trabalho remoto confere uma maior flexibilidade e autonomia, mas também aumenta, muitas vezes, a intensidade da carga e do tempo dedicado ao trabalho, trazendo desafios no que diz respeito à organização do tempo, ao equilíbrio entre trabalho e família e ao próprio bem-estar dos trabalhadores. Sobretudo o das mulheres, que são ainda quem mais carrega o fardo das tarefas domésticas e de cuidado.

Segundo uma conclusão do Parlamento Europeu, conhecida por ocasião do Dia da Mulher, as mulheres sentem uma maior sobrecarga de trabalho, quer remunerado quer não remunerado, desde o início da pandemia, comparando com os homens. Ao mesmo tempo, foram elas que ficaram mais suscetíveis à preocupação com o desaparecimento de amigos e familiares, ansiosas e angustiadas e, em geral, mais preocupadas com o seu futuro. Também os rendimentos delas foram mais afectados do que o dos homens desde que a pandemia eclodiu. E todos estes contrastes têm vindo a ser, de certa forma, normalizados com a acepção do trabalho remoto.

Num artigo do Eurofund, fundação europeia para a melhoria das condições de vida e de trabalho, defende-se que os trabalhadores privilegiam o teletrabalho mas que é necessário abordar consequências associadas como “as horas de trabalho a mais, o isolamento e os equipamentos inadequados”. E tudo isto tem consequências na saúde dos trabalhadores, já que ficou provado que grande parte do stress, do desequilíbrio entre vida pessoal e profissional, sedentarismo e da falta de hábitos alimentares saudáveis que despontaram com a pandemia, ficaram impregnados em quem se manteve a trabalhar a partir de casa.

Alimentação é a arma

Na internet não faltam artigos com dicas de como “manter a produtividade no trabalho remoto”, sendo uma das mais recorrentes – e mais importantes – o incentivo à adopção de uma alimentação saudável. Por si só, esta é uma forte arma de combate ao stress, de prevenção contra a obesidade, doenças crónicas e mentais, ao mesmo tempo que promove o aumento do foco e da energia. Assim, com o advento do teletrabalho, a nutrição ganha um papel cada vez mais preponderante para a saúde pública, devendo ser promovida por empresas e Governos, para que seja providenciada da forma mais correta possível e para que se evitem os efeitos reversos da desinformação facilmente acessível.

Actualmente, para cada dado cientificamente provado e de confiança que encontramos online, existem outros quantos que acabam por se revelar verdadeiros mitos, sem qualquer teor de verdade e que podem inclusivamente incentivar a comportamentos perigosos, prejudicando a saúde de quem confia nessa informação. No limite, esta dinâmica pode levar a distúrbios alimentares como a ortorexia (uma obsessão não saudável por uma alimentação saudável), a anorexia, a compulsão alimentar, entre outros. Sabemos, mais uma vez, que são as mulheres que mais riscos correm de cair nestas armadilhas, uma vez que são elas que sentem uma maior pressão social para obter o “corpo perfeito” (é verdade que hoje esta pressão generalizou-se mas continua a pesar mais para as mulheres) e, como vimos acima, são elas que têm menos rendimentos para procurar ajuda profissional.

Infelizmente, ainda não existem leis ou medidas que penalizem as pessoas sem habilitações profissionais por comunicarem informação errada ou exercerem a prática do nutricionista sem formação específica. No entanto, pode-se verificar que o papel do nutricionista é hoje cada vez mais importante, sendo essencial um acompanhamento adaptado a cada pessoa, para que consiga alterar os seus hábitos alimentares de forma eficaz e, a partir daí, manter-se saudável física e mentalmente. Pois só com bem-estar se consegue a base necessária para um equilíbrio saudável entre vida pessoal e vida profissional (seja em escritório ou em teletrabalho).

Como podem as empresas fomentar uma alimentação mais saudável?

Tendo em conta que a maior parte do dia-a-dia da população ativa é dedicada ao trabalho, as empresas têm aqui um papel fundamental na promoção de hábitos de alimentação saudável. A necessidade de oferecer aos colaboradores mecanismos para melhoria da sua saúde e bem-estar, de forma a contornar as dificuldades causadas pelo trabalho remoto, tem emergido nos últimos anos, levando muitas empresas a considerarem a oferta de benefícios extra-salariais que assegurem um maior cuidado aos seus colaboradores, mesmo à distância. Na área de alimentação, existem programas desenhados especificamente para empresas, em que é dado ao colaborador um acompanhamento nutricional personalizado e próximo, de forma a fomentar uma melhoria dos seus hábitos alimentares e melhorar o seu bem-estar geral.

Todos sabemos que a vida não é só trabalho mas, devido ao tempo que nos consome, a atividade profissional pode (e deve) garantir-nos mais qualidade de vida. Afinal, é para isso que trabalhamos!

 

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